A gruta é mais extensa do que a gruta

    follow me on Twitter

    quinta-feira, julho 31, 2003

    Vacas / Terra / Os Amantes do Círculo Polar

    When I woke up today and you weren't there to play, then I wanted to be with you. When you showed me your eyes, whispered love at the skies, then I wanted to stay with you. Inside me I feel alone and unreal, and the way you kiss will always be a very special thing to me...

    Então, houve uma mudança de planos, e os filmes que seriam colocados na roda ficaram pra outra ocasião. Mas não tem problema, porque posso bancar o chato e reclamar dos paulistanos mais cedo (nada contra paulistanos em geral _alguns deles até que chegam a valer um centavo de peso argentino...): mas, afinal, que mania estúpida é essa de gostar de pegar fila, hein?

    Sintam o drama: para ver filmes gratuitos nas muitas mostras legais que rolam no Centro Cultural São Paulo, você precisa retirar o ingresso com uma hora de antecedência. Até aí, tudo bem, você pega uma filinha. Mas é necessário que, logo após os ingressos serem distribuídos, outra fila seja formada para entrar na sala? Cáspite, em vez de aproveitar a horinha que falta até o início da sessão para desfrutar dos inúmeros atrativos do Centro Cultural e da barraquinha de pastel e dogão no capricho a R$ 0,70 que fica na calçada, os quadrúpedes desmiolados (que só podem se reproduzir por partenogênese) se amontoam novamente próximos ao acesso às salas, cada um olhando pra cima, fazendo cara de samambaia murcha! E o neurótico aqui, que faz questão de pegar um lugar decente para ver os filmes, é obrigado a ficar na maldita fila, também. Vão freqüentar o Banespa, seus mentecaptos!

    Ufa, agora que destilei toda a minha virulência fétida e implacável, posso voltar a ser a criatura afável e malemolente de praxe e comentar algumas atrações do festival Julio Medem, cujos três filmes supracitados e mais "Lucía e o Sexo" (ficou faltando só o segundo dos cinco longas do diretor, "O Esquilo Vermelho", de 93) compuseram a tal exposição, acompanhados de vários curtas de diferentes autores (em geral, bem bons, embora estivessem sem legenda).

    O Medem, pasmem (se quiserem pasmar, é claro), é médico. Cirurgião. Fazia uns curtas como hobby, nos anos 80, aí foi levando a coisa mais a sério, acabou fazendo um longa em 91, "Vacas", que foi bem-sucedido o suficiente para que o cara largasse a medicina e se dedicasse a cortar películas em vez de corpos humanos. Muito bem, seu Medem.

    Comecemos, pois, pela estréia do diretor, o pior entre os que eu vi. "Vacas", estrelado por Carmelo Gómez (que atua em "Entre las Piernas", thrillerzinho mais ou menos com a Victoria Abril e o Javier Bardem, já viram?), é uma espécie de "O Tempo e o Vento" (guardadas as devidas proporções, é claro) espanhol: um desses "filmes de linhagem", no qual acompanhamos Carmelo interpretando três personagens da mesma família, no conturbado período 1870-1935 (ou seja, guerras não faltam), no igualmente conturbado País Basco (onde Medem nasceu). Some a isso rixas entre vizinhos, amores "impossíveis" (porque a gente sabe que esse negócio de "amor impossível" não existe pra valer), sangue, morte, arte e principalmente... é, vacas. Deu pra dar uma idéia?

    Já em "Tierra" (96), o terceiro longa de Medem (que também roteiriza seus filmes, ou seja, trata-se de um autor cinematográfico), vemos o estilo do diretor mais cristalizado: aqui ele lida com o elemento do "duplo" (não do uísque duplo, mas do doppleganger, saca?): Ángel, o protagonista (mais uma vez, Carmelo Gómez), trabalha como exterminador de pragas (será uma referência ao clássico de Buñuel, "O Anjo Exterminador"?).

    Recém-saído de um hospital psiquiátrico, Ángel ainda sofre de esquizofrenia e tem visões de um "anjo" que nada mais é do que seu duplo. Ele encontrará seu nêmesis na figura do violento Patrício (Karra Elejalde, outro ator que trabalhou bastante com Medem), e se dividirá entre o amor/desejo (sim, o artista gosta de mostrar cenas de nudez/sexo em seus filmes _ele é latino, afinal) por Ángela (Emma Suárez, a bela loira de "Vacas"), a santinha, e Mari (a deliciosa Silke Klein), a diabinha. Sim, há misticismo (a cena inicial é fantástica, em mais de um sentido), e os personagens não são batizados à toa. Medem demonstra mais cuidado com as imagens neste belo filme, e, na trilha sonora, colocou Caetano Veloso (a música, óbvio, é "Terra"), antes do Almodóvar.

    E "Os Amantes do Círculo Polar", o melhor de todos (está em cartaz no Telecine Emotion, não perca), está fadado a se tornar clássico. E não falo à toa de destino, pois este é um dos temas centrais do filme, que também aborda os palíndromos (os protagonistas se chamam Otto e Ana _não falei que Medem se preocupa com os nomes?), os ciclos, os círculos, as coincidências, expressas nas histórias das famílias dos protagonistas, que se mesclam. Incrivelmente bem escrito, cheio dessas sacadas que deslumbram os espectadores, a obra ainda traz essa coisinha linda que é a Najwa Nimri (além de Kristel Díaz, que interpreta a Ana adolescente, hmm), e eu já vou parando por aqui, porque todos esses filmes dão muito pano pra manga... Já pros comentários!

    P. S. Falando no CCSP, terminei de fazer por lá uma oficina de literatura com a poeta paranaense Alice Ruiz, de quem eu sou fã há um bom tempo. E eu nem sabia que ela era a mulher do Paulo Leminski...

    sexta-feira, julho 25, 2003

    Roma / O Talentoso Ripley / Frenesi

    Though we're apart, you are part of me still, for you were my friend on Blueberry Hill.

    Ah, as cidades. Muito a dizer, muito a mostrar. Será que um dia eu brinco de "Amarcord" e faço um filme sobre Votupa? Mais fácil um projeto sobre os 450 anos de Sampa, né?

    Fellini, que no filme supracitado recriou a Rimini de sua infância, homenageou anteriormente a capital de seu país, uma das cidades mais importantes do mundo, que batizou um dos maiores e mais duradouros impérios da história da humanidade. Não só por isso, "Roma" é um filme fascinante.

    Muito de ficção, um tantinho de documentário (um pouco a exemplo de "I Clowns"), a Roma de Fellini, registrada no comecinho da década de setenta, mistura a própria história do diretor, que chegou à capital ainda jovenzinho (vemos o rapazola sendo recebido por uma "típica" família italiana, indo jantar em uma animada cantina, freqüentando prostíbulos pobres e ricos _ah, o que seria de Fellini sem as putas? Não é à toa que uma delas se converteu no cartaz do filme), com a narração em off do próprio Federico-diretor, se dirigindo a personalidades como Anna Magnani (em sua última aparição nas telas), Gore Vidal, Alberto Sordi, John Francis Lane e o meu xará Mastroianni.

    E tudo isso recheado com hippies (dezenas deles) nas piazzas, motoqueiros nas rodovias, pontos turísticos que misturam antigüidade e modernidade, crianças saudavelmente bagunceiras, uma expedição aos túneis do metrô e um impressionante desfile de roupas eclesiásticas (seqüência que chegou a ser censurada, por seu forte teor anticlerical), sempre no estilo único do artista, deixando bem claro que, no final das contas, as cidades se tratam de pessoas, e não de lugares. Quem gostou de "Amarcord" mas ainda não conhece "Roma", pode tratar de ir correndo.

    É também em Roma onde se passa boa parte da história de "O Talentoso Ripley", além de outros locais como Veneza, San Remo, Mongibello etc. O diretor Anthony Minghella (o mesmo do chatolengo "O Paciente Inglês") fez questão de filmar in loco a história do interessantíssimo personagem criado pela escritora norte-americana Patrícia Highsmith (1921-1995), cujo primeiro livro, "Strangers on a Train", foi filmado por Hitchcock, com roteiro de Raymond Chandler, e batizado no Brasil de "Pacto Sinistro" (vocês assistiram a "Jogue a Mamãe do Trem", do Danny De Vito?).

    Nos livros (ele protagonizou vários deles), Tom Ripley é um tremendo de um canalha. Mentiroso, assassino, falsário, ladrão etc. Um cara detestável em todos os sentidos. Só que a autora faz você torcer por ele o tempo inteiro. Ela o transforma em um homem encantador, enquanto que seus inimigos, ainda que respeitosos à Lei, são mostrados como pessoas detestáveis. É uma notável inversão de valores, que te faz questionar seu próprio caráter. São leituras fascinantes, que eu recomendo com entusiasmo.

    Só que, no filme de Minghella (não vi a versão de René Clément, "O Sol por Testemunha", com Alain Delon no papel de Ripley _por sinal, o preferido de Highsmith), o Thomas de Matt Damon não transmite nem um décimo do charme que o personagem requer. E olha que Damon atua bem. Jude Law, como o playboy Dickie Greenleaf, está pior, e Gwyneth Paltrow está sem graça como quase sempre (será que ela superará sua performance em "The Royal Tennenbaums"?), enquanto Cate Blanchett aparece pouco demais. Quem mata a pau mesmo como um digno representante de um personagem de Highsmith é o nosso amigo arroz-de-festa Philip Seymour Hoffman, fazendo a linha correto-mas-detestável, a habitual vítima do senhor Ripley.

    Enfim, "O Talentoso Ripley" é um filme legal, muito bem feito, mas suas qualidades se apóiam principalmente no fabuloso livro de Highsmith. Com um ponto de partida tão excelente, só mesmo um completo inepto estragaria tudo. Imagina se o Hitch tivesse adaptado a obra?

    Falando em Hitch e em grandes cidades, "Frenesi" (1972) marca a volta do mestre do suspense a Londres. O início, uma tomada aérea do Tâmisa, é antológico, e o cotidiano da capital inglesa é mostrado com sutileza ao longo da história de perseguição a um "serial killer" sexual, o "assassino da gravata". Vemos os pubs, o mercado de frutas, os parques etc., ao acompanharmos a vida desgraçada de Richard Blaney (interpretado por Jon Finch), um cara que só se dá mal. Vamos falar a verdade: o cara só se fode, é incrível. Ele fica atolado na merda até os 30 segundos finais do filme. Poucas vezes eu vi um personagem tão azarado no cinema, trata-se de um verdadeiro Pato Donald humano.

    E não é que o tal do Blaney será incriminado como o tal do assassino da gravata? Sim, trata-se de mais um filme no estilo "o homem errado" que Hitchcock consagrou. Só que, desta vez, o veterano diretor vai mais fundo, porque, afinal de contas, o tal do Blaney não é mesmo flor que se cheire...

    Na real, "Frenzy" é um Hitch mediano, embora tenha classe. Tem um jeitão de produção "B", com atores desconhecidos (colhidos do teatro inglês), sem tradição cinematográfica, e está repleto de cenas grotescas (incluindo nudez). A tônica é de humor negro, com situações bastante estranhas, como a mulher do policial que empurra para o coitado uma série de iguarias absurdas que aprendeu num curso de culinária... Mas, ah, Hitch domina a narrativa cinematográfica como poucos e realiza seqüências incríveis, como a do tribunal (mais simples e eficiente, impossível) e a abrupta cena final _digamos que o filme termina exatamente onde deveria terminar, mas é tão rápido que, se você piscar, perdeu. É, Hitch era gênio até debaixo d'água.

    P. S. Vocês já devem estar calvos de saber que morreu o Rogério Cardoso, cômico dos grandes. Chico Anysio está certo: ele vai fazer muita falta.

    P. P. S. Outro que se foi: John Schlesinger, diretor de filmes antológicos como "Midnight Cowboy" e "Maratona da Morte". Será que tem dentista no céu?

    P. P. P. S. Não sou fã de listas e não dou a mínima pro Nick Hornby. Mas o Moacy Cirne está fazendo uma pesquisa e pediu para um monte de gente a elaboração de uma seleção com "os vinte melhores filmes da história". Com muito custo, fiz a tal lista, que é totalmente instável (pode e vai mudar a qualquer momento) e baseada em critérios emocionais, ou seja, não tentei realmente elencar os melhores ou os mais importantes filmes. Alguns deles já foram debatidos aqui, os outros talvez o serão, algum dia. Aí vai a danada:

    1 - Tempos Modernos (Chaplin, 1936)
    2 - Janela Indiscreta (Hitchcock, 1954)
    3 - Gritos e Sussurros (Bergman, 1973)
    4 - A Regra do Jogo (Renoir, 1939)
    5 - Luzes da Cidade (Chaplin, 1931)
    6 - Um Corpo Que Cai (Hitchcock, 1958)
    7 - Os Nibelungos (Lang, 1923)
    8 - São Paulo S/A (Luiz Sérgio Person, 1965)
    9 - Apocalypse Now Redux (Coppola, 1979/2001)
    10 - Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967)
    11 - Repulsa ao Sexo (Polanski, 1965)
    12 - Touro Indomável (Scorsese, 1980)
    13 - Crepúsculo dos Deuses (Wilder, 1950)
    14 - Os Incompreendidos (Truffaut, 1959)
    15 - O Poderoso Chefão (Parte I) (Coppola, 1972)
    16 - Memórias (Allen, 1980)
    17 - Todas as Mulheres do Mundo (Domingos de Oliveira, 1967)
    18 - O Professor Aloprado (Lewis, 1963)
    19 - Cantando na Chuva (Donen & Kelly, 1952)
    20 - Clamor do Sexo (Kazan, 1961)

    sábado, julho 19, 2003

    A Última Noite / Embriagado de Amor / B. Monkey

    Cuidado, baby, que este texto é pra machucar seu coração. Hoje sou um satélite solitário, orbitando desesperadamente o desolado planeta Amorrr. Uh yeah.

    OK, se você conseguiu segurar os sucessivos jatos de vômito até aqui, então merece saber que "A Última Noite" (que não deve ter sido traduzido literalmente, como "25ª Hora", para não lembrar daquele velho programa das madrugadas da Record que falava de paranormalidade) é, provavelmente, o melhor filme de Spike Lee (ainda não vi todos, então não posso afirmar categoricamente), e um dos melhores que vi neste ano.

    Não duvido que muito brazuca enfezado deva ter detestado algumas partes do filme, que podem ser consideradas meras patriotadas, já que se trata de uma declaração de amor a Nova York, abalada com a ainda recente tragédia de 11 de setembro de 2001. Eu já acho bastante natural que um nova-iorquino da gema como Lee tenha resolvido encarar tal tema. E, felizmente, ele não se limitou a fazer um melodrama barato e apelativo (lembre-se de "Pearl Harbor", "Independence Day", "Armageddon" e outros lixos), mas criou uma história interessante, razoavelmente complexa, com personagens ricos e uma bela estrutura narrativa.

    Edward Norton (um ator que já provou ser bom, esperemos que ele não se transforme numa caricatura de si mesmo, como aconteceu com o De Niro) interpreta um traficante que roda na mão dos tiras e vai pegar uma cana brava de sete anos. A última noite da qual fala o filme é justamente a sua última noite de liberdade, antes de pagar um veneno no inferno. E tudo o que ele quer é se divertir. É um pouco como o "Decamerão": já que estamos fodidos, vamos botar pra foder.

    Mas não é só isso. A última noite do trafica será, na verdade, um grande ajuste de contas com a namorada porto-riquenha (suspeita de ter dedurado o cara), com o melhor amigo (que se tornou um bambambã de Wall Street e não entende porque Norton entrou na vida do crime), com outro amigo (Philip Seymour Hoffman, um professor que tem uma natural tara pela aluninha Anna Paquin, sexy as hell), com os parceiros de bandidagem (máfia russa e tal), com o pai e até com o cachorro (que ele salva na primeira cena do filme, belíssima). Além de New York City e seu povo, é claro.

    "25th Hour" é, de várias maneiras, um filme de amor. Lee dá um grande passo na carreira ao deixar de lado, nem que seja apenas por um momento, a questão racial (longe de ser um problema desimportante), e fazer um filme muito mais abrangente, sério candidato a clássico. Será que estou exagerando?

    Agora, estou longe de exagerar ao dizer que maravilha mesmo é este "Embriagado de Amor" _que, coincidentemente, eu acabei vendo na noite do Dia dos Namorados. Que filme lindo! Uma das coisas mais românticas que já vi em toda a minha vida, juro.

    Adam Sandler, um comediante do qual eu sempre gostei (ele era ótimo no "Saturday Night Live", mas não me lembro de ter visto suas comédias no cinema), mostra que pode ser um ator dramático excelente, se bem dirigido. Emily Watson está OK, e Philip Seymour Hoffman (olha ele aqui de novo) está bom como sempre. A música, de Jon Brion, é impagável (vá correndo baixar "He Needs Me", aquela que toca quando Sandler chega ao Havaí), e o Paul Thomas Anderson conseguiu sair daquele estilo característico (que marcou seus também ótimos "Boogie Nights" e "Magnolia") e mostrar algo novo.

    E o mais legal é que "Punch-Drunk Love" é estranho, abrasivo, incômodo, um desses filmes que te deixam nervoso, irrequieto. É uma comédia na qual você não ri, um drama no qual você não chora, mas um romance que te enleva sem que você perceba de imediato. Saí do cinema leve, com um sorriso enorme, pronto para me apaixonar e ser feliz para sempre.

    Já um outro romance, também explosivo, à sua maneira, é "B. Monkey", cujo título brasileiro eu felizmente consegui esquecer, porque é ridículo de tão anódino. Quem dirigiu é o Michael Radford, autor de uma adaptação de "1984", do velho George Orwell, e de "O Carteiro e o Poeta", aquele no qual brilha o Massimo Troisi.

    B. Monkey é o apelido de Beatrice (de Dante Alighieri?), a protagonista, deliciosamente intertrepada por Asia Argento (filha de Dario Argento, o maior nome do cinema de terror italiano), que é tatuada e dez mil vezes mais musa do que a Christina Ricci aí de baixo (sorry, Chris), além de ser fã do Einstürzende Neubauten e produtora, escritora, diretora e todos os outros "oras" que ela quiser, ora. Ela é uma assaltante, membro de gangue, barra pesada, bad girl, bad, bad girl, que larga a vida de crimes ao se apaixonar por um professor de escola primária, um baita de um bundão. Sim, absolutamente inverossímil, por isso que é um belíssimo de um romance. E um romance cheio de sangue e de bala. E da Asia mostrando as tatoos.

    Ainda a respeito de "B. Monkey", duas coisinhas: 1) Dusty Springfield também parte o meu coração; 2) Asia, mi amore: atira em mim também, baby.

    P. S. Sábado passado, nasceu a Kaiane, filha da minha ex-namorada e atual amiga e editora de revista de mulher pelada Kate. Ela é a coisinha mais linda do mundo, toda cabeluda e fofinha. Bem-vinda!

    domingo, julho 13, 2003

    Buffalo '66 / Cães de Aluguel

    I could try to be big in the eyes of the world, what matters to me is what I could be to just one girl...

    Falando em girl, o que é essa Christina Ricci, hein? Surgiu mesmo como estrela-mirim há mais de dez anos (a intérprete perfeita para a bizarra Wednesday, a pequerrucha da família Addams), participou de películas infantis como "Garparzinho" e "Aquele Gato Danado" (mesmo em tenra idade, sempre demonstrou inteligência e personalidade ímpares em entrevistas), antes de se tornar musa em filmes como "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça", do nosso bom amigo Tim Burton.

    Mas a menina, que tem cabeça de sobra (com duplo sentido, por favor), não quis saber de ser apenas mais uma Shirley Temple de porta de boteco e partiu para o abraço com o cinema independente americano, em filmes como "Pecker" e "The Opposite of Sex". Um desses filmes é o bastante comentado "Buffalo '66", estréia em longas do multiartista xaropão Vincent Gallo (entrem neste link, cliquem em "interview" e depois em "Village Voice" para sentirem o drama), que já havia feitos curtas e clipes para algumas de suas músicas e do chapa John Frusciante (que eu entrevistei na primeira semana de 2001; gente finíssima).

    Um parêntese: seu segundo longa, "The Brown Bunny", foi massacrado em Cannes, este ano; dizem que, em uma das cenas, Chloë Sevigny, aquela garotinha que se fode (e é fodida) em "Kids", do tiozão Larry Clark, paga um boquete (de verdade) para o sr. Gallo (que ganhou uma "homenagem" musical da lindaça Cat Power); a moçoila (Sevigny, não a Ricci) ainda aparece em "Dogville", filme do Von Trier que também passou por Cannes.

    Voltando a "Buffalo": a história não é o que mais importa no filme de Gallo: ele interpreta Billy Brown, um cara azarado que curte jogar boliche e que, após ficar cinco anos na cadeia, mesmo sendo inocente, busca vingança: ele planeja matar um ex-jogador de futebol americano, sabe-se lá por que cargas d'H2O. No caminho, rapta uma dançarina, Layla (sim, a Ricci, mais totosa, glamourosa, linda, biscoituda, irresistível, gatinha, fofoléti e loira do que nunca), e ordena que ela finja ser sua esposa, durante uma visita a seus pais: Anjelica Huston, desgraçadamente engraçada como uma torcedora fanática do time de futebol de Buffalo, e Ben Gazzara, que curte bancar o crooner e abusar do "pobrezinho" Billy, que, por sua vez, adora encher o saco do seu amigo Goon (ou Rocky), interpretado grotescamente (no bom sentido) pelo sensacional Kevin Corrigan, um cara que já vez uma porrada de filmes e, dizem as más línguas, também é guitarrista.

    Mas a história fica um tanto em segundo plano, e Gallo parte para experimentalismos que dividem opiniões; muita gente gosta do filme pelo trato que o cara dá às imagens, em seqüências interessantíssimas, como a do jantar na casa dos pais de Billy, os showzinhos de Gazzara e de Ricci (que sapateia no boliche), as reminiscências da infância do protagonista e a cena em que Brown finalmente fica cara a cara com o seu nêmesis, num puteiro cheio de peitudas peladas, ao som de, sim, Yes (!). Mas também tem muita gente que acha o filme um porre, devido à aparente inconseqüência do diretor/roteirista/ator. Eu até que gostei, embora não o considere um grande filme (não chega nem perto disso, mas tem dignidade; e tem Christina Ricci mais adorável do que nunca _não ouse dizer que isso é pouco).

    Falando em cinema independente americano, é impossível não citar um dos campeões entre os filmes "cult" de baixo orçamento: "Reservoir Dogs", o segundo (sim, segundo) longa de Quentin Tarantino, um cara que até dirigiu um episódio de "Plantão Médico" (ou "ER", se você não viu na Globo), além de ter virado o melhor amigo de John Travolta, aquele que é chegado numa Cientologia.

    Tem gente que gosta de falar que "Cães de Aluguel" é melhor do que "Pulp Fiction", só porque o primeiro foi menos visto e é mais chique esfregar isso na cara dos outros. Bullshit! "Cães" é um grande filme de baixo orçamento, mas não passa de um rascunho para "Pulp", um filme que eu simplesmente não me canso de (re)assistir.

    A grande sacada de "Cães" é seu elenco fenomenal, o embate entre grandes atores, num palco onde o acerto de contas entre integrantes de uma gangue de assaltantes se passa (não sem antes vermos uma das cenas de abertura mais legais do cinema, a incrível tese de Tarantino a respeito do verdadeiro significado da letra de "Like a Virgin"; faz o maior sentido _e bota "maior" nisso). Temos Harvey Keitel (que também se envolveu na produção da película, dando uma chance para Tarantino brilhar), Tim Roth, Lawrence Tierney, Chris Penn (irmão do Sean) no papel de sua vida (ele vai participar, ao lado de Ben Stiller, Owen Wilson, Snoop Dogg, Juliette Lewis e da yummy Carmen Electra, da versão cinematográfica para uma famosa série dos anos 70, "Starsky & Hutch", que deve pretender seguir o caminho de "Charlie's Angels"), mas quem mata a pau mesmo é Steve Buscemi como o invocado Mir. Pink (também, com um nome desses, quem iria querer dar gorjeta?) e, acima de todos, Michael Madsen, um cara que, como todo bom fã de Lee Marvin, não quer ser lembrado por "Free Willy" _talvez seja por isso que ele aparecerá em "Inglorious Bastards", a obra de Tarantino que sucederá "Kill Bill", na qual Madsen também aparece (vai ser interessante ver um filme de Segunda Guerra Mundial escrito e dirigido pelo Taranta, não?).

    Some a isto tudo uma trilha sonora interessante (mas não antológica, como a de "Pulp Fiction"), os diálogos fantásticos de Tarantino (seu maior talento, afinal de contas) e sangue, muito sangue: temos um pequeno grande filme, que marcou época e vai virar clássico, apesar de ter sido eclipsado pelo seu irmão mais novo. Todo mundo junto: "I'm fucking dying!".

    P. S. Ninguém morreu, né?

    segunda-feira, julho 07, 2003

    O Poderoso Chefão - Partes I, II e III

    They say I got brains, but they ain't doing me no good. I wish they could.

    Então: Francis Ford Coppola poderia ser o maior cineasta norte-americano em atividade, se sua carreira como diretor (atualmente, ele anda produzindo bem mais do que filmando, embora "Megalopolis" esteja a caminho _dizem, pelo menos) fosse menos irregular, e suas obras mantivessem o nível de qualidade de "Apocalypse Now", "A Conversação" e a trilogia "O Poderoso Chefão" _para ficar apenas nos mais manjados (eu, por exemplo, amo "O Fundo do Coração"...). Bem antes de se meter com "Chatô" e fazer o velho Marlon passar vergonha em "Don Juan de Marco", o Coppolão fez coisas maravilhosas (alias, este texto era pra ser bem melhor, se o disquete onde minhas anotações sobre os filmes, entre outras coisas mais importantes, funcionasse; vá lá, pelo menos o texto fica menor).

    O dito ex-colega de faculdade de Jim Morrison fez o seu primeiro filme digno de ser chamado de grande a partir de um livro de Mario Puzo (que colaborou com o roteiro), escritor que morreu há poucos anos. "The Godfather" (1972), que eu considero o meu favorito, em especial por causa da atuação antológica de Brando (ele satirizaria seu personagem em um filme de 1990, "Um Novato na Máfia"), inicia a saga da família Corleone, que tem como personagem central o jovem Michael, interpretado por Al Pacino _era o seu terceiro papel no cinema, ora, vejam.

    Michael é, digamos, o filho preferido de Vito Corleone: herói da Segunda Guerra Mundial, retorna para Nova York e é, inicialmente, "poupado" dos negócios da família, que ficam mais sobre os ombros do primogênito, o cabeça-quente Santino "Sonny" Corleone (o maior papel da carreira de James Caan), e do consigliere Tom Hagen (Robert Duvall, que brilharia mais sob a batuta do F. F. como o milico maluco/surfista em "Apocalypse..."). Assim, Michael se preocupa mais em namorar Kay (Diane Keaton, que então era a mulher de Woody Allen _mais tarde, ela também namoraria o Warren Beatty, que danada), até que chega a hora de ele sujar as mãos e se mandar para a Sicília, o berço de sua família _que se completa com o atrapalhado Fredo (John Cazale, ator que morreu cedo e participou somente de cinco películas, todas indicadas ao Oscar de Melhor Filme _além dos dois primeiros "Chefão", ele aparece em "O Franco Atirador", "Um Dia de Cão" e no já citado "A Conversação"_, e ainda teve tempo de ficar noivo da Meryl Streep), a chave-de-cadeia Connie (Talia Shire, irmã do Coppolão, mais famosa como Adrian, a mulher do Rocky) e a "mamma" Carmella.

    Para não estragar as surpresas de quem ainda não viu, vamos pular rapidinho para a segunda parte, de 1974, que segue com a história de Michael, que, nos anos 50, chafurda mais e mais no sangue e no crime, apesar de prometer legalizar os negócios dos Corleone. Paralelamente, somos levados a conhecer, em "flashbacks", a história de Vito, que veio da Sicília para os EUA na primeira década do século XX. Interpretado soberbamente por Robert De Niro (em seu papel imediatamente anterior ao famoso Travis Bickle de "Taxi Driver"), Vito luta para sobreviver na Nova York de mil novecentos e guaraná de rolha (cuja ambientação lembra outro grande filme do qual ele participa, "Era uma Vez na América", um primoroso Sergio Leone).

    Quando a terceira parte da série foi lançada, mais de quinze anos depois da segunda, muita gente caiu de pau no Coppolão, dizendo que ele só continuou com a história dos Corleone para ganhar dinheiro (além de ter sido criticadíssimo por escalar a filhota Sofia, como se o nepotismo não fosse algo de praxe entre os Coppola _o Nicolas Cage, sobrinho do F. F. e da Talia Shire, mudou de sobrenome apenas para tentar não ser "mais um"). Sacanagem, pura sanha de bater em gigante. O terceiro "Chefão" não fica tão atrás dos filmes anteriores, apesar de não trazer nem Brando nem De Niro, além da ausência não-justificada do personagem de Robert Duvall. Entretanto, vários atores dos outros dois filmes dão o ar de sua graça, e ainda temos uma atuação muito boa de Andy Garcia, bastante adequado como o sucessor de Michael nos negócios da família.

    No geral, Coppola conseguiu criar um estilo "Chefão", presente nos três filmes _vários paralelismos podem ser traçados, e eles não se limitam aos personagens e à música de Nino Rota e Carmine Coppola (o pai do F. F.). Talvez o mais legal deles seja a presença de laranjas em quase todas as cenas de morte. Falando em laranja, e essa gripe que não passa...

    P. S. Em vez de escrever sobre Katharine Hepburn, vou passar a palavra para Sidney Lumet, que a dirigiu em "Longa Jornada de um Dia Noite Adentro" (1962), adaptação da peça de Eugene O'Neill (pai da Oona O'Neill, a última mulher de Chaplin). Os trechos seguintes foram retirados do livro "Making Movies" (1995):

    "Quando nos encontramos pela primeira vez (...), ela estava morando na antiga casa de John Barrymore [avô da Drew, também um ator famoso], em Los Angeles. Passei pelas portas do que me parecia ser uma sala de estar de quinze metros de comprimento. Ela se levantou na outra extremidade da sala e começou a andar na minha direção. Tínhamos transposto metade da distância quando ela disse: 'Quando quer começar a ensaiar?' (nada de 'Olá' ou 'Como vai?'). 'Dezenove de dezembro', eu disse. 'Só posso começar dia vinte e seis', ela disse. 'Por quê?', perguntei. 'Porque então', ela disse, 'você saberia mais sobre o roteiro do que eu'. Divertida, charmosa, mas falava sério. (...) A partir daí, o trabalho foi emocionante. Ela perguntava, falava, queixava-se, tentava, fracassava, acertava. Construía aquele personagem pedra a pedra. (...) A visão daquela Hepburn colossal em tal estado era a personificação da representação trágica. Quando os gregos diziam que a tragédia é para a realeza, estavam apenas dizendo que a tragédia era para gigantes. (...) Quando íamos saindo, Kate me chamou para um canto. 'Sidney', disse ela, 'eu assisti aos copiões de quase todos os filmes que fiz. Mas não virei ver estes. (...) Se eu for aos copiões, tudo o que verei é isto' _e pôs a mão sob o queixo e beliscou a pele ligeiramente bamba_ 'e isto' _e fez a mesma coisa debaixo do braço_, e preciso de todas as minhas forças e concentração para desempenhar meu papel.' As lágrimas me vieram aos olhos. Eu nunca tinha visto um ator com tamanho autoconhecimento e tal dedicação, confiança e garra. Ela estava rompendo hábitos de trinta anos porque sabia que eles interfeririam no trabalho. Essa é uma das grandes."

    P. P. S. Não vou dizer, a exemplo dos Fun Loving Criminals, que "Barry White saved my life", mas que o homem da voz grave era massa, ah, isso era.

    P. P. P. S. Felizmente, o Morfina não morre tão cedo. O imprescindível site da Van está de endereço novo (de novo).

    Na platéia