Vacas / Terra / Os Amantes do Círculo Polar
When I woke up today and you weren't there to play, then I wanted to be with you. When you showed me your eyes, whispered love at the skies, then I wanted to stay with you. Inside me I feel alone and unreal, and the way you kiss will always be a very special thing to me...Então, houve uma mudança de planos, e os filmes que seriam colocados na roda ficaram pra outra ocasião. Mas não tem problema, porque posso bancar o chato e reclamar dos paulistanos mais cedo (nada contra paulistanos em geral _alguns deles até que chegam a valer um centavo de peso argentino...): mas, afinal, que mania estúpida é essa de gostar de pegar fila, hein?
Sintam o drama: para ver filmes gratuitos nas muitas mostras legais que rolam no Centro Cultural São Paulo, você precisa retirar o ingresso com uma hora de antecedência. Até aí, tudo bem, você pega uma filinha. Mas é necessário que, logo após os ingressos serem distribuídos, outra fila seja formada para entrar na sala? Cáspite, em vez de aproveitar a horinha que falta até o início da sessão para desfrutar dos inúmeros atrativos do Centro Cultural e da barraquinha de pastel e dogão no capricho a R$ 0,70 que fica na calçada, os quadrúpedes desmiolados (que só podem se reproduzir por partenogênese) se amontoam novamente próximos ao acesso às salas, cada um olhando pra cima, fazendo cara de samambaia murcha! E o neurótico aqui, que faz questão de pegar um lugar decente para ver os filmes, é obrigado a ficar na maldita fila, também. Vão freqüentar o Banespa, seus mentecaptos!
Ufa, agora que destilei toda a minha virulência fétida e implacável, posso voltar a ser a criatura afável e malemolente de praxe e comentar algumas atrações do festival Julio Medem, cujos três filmes supracitados e mais "Lucía e o Sexo" (ficou faltando só o segundo dos cinco longas do diretor, "O Esquilo Vermelho", de 93) compuseram a tal exposição, acompanhados de vários curtas de diferentes autores (em geral, bem bons, embora estivessem sem legenda).
O Medem, pasmem (se quiserem pasmar, é claro), é médico. Cirurgião. Fazia uns curtas como hobby, nos anos 80, aí foi levando a coisa mais a sério, acabou fazendo um longa em 91, "Vacas", que foi bem-sucedido o suficiente para que o cara largasse a medicina e se dedicasse a cortar películas em vez de corpos humanos. Muito bem, seu Medem.
Comecemos, pois, pela estréia do diretor, o pior entre os que eu vi. "Vacas", estrelado por Carmelo Gómez (que atua em "Entre las Piernas", thrillerzinho mais ou menos com a Victoria Abril e o Javier Bardem, já viram?), é uma espécie de "O Tempo e o Vento" (guardadas as devidas proporções, é claro) espanhol: um desses "filmes de linhagem", no qual acompanhamos Carmelo interpretando três personagens da mesma família, no conturbado período 1870-1935 (ou seja, guerras não faltam), no igualmente conturbado País Basco (onde Medem nasceu). Some a isso rixas entre vizinhos, amores "impossíveis" (porque a gente sabe que esse negócio de "amor impossível" não existe pra valer), sangue, morte, arte e principalmente... é, vacas. Deu pra dar uma idéia?
Já em "Tierra" (96), o terceiro longa de Medem (que também roteiriza seus filmes, ou seja, trata-se de um autor cinematográfico), vemos o estilo do diretor mais cristalizado: aqui ele lida com o elemento do "duplo" (não do uísque duplo, mas do doppleganger, saca?): Ángel, o protagonista (mais uma vez, Carmelo Gómez), trabalha como exterminador de pragas (será uma referência ao clássico de Buñuel, "O Anjo Exterminador"?).
Recém-saído de um hospital psiquiátrico, Ángel ainda sofre de esquizofrenia e tem visões de um "anjo" que nada mais é do que seu duplo. Ele encontrará seu nêmesis na figura do violento Patrício (Karra Elejalde, outro ator que trabalhou bastante com Medem), e se dividirá entre o amor/desejo (sim, o artista gosta de mostrar cenas de nudez/sexo em seus filmes _ele é latino, afinal) por Ángela (Emma Suárez, a bela loira de "Vacas"), a santinha, e Mari (a deliciosa Silke Klein), a diabinha. Sim, há misticismo (a cena inicial é fantástica, em mais de um sentido), e os personagens não são batizados à toa. Medem demonstra mais cuidado com as imagens neste belo filme, e, na trilha sonora, colocou Caetano Veloso (a música, óbvio, é "Terra"), antes do Almodóvar.
E "Os Amantes do Círculo Polar", o melhor de todos (está em cartaz no Telecine Emotion, não perca), está fadado a se tornar clássico. E não falo à toa de destino, pois este é um dos temas centrais do filme, que também aborda os palíndromos (os protagonistas se chamam Otto e Ana _não falei que Medem se preocupa com os nomes?), os ciclos, os círculos, as coincidências, expressas nas histórias das famílias dos protagonistas, que se mesclam. Incrivelmente bem escrito, cheio dessas sacadas que deslumbram os espectadores, a obra ainda traz essa coisinha linda que é a Najwa Nimri (além de Kristel Díaz, que interpreta a Ana adolescente, hmm), e eu já vou parando por aqui, porque todos esses filmes dão muito pano pra manga... Já pros comentários!
P. S. Falando no CCSP, terminei de fazer por lá uma oficina de literatura com a poeta paranaense Alice Ruiz, de quem eu sou fã há um bom tempo. E eu nem sabia que ela era a mulher do Paulo Leminski...