A gruta é mais extensa do que a gruta

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    terça-feira, abril 30, 2002

    A Bruxa de Blair

    Pois é, só fui ver "A Bruxa de Blair" agora, em dezembro de 2001. Passou no Telecine Premium, às 6h10 da manhã de hoje, dia 11 _varei a noite apenas para assistir.

    Me recusei a ver "Bruxa" nos cinemas porque o trailer não me atraiu: aquela filmagem amadorística, "trash", não valia o dinheiro do ingresso, na minha opinião. Opinião imbecil, agora reconheço. Porque o filme é muito bom. Incrível mesmo, um marco na história do cinema americano.

    A obra, de "trash", não tem nada: "Blair" é, sim, um projeto de baixíssimo orçamento, mas é extremamente bem-cuidado, competente, inteligente e sério. Cinema de alto nível _é fácil de compreender porque críticos afeitos ao cinemão clássico torceram o nariz para "Blair": as regras aqui são diferentes.

    O obra é de ficção, mas é montada e apresentada como um documentário _na internet, onde o filme foi bastante difundido, a obra foi tratada como se fosse real. Limita-se a reproduzir, na íntegra, as supostas filmagens brutas de uma equipe de três jovens que realiza um documentário sobre a lenda da bruxa de Blair, cidadezinha do Estado de Maryland.

    É difícil constatar se o roteiro do filme foi realmente muito bem construído e brilhantemente executado, é difícil perceber se houve ou não improvisação. Os atores _cujos nomes reais são dados aos personagens_ estão simplesmente ótimos. As pessoas entrevistadas para o documentário são extremamente convincentes. E toda a filmagem, com as câmeras nos ombros, às vezes registrando apenas a escuridão, com movimentos frenéticos, é... sincera, verdadeira.

    Não há intelectualismo, não há pretensão, mas há brilho de sobra em "Blair". Pode-se ficar decepcionado com o final inconclusivo, mas não poderia ser de outra maneira: "Blair" é um filme honesto (há quem pense diferente, por causa da confusão entre ficção e documentário) e mereceu todo o seu sucesso. Já a continuação... vou ver quando passar na TV, aí te digo.

    Nota: 9/10

    Harry Potter e a Pedra Filosofal

    Uma das imagens que mais me comoveu nos últimos tempos foi a de uma garotinha, de uns 10 ou 9 anos, com um enorme exemplar do quarto livro da série "Harry Potter", que apareceram por engano em uma loja antes de seu lançamento, dizer que o livro era "maravilhoso" (saiu na Folha). Sério, é emocionante ver uma criança lendo um livro por espontânea vontade.

    Sempre me irritou muito quando, na escola, os colegas reclamavam que um livro era "muito grosso". Que desgosto. Eu passei a minha infância lendo _e brinquei muito, fiz esportes, tive muitos amigos, ou seja, a leitura nunca me impediu de brincar ou ir a festas ou estudar música ou fazer o meu fanzine (comecei com 8 anos) ou qualquer outra coisa.

    Então, mil vivas para a J. K. Rowling. Não sei se é justo dizer que ela é uma espécie de Monteiro Lobato do séc. XXI, mas é admirável que seus livros façam as crianças ler tanto. Um dos meus sonhos é escrever para crianças, ser tão importante para elas quanto Lobato foi para para mim.

    Mas eis que o primeiro livro de "Harry Potter" chega ao cinema. Será que isso vai desincentivar as pessoas a lerem o livro, ainda mais depois que quem o leu afirmar que o filme é igualzinho _como exigiram os leitores-mirins, aliás? Bem, eu assistia "Sítio do Pica-pau Amarelo" nos anos 80, e isso não me impediu de ler a coleção infantil de Monteiro Lobato (17 livros, crianças, 17 livros) pelo menos umas quatro vezes cada um. E, boa notícia, o "Sítio" voltou às telas da Globo, em nova versão (uma das Frenéticas é a Tia Nastácia, urgh!).

    Então que seja bem-vindo o filme, e que ele faça ainda mais crianças terem vontade de ler os livros. Agora, me espantou um pouco a boa acolhida que o filme teve... É um produto muito bem-cuidado, as crianças atuam bem, a direção de arte é excelente, enfim, competência de sobra demonstram Chris Columbus e sua equipe. Mas o problema é que o filme parece ter sido feito para a TV, não consegui enxergar uma grandeza digna de obra cinematográfica de renome. Saí do cinema com a mesma sensação desagradável que me deu o também bem-cuidado "O Xangô de Baker Street": parece que eu fui ao cinema ver um filme da "Sessão da Tarde".

    Nota: 6,5/10

    segunda-feira, abril 29, 2002

    E Tua Mãe Também

    Ver um filme no cinema é uma experiência insubstituível, e não é por causa das dimensões da tela, da qualidade do som, do conforto da poltrona, da iluminação etc. É por causa da experiência coletiva, de estar em companhia de outrem.

    Então fui ver este filme de Alfonso Cuarón _perdi a cabine, não consegui acordar, damn it_ e sentaram-se ao meu lado duas senhoras de idade. No início elas me irritaram, pois ficavam falando sem parar e uma delas deixou o celular ligado e fez uma ligação durante os trailers. Mas os comentários das velhinhas durante as (muitas) cenas de sexo do filme foram sensacionais. O mais inacreditável deles foi quando a atriz principal (linda, linda) seduz um dos dois garotos com quem viaja. Durante a cena, em que ela faz sexo oral nele, uma das velhinhas disse "Ah, coitadinho do menino". O quê? What? Coitadinho? Prrrpsprsps!

    Mas, então... O filme conta a história de dois adolescentes mexicanos de classe alta que, enquanto as namoradas estão viajando pela Europa, saem em uma viagem com a mulher do primo de um deles, que está à beira do divórcio. A partir desta idéia simples, discute-se amizade, fidelidade, amor e sexo, com toques esparsos, mas sempre presentes, de política e de crítica social.

    O uso da narrativa em off me incomodou um pouco no começo _torna a narrativa literária demais_, mas, ao final do filme, considero o recurso pertinente. Nada demais a reparar nas atuações, o trio de protagonistas funciona bem. Fotografia, movimentos de câmera, tudo tranqüilo, sem muito esteticismo, a narração flui sem maiores tropeços.

    Interessante é a maneira um pouco mais naturalista com que o sexo é mostrado, ao contrário de muitas produções norte-americanas ou européias, que ficam naquela baboseira de "soft porn" _yes, viva nós, os latinos, que não apenas trepamos melhor como sabemos filmar um treps melhor. Entretanto, os moleques deste filme trepam mal pra caralho, difícil imaginar que existam homens tão meia foda assim. Mas eles devem existir, para tristeza e decepção das mulheres... Fico irritado quando ouço elas dizerem que falta homem na praça, mas elas devem ter razão (e muito mau gosto, bem feito).

    Mas a questão nem é essa, o que importa é que o filme é bom, não é choroso como poderia ser e levanta uma série de questões pertinentes sobre assuntos presentes na vida dos espectadores, fazendo da obra um filme muito mais agradável. Então, pode ver. E tua mãe, também.

    Nota: 8,5/10

    LavourArcaica

    Luiz Fernando Carvalho começou a ser conhecido por levar às novelas das oito (que, já há um bom tempo, já viraram novela das nove) da Globo uma estética visual mais caprichada. Em sua estréia no longa-metragem, não é de se espantar que a beleza da fotografia, dos enquadramentos, dos movimentos de câmera, sejam grandes. É este o ponto forte de sua adaptação da obra de Raduan Nassar.

    Talvez o principal problema deste filme, muito bonito, mas a um certo ponto extenuante, seja o fato de que a adaptação tenha sido um pouco fiel demais _comecei a ler o livro um dia antes de ver o filme, foi interessante poder comparar o pedaço já lido com o filme e o filme com os trechos ainda por ler.

    Como o livro, bastante curto, é uma narração em primeira pessoa, boa parte das falas, implausíveis na boca de qualquer um, ainda mais no de um camponês, pertencem a Selton Mello. Raul Cortez, que está soberbo, especialmente na cena do diálogo com Mello (não deve ter sido fácil para o jovem ator se confrontar assim com um mestre), poderia ter aparecido mais, assim como Juliana Carneiro da Cunha (ótima como a mãe) e Simone Spoladore (Ana, a irmã pela qual André, o persenagem de Mello, se apaixona), que quase não tem falas.

    Então, em algumas cenas, Mello cospe as palavras de Nassar com pouca naturalidade, em interpretação teatral demais _o italiano Pasolini e o português Oliveira filmaram a palavra literária de maneira mais encantadora. A solução teria sido cortar ainda mais texto, deixando o mínimo necessário _o filme tem 2h45min de duração... Eu gosto de filmes longos, mas, neste caso, a duração não se justifica. Pensando nisso, fica aqui um texto curto, adeus.

    Nota: 9/10

    domingo, abril 28, 2002

    A Sombra do Vampiro

    "Nosferatu", de F. W. Murnau, é, vamos ser claros, um puta filme. Não tão bom quanto seu "Fausto", por exemplo _e dizem que "Aurora" (ainda não vi, pecado) é melhor ainda. E a caracterização de Max Schrek como o vampiro é uma das mais impressionantes de todo o cinema.


    E partir do princípio de que Schrek era realmente um vampiro... é uma idéia simplesmente genial. Mas que foi tristemente desperdiçada neste filme.


    John Malkovich não está excelente como Murnau, mas também não está especialmente mal. Willem Dafoe, como o nosferatu, está impressionante _ele sempre foi pródigo em fazer tipos esquisitos porque, bem, ele é um tipo esquisito. Desde "Platoon", passando por "Coração Selvagem", "Burning Mississipi" e até o abominável "Corpo em Evidência", dava pra notar. Mas as cenas em que ele fala _e que são coloridas, por que não fizeram tudo em p&b, pô?_ perdem muito. Nosferatu bom é nosferatu mudo.


    O filme é muito curto, o final é broxante, e tentou-se dar à obra um tom de poesia, mas o resultado é frustrante. Além das aparições de Dafoe _em especial a primeira, em que ele não fala_, o destaque é o discurso de Murnau quando a equipe se encaminha para o local onde vive o vampiro. Ah, a velha idéia da confluência de arte e ciência, os ideais da belle époque...


    E, mais uma vez, me pergunto se o diretor alemão foi decentemente retratado. Lógico que o filme é uma fantasia, uma viagem, e que muito provavelmente o Murnau retratado na obra não tem absolutamente nada a ver com o histórico cineasta. Mas isso é importante? Sei lá. O importante aqui é que "A Sombra do Vampiro" sequer merece ser a sombra de "Nosferatu"...


    Nota: 6,5/10

    Os Outros

    Vamos direto ao ponto: não é por que Nicole Kidman é bonita ou foi casada com a bichona do Tom Cruise; a mulher é boa mesmo. Boa atriz, digo. Boa, boa. Boa.


    E esse filme também é danado de bom. O roteiro está muito bem amarrado, tudo se encaixa com inteligência. E não se trata de um filminho de terror vagabundo. Aliás, não me parece um filme de terror de jeito nenhum, não há aquele sentimento angustiante de ameaça ou de tragédia iminente.


    A história de uma mãe de duas crianças que habita, no final dos anos 40, uma casa no interior da Inglaterra e aguarda o marido voltar da guerra, é contada com simplicidade e eficácia tremendas.


    A coisa começa a pegar quando a filha mais velha (as duas crianças atuam muito bem, especialmente a menina) começa a insistir que existem fantasmas na casa. Obviamente a mãe duvida, mas os sinais da presença de invasores do além tornam-se cada vez mais convincentes. Para piorar tudo, as crianças têm alergia à luz, portanto a casa vive nas trevas. E os novos e sinistros empregados precisam seguir as regras à risca. Mas eles guardam um segredo...


    A história então se constrói por meio desta relação entre o mundo dos mortos e o dos vivos, em um clima de suspense. O final não é tão impressionante como dizem. É bastante lógico, até, o que é um mérito do jovem diretor chileno Alejandro Amenábar. E Kidman está sensacional. E chega, let's keep it short, baby.


    Nota: 8,5/10

    A Cartada Final

    Pô, Marlon Brando é uma lenda, certo? E o velhinho gordo que um dia foi galã rebelde e Coronel Kurtz (sem falar na famosa cena da manteiga) faz apenas cinco ceninhas neste "A Cartada Final". Que é estrelado por Robert De Niro, a quem eu, particularmente, nem acho tão bom assim _apesar de ele ter simplesmente matado a pau em "Touro Indomável"... Talvez ele tenha sido prejudicado por ter interpretado um monte de personagens parecidos e tenha se tornado previsível, caricatura, estereótipo.


    E "A Cartada Final" não faz jus nem a Brando nem a De Niro. E também não faz jus a Edward Norton (que também começa a ser estereotipado por Hollywood). Sério, pensam que ele imitando um retardado é uma grande atuação? Fuck off! E Angela Bassett? Está aqui só de enfeite, porque este é mais um desses filmes "de macho", tipo "Snatch", onde mulher não entra, como no Clube do Bolinha.


    É mais um filme-clichê sobre um grande roubo. Brando é o atravessador que contrata De Niro, ladrão veterano que tem um clube de jazz em Montreal _chamado NYC, duh_, para furtar uma relíquia que está retida na aduana. Norton é o ladrão novato que vai dar dor de cabeça a De Niro. E por aqui a gente já tem uma boa idéia de como tudo termina.


    E é essa previsibilidade do roteiro, além da falta de originalidade dos personagens, que enterra o filme. O elenco é bom, mas o enredo não está à altura. A falta de clímax mata "A Cartada Final". É como uma trepada mal dada.


    Nota: 5,5/10

    quinta-feira, abril 25, 2002

    O Xangô de Baker Street


    Até que o filme baseado no best-seller de Jô Soares não chamou tanta atenção assim, se compararmos com o auê que o livro causou, se pensarmos que a maioria das pessoas prefere ver um filme a ver o livro (e vem aí "Harry Potter") e se lembrarmos de que espaço para divulgação não faltou.


    Uma produção muito bem-cuidada, cara (uns R$ 10 milhões, dizem), com astros estrangeiros _tanto Maria de Medeiros quanto Joaquim de Almeida já atuaram em Hollywood_ e nacionais (leia-se "globais"), como Cláudio Marzo, Cláudia Abreu, Marco Nanini, Marcello Anthony etc.


    Só que o filme é um grande nada. É anódino, não causa impacto, você mal acaba de vê-lo e já se esqueceu. Merece passar em branco. Como a Maria de Medeiros, que não faz a menor diferença como a Sarah Bernhardt.


    Acho que nem preciso contar a história. Todo mundo sabe que Dom Pedro II chama Sherlock Holmes para procurar um violino Stradivarius roubado de uma baronesa (ou condessa, ou marquesa, sei lá). E o detetive britânico, ao mesmo tempo, acaba envolvido na caça a um assassino de prostitutas (alguém pensou em Jack, o Estripador?).


    E não há muito mais o que dizer. Nenhuma interpretação se destaca _apenas Anthony O'Donnell, o Dr. Watson, tem um bom momento, quando incorpora uma pomba-gira_, nenhuma cena é especial, nem mesmo a participação de Jô Soares, que sequer é bom ator. E não sobra nada. Só mais um filme brasileiro que, provavelmente, não se pagou.


    Nota: 4,5/10

    A Conspiração

    Cara, eu não gosto muito de ir ao cinema sozinho, mas como eu só vou durante as semanas, e de tarde, fica difícil arranjar companhia, porque as pessoas de bem costumam trabalhar nestas horas. E eu não sou uma pessoa de bem. Pelo menos, não no momento.


    Mas não me deixo de me impressionar ao ver que a maioria das pessoas daqui de São Paulo vai ao cinema sozinha. Não pude deixar de notar uma mulher muito linda algumas fileiras à minha frente. Tinha aliança no anular esquerdo. Mas estava sozinha. Que merda, não?


    Vamos falar do filme: produzido e estrelado por Gary Oldman, mais uma vez quase irreconhecível. Também estrelam Jeff Bridges e aaaaargh, esqueci o nome da atriz, mas ela atua como a mulher de Bridges em um belíssimo filme de Francis Ford Coppola, aquele que mostra a história de um homem que tenta erigir uma indústria automobilística (lógico que também não me lembro do nome do filme, óink).


    Quero aqui me esquivar de fazer uma análise política da coisa toda, porque é cansativo demais entrar em tanto detalhe em um texto para a internet. Vamos dizer apenas que, se Travolta era Clinton em "Segredos do Poder", Bridges é Bush em "A Conspiração". Um presidente mais preocupado em jogar boliche e tentar pegar o cozinheiro da Casa Branca desprevenido do que governar os EUA, aparentemente.


    A questão é que o presidente Bridges precisa de um novo vice. E ele escolhe uma senadora semi-desconhecida, cuja vida será totalmente devassada. Mas Oldman, congressista responsável pela comissão que referendará ou não a indicação para o cargo, prefere o nome de um governador, tido como exemplo de homem público.


    Para complicar tudo, surge um escândalo sexual na vida da senadora: ela teria participado de uma surubaça nos tempos da faculdade. Existem fotos es-can-da-lo-sas. E o velho Oldman vai pegar pesado.


    Em suma, "A Conspiração" é bem superior a "Segredos do Poder", aquele em que Emma Thompson é Hillary. Mas há algo de muito desagradável no moralismo que cerca o roteiro. Essa batalha do "bem" contra o "mal", tão cara ao cinemão americano, aqui não convence. Nem o Joseph Campbell conseguiria defendê-la, com base neste filme.


    Nota: 6/10

    Refém do Silêncio

    Este foi o pior filme que vi em 2001. Pelo menos foi de graça, porque assisti à "obra" alguns dias antes da estréia, manhã de terça-feira, em sessão para jornalistas. E estava muito bem acompanhado (pena que a Clarah acabou indo para o cinema errado _história que ela conta com mais detalhes em seu livro "Máquina de Pinball"_, senão seriam duas loiras lindas e inteligentes ao meu lado, mais do que mereço)...


    Mas, falando sério, "Refém do Silêncio" é uma merda. Então nem vamos perder muito tempo com esse amontoado de chavões...


    Seguinte: Michael Douglas (caralho, isso é nome de office-boy, não de astro de cinema) é um psiquiatra, casado e com uma filha. É chamado para tentar ajudar uma paciente, doida de pedra há mais de dez anos, desde que seu pai foi assassinado. Só que o pai da menina pertencia a uma gangue de ladrões, e o espertinho decidiu fugir com a pedra preciosa valiosíssima que o grupo roubou em uma audaciosa ação. Por isso bateu com as caçuletas. E a menininha ficou traumatizada, coitada.


    Aí os tais ladrões, recém-saídos da cadeia, seqüestram a filhinha do Maicôu Douglas, para forçá-lo a retirar da menina um código que indicaria onde está a tal da pedra. E tem uma policial que vai envestigar o caso e... Já está sentindo vontade de vomitar?


    Aí o psiquiatra vira super-herói. Não só ele banca o machinho perante os bandidões, como consegue, em menos de 24 horas, fazer a maluca de pedra virar uma mocinha doce, doce. Até a mulher do cara, que está com a perna engessada, e a filhinha espertinha do sujeito, conseguem dar um baile nos super bandidos. Sério, não dá pra engolir tanta baboseira.


    Os clichês são tantos, tantos, tudo é tão óbvio e tão batido e tão ruim que dá até vergonha de falar que eu acordei cedo para ver esta bomba. Então vamos acabar logo com isso: fique longe dessa merda. Carpe diem, seja feliz.


    Nota: 0/10

    quarta-feira, abril 24, 2002

    Hedwig - Rock, Amor e Traição


    Só consegui ver este filme na Mostra porque a baby e eu compramos ingressos com doze horas de antecedência, depois de assistirmos, no mesmo dia, o bonzão "Fama para Todos". Foi um dia agradável, se bem me lembro, fomos a um congresso de tatuagens, jantamos no Mestiço _Amir Labaki, Arthur Nestrovski e Inês Bogéa ocupavam uma mesa, tempos de Mostra dá nisso_ e voltamos ao Espaço Unibanco sob uma chuvinha, para encontrar aquela fila imensa. Mas avistamos o Augusto Pinheiro, do Folhateen, e furamos a fila. Brasil, Brasil, terra de contrastes, oskindô-lelê, ziriguidum, balacobaco, telecoteco.


    Então tínhamos visto o trailer de "Hedwig" _cabeça, peruca, "give hed", hmm_ na sessão anterior, sabíamos que o filme era rock'n'roll, aliás, filão que vem sendo cada vez mais aproveitado, nem dá vontade de fazer um filme sobre isso.


    John Cameron Mitchell, protagonista, diretor, autor do texto da peça off-Broadway que originou o filme, está absolutamente brilhante. Não só tem o "physique du rôle", mas a voz e o talento para interpretar Hedwig, o traveco roqueiro de Berlim Oriental que tem a "polegada irada", fruto de uma "mal fracassada" operação de mudança de sexo, tudo para casar com um milico negão americano.


    Abandonada(o) pelo marido, Hedwig apaixona-se por um adolescente, a quem batiza de Tommy Gnosis _"conhecimento", em latim, e aqui e ali e em qualquer lugar o filme aborda Adão e Eva, Platão e mais um monte de coisa que não convém desenvolver em um texto escrito para Internet_, que vai acabar roubando suas composições e se tornar um grande bambambã do showbizz, uh, yeah.


    E aí Hedwig e sua banda, The Angry Inch _a atriz (sim, é uma mulher) que faz o japinha amante de Hedwig também está sensacional_, saem em turnê pelas espeluncas mais vagabas da América na cola de Tommy Gnosis. E as apresentações de Hedwig e sua banda são o ponto máximo do filme _assim que cheguei em casa fui ao Audiogalaxy baixar todas as músicas (as melhores são "Tear Me Down", a que abre o filme, e "Angry Inch", além de "Wig in a Box" _"I put on some make-up...").


    Enfim, enfim, filmaço bem amarrado, bom roteiro _o final é meio hermético, simbólico em excesso, coisa de musical, sabe?_, Mitchell está excelente, Hedwig é um personagem e tanto. Vá ver. Rock'n'roll.


    Nota: 9,5/10

    terça-feira, abril 23, 2002

    Fama para Todos


    Demorou cerca de dois anos para que esta produção belga/holandesa/sei-lá-mais-o-quê estreasse comercialmente en São Paulo. E é triste que um filme bom como este fique relegado à condição de "cult", mesmo tendo sido indicado para um Oscar de melhor filme estrangeiro.


    "Fama para Todos" é, antes de tudo, um filme engraçadíssimo. Não deixa de ser interessante toda a crítica que a obra faz da obsessão pela fama, do mundo bizarro do showbizz, do crime, do desemprego _argh, é o segundo filme europeu que mostra uma fábrica fechando que eu vejo seguido!_, da família, da arte, do amor e do sexo etc. Mas o importante aqui é que o filme faz rir, e muito. Diversão inteligente está aqui.


    Vamos à história: Marva, uma garota gordinha e brega até os bulbos capilares, canta bem e sonha em ser uma popstar como a Madonna. Mas quem sonha ainda mais com o sucesso da garota é o seu pai, um operário metido a compositor _o ator, um bigodudo com uma baita pinta na ponta do nariz, é uma figura.


    O pai da Marva, o protagonista da coisa toda, vive cantando melodias para um gravadorzinho, na ânsia de criar um hit que impulsionará a carreira da filha gordota. E, depois que perde o emprego, o ingênuo acaba seqüestrando uma estrela local, e, como resgate, pede para que o empresário da estrela providencie para que a carreira da Marva decole.


    É aí que tudo fica absurdamente hilário: o seqüestrador trapalhão encontra-se com o empresário safado usando uma máscara de Michael Jackson, entrega pro homem uma fita com sua cantoria, manda a filha para a gravadora etc. O tal empresário, bastante esperto, manipula toda a história para vender muitos discos e conseguir bastante audiência em um programa televisivo, uma espécie de "Globo de Ouro" deles. Enquanto isso, a estrela apaixona-se pelo cúmplice do pai da Marva _um mané traído descaradamente pela esposa_ e foge do país (OK, acho que estou contando demais).


    Basta saber que o pai da Marva (sorry, esqueci todos os nomes das personagens) é um dos personagens mais engraçados dos últimos tempos no cinema, que o filme é inteligente _apropria-se com competência dos clichês do kitsch europeu_ e, não custa martelar neste aspecto, divertidíssimo. Será que passou em mais alguma outra cidade daqui, além de São Paulo? Ê, Brasilzão...


    Ah, um último detalhe: prepare-se para, ao final do filme, ter marteladas em sua cabeça as palavras "Lucky Manuelo, Lucky, Lucky, Luuuuuucky Manueeeeeloooooo!!!". Não diga que eu não avisei...


    Nota: 9/10

    segunda-feira, abril 22, 2002

    Liam


    A bela que me acompanhava e eu pretendíamos assistir "Hedwig", mas eu acabei lendo errado os horários e demos com os burros n'água (nossa, que expressão mais século XIX. Legal). Acabamos no Unibanco Arteplex da Frei Caneca, mas chegamos atrasados para ver "Fama para Todos", justo o que queríamos assistir...


    Então fomos ver "Liam" (eu, sinceramente, não estava a fim, ando de saco cheio do Stephen Frears e seus filmes de irlandeses desempregados). Depois de "Alta Fidelidade", filme que não lembra nada Frears _cineasta cujo ápice é mesmo "Ligações Perigosas" (Glenn Close, John Malkovich e Michelle Pfeiffer em boas atuações, além da jovem Uma Thurman seminua, wooow), de 1988, apesar de o livro, fantástico romance epistolar escrito lá pelo fim do século XVIII (se não me engano) por Choderlos de Laclos, ser infinitamente melhor_, o cara volta a tema que lembra de leve seu meia-boca "The Van" (outra adaptação literária de escritor contemporâneo hypado (neste caso trata-se de Roddy Doyle, em "Alta Fidelidade" era o Nick Hornby), mas vamos deixar de falar que literatura, homens apaixonados não deveriam escrever, damos murro em ponta de faca e causamos toda essa perplexidade nas pessoas).


    A época é diferente, início do século XX _e aqui me lembra o superior "Concorrência Desleal" (a Europa parece estar querendo rever a fundo os motivos que permitiram a ascensão do nazi-fascismo, cuja sombra continua a se fazer sentir pelo "velho continente" _no filme de Scola, o tio do garotinho acaba se bandeando para o fascismo, aqui é o pai de Liam, leia a seguir). Resumindo, pai de família (dois filhos e uma filha) perde o emprego na fábrica, e as dificuldades financeiras tornam-se quase insuportáveis.


    Chama a atenção a crítica à Igreja Católica _já há tensão nas cenas que envolvem o padre, que passa nas casas dos trabalhadores para cobrar o dízimo_, mas a coisa pega mesmo quando o Liam do título, o caçula da família em questão, menino em idade primária, recebe a tradicional e assustadora educação católica.


    E é aí que o filme mexe comigo, porque, acreditem ou não, eu recebi o mesmo tipo de educação: pecado, culpa, tudo o que você faz ou pensa vai acabar te lavando para o inferno. O ritual da confissão é uma coisa abominável, fiquei tão traumatizado depois da minha primeira e única experiência no confessionário que abandonei a religião na hora.


    Não é apenas a questão religiosa abordada, mas também a econômica _para poder comprar as roupas para os filhos receberem a primeira eucaristia, os pais recorrem a empréstimos de agiotas judeus, como o pai de Liam deixa explícito em uma cena na igreja... A irmã de Liam também sofre represálias, por trabalhar em uma rica casa de uma família judaica...


    Frears peca mesmo pela falta de didatismo com que lida com temas tão delicados e abrangentes. Houve exagero por parte do diretor, o passo foi maior do que a perna. Um esforço louvável, cujo resultado deixou a desejar. De boas intenções... Blah, chega.


    Nota: 6/10

    domingo, abril 21, 2002

    Os Queridinhos da América


    Foi só eu decidir ir ao banco que chove. E chove torrencialmente. Pensei treze vezes antes de sair no toró com meu mísero guarda-chuva. Do pescoço pra cima até que deu pra ficar seco. Mas foi bom. Já faz tempo que a chuva deixou de me incomodar.


    Então fui ao banco, de lá fui à uma loja de revelação de fotos, mas a véia distraída que trabalha lá tinha desligado a máquina por causa dos trovões e não ia ligar de novo. Trouxa, perdeu o cliente. Acabei levando o filme (que estava na minha máquina há cerca de onze meses, believe me) a uma loja no shopping, mesmo. As fotos ficaram muito boas, menos uma que tirei da Daiane, a cadela do meu tio Cido, e uma que a minha mãe tirou de mim, com o cabelo e barba meio compridas. Aliás, me vendo nas fotos deste último ano, cheguei rapidamente à conclusão de que preciso me barbear com mais freqüência. Mas a quem isso interessa?


    Vamos falar de cinema, então. Sala 6, minha preferida no Pátio Higienópolis. Fazia muito tempo que eu não entrava na sala antes de os trailers rodarem. E fazia tempo que eu não conferia o que estava tocando dentro da sala. Geralmente é Djavan, Marisa Monte ou Paralamas do Sucesso. Desta vez, era Zélia Duncan. Nenhum grande progresso foi feito.


    Bom, um monte de gente falou mal de "Os Queridinhos...", porque o filme não vai tão fundo assim na crítica ao mundo de Hollywood _a história resume-se a um casal de astros cujo casamento chegou a um amargo final, e eles precisam se aturar durante um fim de semana em um hotel onde ocorre a promoção de seu mais recente filme, que promete salvar suas carreiras em decadência.


    Olha, eu nem acho que a proposta inicial do filme tenha sido a de criticar acidamente o cinemão americano, mas a de fazer uma comedinha romântica agradável _e é isso que o filme é. Eu ri várias vezes, outras pessoas da platéia tiveram seus ataques de risos, ou seja, o filme tem seus momentos engraçados.


    Vamos ao elenco: Billy Cristal é um chato. John Cusack é OK. Julia Roberts é outra chata de galochas, antipaticíssima. Aqui ela continua mala, pelo menos não está tão falsamente glamourosa. E Catherine Zeta-Jones é muito mais do que parece, como já havíamos visto em "Traffic". Aqui ela aparece deslumbrante em alguns momentos, nem tão perfeita assim em outros. Bom. Aliás, boa coisa a Julia Roberts ter insistido em trocar de papel e ficar com a mocinha chata. A dona Zeta ficou muito melhor como a "spoiled star". Ah, e o Christopher Walken novamente ganha o papel de maluco. E dança (o cara é dançarino, entende?).


    Não sobra muito o que falar, até porque não quero entrar no mérito da promoção de filmes, nunca participei de nenhuma "junket", o máximo a que cheguei foi entrevistar um diretor hollywoodiano por telefone por menos de dez minutos. Mas esqueça as "críticas", "Os Queridinhos" é uma comedinha inofensiva com seus bons momentos e um final pra lá de previsível. Sem brilho, o filme diverte e é rapidamente esquecido.


    Ah, na saída, foi um sufoco achar banheiro masculino naquela desgraça de shopping, mas uma coisa valeu meu dia: tinha uma banda de dixieland tocando no térreo do shopping. Muito legal, mas o que chamou minha atenção _e a de outros transeuntes (putz, odeio esta palavra)_ foi um menininho que se divertia dançando ao sabor da música. Ele fazia uns passinhos muito engraçados, achei que ele fosse cair em vários momentos, mas me encantei com o moleque não apenas pela sua alegria espontânea e pela simpatia que irradiava (por um momento, desejei que ele fosse meu filho, olha só a situação), mas porque ele me lembrou muito de mim mesmo, quando eu era criança e adorava imitar o Jerry Lewis...


    Nota: 7/10

    A Espinha do Diabo


    Saí de casa meio na pressa, estava ouvindo o disco dos Strokes (estranhei as versões finais das músicas, estava acostumado com os MP3s que havia baixado há meses), até deixei de levar o meu filme com fotos ainda do ano passado para revelar, só para chegar cedo. E, quinze minutos antes do início do filme, lá estava eu, com o ingresso na mão. Milagre.


    Quando vou entrar, o cara da bilheteria me diz que a sala ainda não está liberada e que eu terei de esperar uns dez minutos. Que raiva. Dez minutos de minha vida perdidos. Dava pra ter deixado o filme pra revelar. Em dez minutos dá para mudar o mundo. Porra.


    Fui dar uma volta pela praça de alimentação do shopping Pátio Higienópolis (não morro de amores pelo Cinemark, mas as poltronas de lá são as melhores que eu conheço), e acabei sentando numa mesa com uma tela de computador (pra que, não sei _a tela, digo). E, para me distrair, comecei a passar a limpo os telefones da agenda eletrônica do meu relógio de pulso que, por não ter mais pulseiras, eu uso no bolso (na verdade eu já o usava no bolso mesmo quando ele ainda tinha pulseiras, é mais confortável e mais seguro _depois que fui roubado por dois caras no Guarujá... E o que mais me doeu foi justamente a perda dos numeros de telefone). E me surpreendi ao constatar que, de todas as pessoas listadas ali, apenas uma continua em contato comigo (ah, tinha também o número do meu apartamento, porque eu demorei meses para decorá-lo).


    Então, impressionante como as pessoas vêm e vão. Ex-namoradas (ver o nome de uma delas me doeu muito, para depois eu perceber que na verdade não doía mais, o tempo cura mesmo, com ele podemos sempre contar, apesar de tudo), amigos que se perderam, números que não dizem mais nada, todos guardados na memória do relógio, mas que haviam sumido da minha própria lembrança em poucas dezenas de meses. Triste, isso. Ou não?


    Enfim, depois dessa melancolia toda (ô bichice do caralho, ando mole, mole), fui ver "A Espinha do Diabo", de Guillermo del Toro, produção do Pedro Almodóvar. É sempre bom ver um filme falado em outra língua que não o inglês. Sim, eu já disse isso antes.


    Mas parece que não tem tanta gente assim interessada em filmes off-Hollywood como eu. Entro na sala (com os trailers rolando, argh, de que adiantou eu chegar cedo?) e só há uma alma lá dentro. Depois outras pessoas foram entrando, totalizamos sete. Ou seja, o Cinemark faturou, no máximo, R$ 56 naquela sessão (não sei se alguém pagou meia. E, não, não me preocupo assim com dinheiro, não). Mas o shopping estava muito vazio mesmo, nesta tarde de terça-feira, 16 de outubro de 2001.


    Ei, passou do tempo de falar do filme. Apesar de "A Espinha do Diabo" (não, não é um filme sobre um tétrico caso de acne) não ser um filme "made in Hollywood", tem todo o tipão de filme hollywoodiano. O trailer já havia me dado essa impressão. E o início do filme, antes do final dos créditos, lembra mesmo um trailer. Bem produzido, até, mas nada brilhante.


    A história se passa em um orfanato no interior da Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola, nos anos 30. O menino Carlos é deixado no lugar, que, ele não demorará a descobrir, é assombrado por um... fantasma.


    Então trata-se de um filme de terror? Bem, até que não, o que é muito bom. Há, claro, alguns clichês do gênero, como uns sustinhos (óbvios demais para realmente assutar) que a aparição da alma penada tenta provocar.


    Olha, nem acho que a presença do sobrenatural seja um pressuposto de falta de qualidade de uma obra, fugir da verossimilhança pode ser interessante. Mas a implausibilidade deve ser trabalhada sempre com extremo cuidado, para evitar uma indesejável inconseqüência (de novo, nada contra a inconseqüência, desde que ela seja proposital, especialmente para efeito cômico). OK?


    Some-se ao filme alguns estereótipos da macheza espanhola, umas bizarrices aqui e ali (entretanto alguns detalhes, como a presença da bomba, o rádio, o gramofone, até que funcionam bem) e temos um filme estiloso, mas que não denota a personalidade de um Almodóvar, por exemplo. Parece que o diretor precisa se libertar um pouco mais da mera influência do cinemão norte-americano...


    Mas o filme não é de todo mal, na verdade foi melhor do que eu esperava. Os garotos atuam bem (o Coruja realmente tem cara de coruja!), os efeitos visuais estão muito bem feitos, a sonorização está muito boa, enfim, mais do que passável. Pena que não tinha mais gente assistindo...


    Ah, e como tem mulher gostosa no mundo. Nada a ver com o filme, só deu vontade de falar isso.


    Nota: 6,5/10

    Troma on Parade


    São Paulo recebeu, no início de outubro de 2001, sem muita divulgação (não me conformo pelo fato de a Ilustrada ter ignorado a pauta, Lloyd Kaufman é uma figura e merecia ter sido entrevistado), parte da mostra "Troma on Parade", que havia sido exibida integralmente em um festival carioca. Era uma coleção de filmes da produtora trash americana Troma _e sabemos como filmes ruins são bons, quando despretensiosos.


    O Guia da Folha deu um destaquinho, e não pude deixar de conferir pelo menos parte da mostra. No primeiro dia, acabei vendo "O Acampamento do Macho", por causa do título bizarro e do enredo: "Homossexual cansado da discriminação alista-se num acampamento onde uma lésbica da pesada ensina como se defender dos gay bashers". Sério, um troço desses é tão nonsense que merece ser conferido.


    Ainda não acredito que fui ver esse filme. Mas ele é bom, engraçado mesmo, tinha uma boa platéia na sala Mário de Andrade do Belas Bostas (ô cineminha fuleiro, as poltronas são criminosas) _tive a impressão de ser o único hetero na sala.


    Dirigido por um tal de Alessandro de Gaetano e estrelado por Paul Dennison (uma versão gay do Michael J. Fox, sensacional), até que não é uma produção tão bagaceira assim _a edição é muito tosca, entretanto. Dennison está muito bom no filme e é realmente engraçado quando demonstra ter nojo de mulher (ou pelo menos eu achei, porque não consigo deixar de encarar como absurda a idéia de homem ter nojo de mulher). A atriz que faz a Samantha Rottweiller, a sapatona do Butch Camp, também está ótima. Mas ainda parece estar longe o dia em que filmes com temática homossexual um pouco mais realista (what?!) serão encarados com mais naturalidade pelo grande público.


    De outra feita, fui ver "Garçonetes em Ação" _o título ridículo também chamou minha atenção_, marcado para as 18h. Pois entrei na sala às 17h50 e estava passando "Espreme-espreme no Beisebol", também dirigido por Lloyd Kaufman (responsável pela incrível saga _quatro longas_ do Vingador Tóxico, que combate seu terrível arquiinimigo, o Insalubre, u-au). O filme só começou às 19h, deu uma raiva...


    E ter perdido o começo de "Espreme-espreme..." (mas que raio de nome é esse? Sen-sa-cio-nal) não prejudicou em nada o acompanhamento da trama da obra da Troma. As namoradas do time de beisebol local desafiam seus machos para uma partida. E, lógico, ganham, duh. Ridículo de sobra, é tão ruim que chega a ser bom, e aí ficamos no mais ou menos. O bom de ver esses filmes é contar que viu e dar risada de si mesmo.


    E ainda encarei o tal "Garçonetes em Ação", que mostra a história de três garotas que trabalham em um restaurante muito do molambento (desses que servem sapato no meio da macarronada e coisital) e tentam subir na vida. O final é feliz, e o filme é muito ruim. Absurdamente ruim, mas não tanto quanto "Waterworld", que custou uns US$ 200 milhões... Agora, me arrependo tremendamente por não ter ido ver "A Primeira Bimbada"... Sério, esse deve ser muito bom.


    Notas:
    O Acampamento do Macho: 7/10
    Espreme-espreme no Beisebol: 5,5/10
    Garçonetes em Ação: 5/10

    sábado, abril 20, 2002

    Velozes e Furiosos


    Pra começo de conversa: eu detesto dirigir. Nunca tive nenhuma fascinação especial por carros. Eu era o único menino na escola primária que não conseguia identificar a marca e o modelo de uma caranga a meio quarteirão de distância. Tirei carteira de motorista só com 20 anos, tive que fazer umas 19 aulas, porque nunca havia dirigido antes _sem falar que fiquei amicíssimo do professor, que tinha a minha idade, e durante as aulas usávamos o carro da auto-escola pra ir caçar mulher_, e bombei no teste de moto. Tive carro por apenas um ano e o vendi, porque ele chegou a ficar quase um mês parado, apodrecendo dentro da garagem, já que eu simplesmente detesto dirigir, sou um perigo no volante. Nada como um belo par de pernas para a locomoção.


    Então um filme sobre corrida de carros não é mesmo de grande atrativo para mim. Fui ver apenas porque falaram bem dele, e porque eu preciso ver pelo menos um filme por semana, senão fico (mais) maluco.


    A tarde estava chuvosa, saí caminhando (lógico, sou um feliz não-dono-de-carro) segurando um guarda-chuva. Eu sempre me sinto estúpido segurando um guarda-chuva. "Um idiota e seu guarda-chuva nunca se separam", disse o sábio e venerando Confúcio no século III antes de Cristo (ahn, deixa pra lá). Me senti menos estúpido ao ver que várias outras pessoas na rua também seguravam guarda-chuvas, mesmo sem chover (algumas levavam cachorros pelas coleiras, isso não me faria sentir estúpido _talvez o cachorro se sentisse estúpido por andar em minha companhia... é, é mais provável). E aí começa a chover bem de leve. As pessoas abrem seus guarda-chuvas. Eu continuo carregando o meu fechado, sentindo os pingos molharem meu cabelo, minha camiseta. Não me pergunte por quê.


    Novamente entro na sala com os trailers rodando. Só porcaria, um filme mais ridículo que o outro. A coisa está feia. E passou de novo aquele filminho da SOS Mata Atlântica que é terrível, incômodo mesmo, até pra quem não é um destruidor de florestas como eu. Uma galera na sala se arrepiou em voz alta com a coisa. Ainda bem que não sou mais criança, senão ia ter pesadelo com aquela árvore gigante me encarando e falando com aquela vozona: "Eu vi!". Ui.


    Ah, e o som da sala está péssimo, um baita chiado de LP velho, e a projeção não está no meio da tela, muito esquisito. "Botaram a gente na sala tosca", comenta um moleque atrás de mim, tão puto quanto eu.


    Caralho, vamos ao filme. Pra começar: não é tão bom assim, vai. E a Jordana Brewster tem cara de homem e não tem bunda. Depois dizem que ela é brasileira... OK, e eu sou de Tuvalu, capital Funafuti (não me pergunte por que eu sei isso).


    Lembra de "Caçadores de Emoção", com o Keanu Reeves e o Patrick Swayze? "The Fast and the Furious" (não, mes amis, não é a história de uma gangue de bandidos que sofrem de ejaculação precoce) é a lesma lerda, só troque as pranchas de surfe pelos carrões envenenados e os assaltos à banco por assaltos à caminhões de carga. Policial disfarçado fica amiguinho dos bandidos que deveria prender, deixa o cara escapar no final (ih, contei, contei, mal aí) e ainda se envolve afetivamente ("trepa") com uma integrante da trupe. Que coisa mais clichê, oh, mon dieu.


    Há, sim, algumas cenas impressionantes _palmas para os dublês, a melhor coisa do filme_, mas as atuações não são nada memoráveis _menção honrosa para o cara que faz o Dominic Toretto (Vin Diesel. O quê? Um dos atores de um filme sobre corridas de carro tem o sobrenome "Diesel"? Quá, quá, quá!)_ e a trilha sonora ganha importância exagerada. Se o objetivo foi injetar adrenalina nos espectadores, o filme falha como um motor enferrujado. Mas dá para segurar a atenção, também. Enfim, um filme meia-boca (fusquinha?) competente, não mais. Ainda bem que não tinha cheiro.


    Nota: 5,5/10

    sexta-feira, abril 19, 2002

    O Dom da Premonição


    Estranho, passei o dia todo com "Lean on Me" (a versão de Al Green) tocando na minha cabeça (certas músicas fazem um bem enorme para o moral, é impossível não escutar "I'm Not Down", do Clash, ou "Life Is a Gas" _tanto faz se é a do T. Rex ou a dos Ramones_ para que a depressão vá dar uma voltinha)...


    Foi um dia de cão. Problemas, problemas, cabeça a um milhão, coisas ruins acontecendo, a vida é muito triste, uma tragédia só. É com este estado de espírito, com a cabeça cheia de besteira, que fui ver o mais recente filme do graaande Sam Raimi, escrito em parte pelo graaande Billy Bob Thornton (não deixe de ver os curtas do marido da Angelina Jolie _que tatuou o nome do cara e carrega um tantico de sangue do homem em um colar, não é fraco, não_ no ótimo site Atomfilms).


    O filme é sinistro (eu quis dizer "sinistro", e não "sssinissstro", como dizem os cariocas), como convém a Raimi ("Evil Dead", lembra?). Sem tanto bom humor nem muitos desvarios com a câmera, o filme se concentra mais em narrar um episódio de crime em uma pequenina cidade americana _que bom ver a classe média baixa (não, não chega a ser "white trash" radical, mas passa perto) retratada no cinema americano, chega de reles demonstrações de pujança yuppie nas metrópoles ou da vida bucólica nos subúrbios_, obviamente carregado de morbidez, com toques de sobrenatural.


    Cate Blanchett _ótima interpretação_ é uma jovem viúva com três filhos pequenos que faz leituras mediúnicas para o povo da cidade _um antro de "rednecks". Por aconselhar uma de suas clientes _Hillary Swank, de "Boys Don't Cry", em atuação sem grande brilho_ a abandonar o marido violento _Keanu Reeves, a lesma lerda de sempre_, ela acaba sendo ameaçada pelo fulano, que, graças a uma de suas visões, torna-se o principal suspeito do assassinato de uma moça de uma família rica da cidade _Katie Holmes, a Joey de "Dawnson's Creek", que aqui aparece pelada, hooray. Pra completar, Blanchett _que é acusada de bruxaria pelo povo da cidade_ ainda tem que ajudar o maluco local, o mecânico interpretado belamente por Giovanni Ribisi _o irmão mais novo da Phoebe de "Friends", aquele que adora derreter coisas e que se casa com a mãe do Eric Foreman de "That 70's Show" (ah, a época em que eu tinha TV a cabo...). Deu pra sacar?


    A obra é cheia daqueles sustinhos de filmes vagabundos de terror. E, como filme de terror, funciona em alguns momentos, mas o enredo acaba deixando a desejar, porque a trama fica mal resolvida, com um final digno de um episódio fraco de "Além da Imaginação" ou de uma dessas histórias de assombração que se costuma contar no interior de SP e que antigamente ilustravam episódios do "Caso Verdade" ou de "Carga Pesada", lembra?


    Bom, Raimi tem estilo, e sua personalidade está presente durante todo o filme. Mas o pé exagerado no sobrenatural faz de "O Dom da Premonição" um trabalho muito inferior a "Um Plano Simples" (a melhor atuação de Billy Bob), por exemplo. Mas dá para distrair, não se trata de um filminho vulgar, não.


    Agora, eu saio do cinema e adivinha qual música está tocando no saguão? "Lean on Me"... Não a versão do fantástico Al Green que pipocou o dia inteiro no meu cérebro, uma versão inferior, mas, ah, era "Lean on Me"... Ai, que meda, acho que eu também tenho o dom da premonição!


    Nota: 8/10

    Moulin Rouge


    Primeira coisa: como é bom quando garotinhas adolescentes me cobiçam (isso geralmente acontece quando vejo filme em shopping, caso de hoje). É divertido.


    Segunda coisa: bebês estão me deixando enternecidos. Estou ficando sentimental demais. O KL Jay me disse que estou precisando ter filho, mas e a mulher?


    É quarta-feira à noite, e o cinema está abarrotado. Pego uma fila como há muito etc. Justo hoje que eu tinha chegado meio cedo. Deu pra entrar na sala quando começava a rolar o trailer de "Apocalipse Now Redux". Caraca, que filmaço. Tem lá seus momentos menos melhores, mas é um filme fenomenal. Não vou nem falar muito no assunto, mas já é o melhor filme do ano.


    Não havia planejado assistir a "Moulin Rouge", aliás fiquei impressionado por o filme ainda estar em cartaz, já tem um tempinho que estreou. Mas achei melhor do que ver "O Diário de Bridget Jones"...


    Os críticos haviam caído de pau, mas o Lúcio recomendou. Mesmo assim, fui ao cinema achando que estava entrando numa roubada. Mas, felizmente, não achei o filme de Baz Luhrmann (o mesmo diretor de "Romeo + Juliet", aquele com o DiCaprio e aquela Julietammmrsfmslurppp) tão horrível assim.


    O começo é péssimo. Tudo me parece uma demonstração tola de técnica, com edição vertiginosa em excesso, nem mesmo o geralmente quase-ótimo Ewan McGregor (com quem a Viva diz que eu me pareço, vejam só do que a gentileza é capaz) entusiasma. John Leguizamo está OK como Toulouse (é, referência ao pintor), mas é Nicole Kidman quem realmente se destaca. E os atores que fazem o dono do Moulin e o duque, dos quais já não me recordo os nomes, hooray, mas teria checado se este fosse um texto jornalístico, também estão muito bons.


    O filme começa a empolgar nas cenas externas ao Moulin Rouge, especialmente quando o diretor embarca de vez na fantasia _referências a Meliès, afinal, é 1900 em Paris_ que é característica de um musical.


    O que nos leva a falar da música. Colagens espertas de um porrilhão de canções pop famosas, de "Like a Virgin" a "Roxanne", de "Silly Love Songs" a "All You Need Is Love". Até "Smells Like Teen Spirit" aparece (Kurt Cobain deve ter se revirado lá no inferno dos junkies). O resultado só é bom se levarmos em conta o apoio narrativo que as canções oferecem à obra. Musicalmente em si, blé.


    O enredo é uma bobagem delícia, brega pacaceta. Dramas tipo "Romeu e Julieta" (de novo) sempre são legais e nos lembram de que a vida é brega, o que faz da arte brega algo menos brega. Nada contra um exagero folhetinesco, ainda mais se o filme se passa em uma versão alternativa da Paris de 1900.


    Resumo da ópera: nada sensacional, mas não chega a ser lixo. E a Nicole Kidman não é nenhuma Heather Graham (em termos de sex appeal, que fique claro), mas dá pro gasto. Au revoir.


    Nota: 7/10

    Inteligência Artificial


    Para minha surpresa, o cinema estava lotado na quarta à noite. Geralmente é um deserto... Spielberg, né? Os trailers de "A. I." (muito bons, por sinal) foram martelados durante um bom tempo, a imprensa deu um espaço enorme (compreensível)... Kubrick, certo?


    Peguei a primeira sessão de quinta _tinha muita gente, surpreendentemente consegui um ótimo lugar, pois, como de praxe, cheguei ao cinema quando os trailers já estavam rolando (raiva, raiva, não consigo chegar na hora), para conferir, com certa satisfação, que o novo filme de Spielberg é muito mais Kubrick que Spielberg.


    Mesmo com as interessantíssimas questões que o filme propõe _a respeito do futuro da humanidade, do avanço tecnológico, dos danos ao meio ambiente etc._, o velho Spielby (não li esse apelido em tablóide nenhum, acabei de inventar, e se alguém já tinha usado antes, foda-se) tinha tudo para transformar o projeto de Kubrick em uma pataquada sentimentaluda.


    Não que não haja sentimentalismo na bagaça, afinal a busca pelo amor é o mote central da história do robô David, mas não há aquela apelação, aquela facilidade, aquele didatismo, aquela "amaciada" que o Spielby costuma enfiar até mesmo em um filme de guerra como "Saving Private Ryan" (não lembro do título em português, pô). Mas também não há (em exagero) aquela certa frieza, aquele gigantesco olho clínico que há nos filmes do Kuby (inventei agora, também).


    Chama demais a atenção a beleza das imagens. Isso é cinema, e Spielby filma bem pacaráleo. Lógico que é necessário uma betoneira de dólares para fazer essas cenas todas (aqui no nosso Brasilzão véio, qualquer ceninha de explosão estoura orçamento, vamos ter que acabar apelando praquelas labaredas do Casseta e Planeta), mas temos que convir que o cara é efeódea (e podia ser muito mais, se não fosse metido a brega e infantilóide e campeão maciço de bilheteria).


    E o molequinho cometa-Haley vai acabar levando um Oscar antes de criar pêlo no saco. O pivete está muito bom, que coisa. E o Hey Jude Law também não está nada mal como o Gigolo Joe, o michê robótico (que meda, hein? Lembrei de uma HQ argentina, do Horacio Altuna, que descrevia um mundo futurista onde ciborgues eram usados como objetos sexuais em uma sociedade de castas. Muita boa HQ, por sinal). Entretanto são poucos atores, o garoto conduz a história, não sobra muito espaço para grandes interpretações. Até William Hurt é eclipsado pelo cometinha.


    E muita gente reclamou do final, meu irmão Danilo disse que o filme poderia ter acabado meia hora antes (realmente poderia, aliás, parece que acaba ali, depois tudo fica muito mais nonsense _nota: quando se fala em Manhattan, um burburinho toma conta da platéia. E o filme já se torna anacrônico mais rapidamente que "2001" _PanAm, lembra?_ ao mostrar as torres gêmeas do World Trade Center semidestruídas, e apenas semi)...


    Mas o final não é ruim, embora o Spielby não poderia ficar devendo um final feliz _afinal, ele tem um compromisso com a audiência, e filmes com finais tristes são menos populares, embora geralmente sejam melhores... Será que o Kuby faria diferente? Tenho quase certeza que sim. No final, Spielberg voltou a ser Spielberg.


    Nota: 9/10

    Concorrência Desleal


    11 de setembro de 2001. 9/11 (algo a ver com o 911, o número para emergências?), como escrevem os americanos. Vou ao cinema ver o mais recente filme de Ettore Scola com a cabeça cheia, tentando processar os acontecimentos do dia.


    E o dia havia sido ótimo. Minha matéria com o Mike Patton (alguém a pirateou aqui) finalmente saiu na Ilustrada, recebi um convite para fazer um curso de produção musical, a Clarah voltou da Inglaterra e disse que queria me ver, planejo uma viagem em família, a faxineira veio limpar a casa, blablablá, coisas boas aconteciam.


    E aí ligo a TV, aquelas imagens inacreditáveis: as torres gêmeas do World Trade Center, aqueles prédios descomunais, foram ao chão. Os aviões batendo nos prédios. Eu não conseguia imaginar o número de mortos, fiquei preocupado com todos que eu conheço em Nova York, enfim, um espanto.


    Não havia planejado ir ao cinema nesta terça, muito menos para ver este filme, mas resolvi ir para tentar arejar a cabeça, que estava cheia de preocupações quanto à demonstração de força que o Bush e o Collin Powell iriam dar para "acalmar" os rednecks. Não conseguia deixar de pensar que o poderio militar e econômico precisa ser descentralizado, sob pena de o mundo entrar em uma inconcebível guerra novamente. Nesses momentos é que nos damos conta de que a paz é realmente muito frágil.


    E "Concorrência Desleal" retrata justamente a Itália de 1938, época do apogeu do fascismo no país, às vésperas da Segunda Guerra.


    Fui ver o filme totalmente despreparado, não sabia o que esperar, não tinha lido nenhuma resenha, nada. De saco cheio das funcionárias do cinema, pobrezinhas, parecem robôs, repetindo frases como "não aceitamos trocas nem devolução do ingresso em caso de desistência" (ei cadê os direitos do consumidor?) e outras. A fila estava vazia, tinha apenas um cara na minha frente, que teve de esperar a moça trocar o rolo de papel para imprimir os ingressos. O cara, muito estranho, parecia ansioso, perguntou umas três vezes quando o filme começava e quando terminava, depois não conseguia encontrar o caminho da sala 4, que fica bem no fundo... A moça que carimba os ingressos o levou até lá, mas o mané ainda sim conseguiu se perder e só entrou na sala quando eu já estava sentado...


    O filme começa, e eu me sinto aliviado por ouvir uma língua diferente, que não é inglês nem português. Entretanto, começo a sentir uma pequena angústia por ser obrigado a ler as legendas, o que nunca faço quando o filme é em inglês. Puxa vida, ler as legendas realmente atrapalha a apreciação do filme, desvia nossa atenção dos elementos da cena e mesmo dos movimentos de câmera e da interpretação dos atores. Meu instinto me faz não ler a legenda e me concentrar na língua, que, vocês sabem, é extremamente parecida com o nosso português, mas não dá. É necessário ler as legendas, isso atrapalha, a vida é assim. Ainda vou ser fluente em italiano.


    Sou brasileiro de terceira geração, mas minha família (pelo menos por parte de mãe) é da Itália, portanto sinto que o filme, de certa forma, diz respeito às minhas raízes. E me sinto incomodado por este estigma que a Itália tem de ser um país abertamente racista (embora o fato de o Brasil ter um racismo maquiado também é revoltante _ei, que absurdo é este de cotas nas universidades? Uma medida racista, humilhante e ineficaz, não é à toa que o grande geógrafo Milton Santos era contrário a ela. Não é assim que vai se fazer justiça social no Brasil, vamos tratar esse problema seriamente, sem populismo barato).


    Mas, bem, vamos ao enredo do filme. Duas famílias são vizinhas. As duas são comerciantes de roupas. Uma delas é italiana tradicional, e vende roupas feitas à mão, alfaiataria. A outra é de italianos judeus, e vende roupas industrializadas. Os pais de ambas as famílias brigam por causa da concorrência entre as duas lojas; os filhos mais velhos de ambas começam a namorar, e os meninos mais novos são amigos inseparáveis.


    E então o regime fascista de Mussolini, cada vez mais próximo do nazismo de Hitler, começa a perseguir cada vez mais os cidadãos judaicos. Seus rádios são apreendidos, suas lojas são fechadas, eles serão confinados a guetos e a campos de concentração. O horror do holocausto se avizinhava. E, no meio de tudo isso, as relações entre as duas famílias.


    Será algo piegas do tipo "Romeu e Julieta"? O pai católico irá usar a perseguição aos judeus para prejudicar o concorrente? Não vou contar o que acontece, obviamente, mas vale a pena conferir este pequeno melodrama, simples, bem feito, bem filmado (a gente nem percebe) e nada enfadonho, ao contrário do que poderíamos esperar.


    Ah, uma coisa me chamou a atenção. O personagem do conde relojoeiro faz algumas observações sobre a Itália que lembram demais o Brasil. A mais óbvia delas é quando ele chama a bota de "país do jeitinho", onde nenhuma regra é seguida (a gente quase nunca pára para pensar no absurdo que é a expressão "esta lei não pegou"...) E tem outra observação interessante, a respeito da influência do Sol sobre o comportamento... Preste atenção e pense a respeito, quando você vir.


    Nota: 8,5/10

    quinta-feira, abril 18, 2002

    Amnésia


    Vejam só o que é o hype: toda temporada Hollywood elege um filme como "ousado", "diferente", "inovador" etc. Aí a imprensa repercute com uma falação enorme, jornalistas escrevem que o tal filme é "o melhor do ano", que "é um dos mais inovadores dos últimos tempos", blablablá.


    Antes da estréia, você lê reportagens e mais reportagens sobre o tal filme. Fotos e mais fotos saem nos jornais, o desempenho da obra nos festivais e mostras etc. E você vê o trailer, conhece o enredo, os personagens, o diretor, o roteirista, a tia que fez a comida no set e tal. Enfim, o hype todo.


    E aí, quando o filme está prestes a estrear, todas as críticas dizem que o filme não é isso tudo, que é apenas um truque, que o espectador está sendo ludibriado, que seu ingresso e seu tempo não valem aquilo, que você vai ESQUECER o filme logo após vê-lo. E dizem que é apenas hype.


    Ô saco! Isso tudo é muito chato. Já vimos esse filme milhões de vezes. Ano passado foi assim com "Quero Ser John Malkovich" (LEMBRA?). A bola da vez em 2001 é "Amnésia".


    A idéia central do filme de Christopher Nolan _baseado em conto de seu irmão Jonathan, que foi publicado no Mais! (hype não rola apenas na Ilustrada, viram?)_ não é original, assim como não é nova a forma de narrar a história de trás para a frente.


    Aliás, a história é muito parecida com a de um jogo para computador chamado "Torment", cujo personagem principal é um homem que perde a memória periodicamente e, para se lembrar de seus propósitos, deixa mensagens escritas para si mesmo _inclusive na própria pele. Ei, lembram daquele personagem do Tom Hanks no "Saturday Night Live", o "Short-Term Memory Guy"?


    Pois é esta a história de "Amnésia". O personagem de Guy Pearce só consegue se lembrar dos acontecimentos desde sua infância até um ataque em seu apartamento. Depois disso, seu cérebro é capaz de registrar memórias novas por apenas alguns minutos.


    Horrível, não? Pois a vida de Leonard é um pesadelo. Ele acorda sem saber onde está, como foi parar ali, o que tem que fazer. Ele não pode confiar em ninguém _e, principalmente, em si mesmo. Guia-se por fotos e anotações. Imagine, uma pessoa como essa é facilmente manipulável, e é justamente isso que fazem os personagens que o cercam.


    Lenny é movido pela vingança, traça o objetivo de caçar o assassino de sua esposa. E é envolvido por uma teia de interesses que conta com policiais e traficantes de drogas, com muita grana no meio. Mas não vou falar muito do enredo, para não estragar a surpresa. Sim, porque, apesar de começar pelo final, "Amnésia" não é um filme de suspense, e sim um mero "whodunit". É preciso chegar ao início de tudo para compreender as atitudes de Lenny. Mas, cuidado: a memória é muito traiçoeira.


    Nota: 9/10

    Bufo & Spallanzani


    Creio que o fato de eu já ter lido o livro homônimo de Rubem Fonseca não atrapalhou muito minha experiência como espectador do filme de Flávio R. Tambellini _apesar de se tratar de um "whodunit" (corruptela de "who done it", ou seja, "quem é o culpado do crime?", jargão manjado do cinema policial).


    Obviamente que teria sido diferente se eu não soubesse de antemão qual personagem segurava a arma que matou Maitê Proença (a quem eu sempre confundo com Bruna Lombardi, sei lá por que cargas d'água).


    Mas então... É a segunda adaptação de um livro brasileiro que vejo em seguida. E, apesar de não ser o caso comparar "Bufo" e "Memórias Póstumas", parece claro que o desafio de Tambellini foi muito menor que o de André Klotzel. E talvez por isso ele tenha sido mais bem-sucedido.


    "Memórias Póstumas de Brás Cubas" foi escrito antes de o cinema existir, e o autor de "Bufo & Spallanzani" não só está vivo _é o que dizem, pelo menos_ como é um dos roteiristas do filme, ao lado de sua pupila Patrícia Melo _será que os livros dela são bons?_ e do próprio Tambellini.


    Daí que o surgimento do cinema afetou absurdamente a literatura, e não há como negar esse fato. O audiovisual exerce sua influência nas letras, há escritores que pensam nos capítulos de seus livros como "cenas", o ritmo é "cinematográfico" etc. "Fudeu tudo", dirão alguns.


    Pois o romance de Rubem Fonseca _engraçado, não o considero um grande autor, mas gosto de ler seus livros, embora me irrite muito as tolas demonstrações de pretensa erudição_ já tinha, sim, gosto de filme policial. A trama é meio rocambolesca, mas é interessante. Me agradou o fato de os flashbacks não serem anunciados por datas ou mudanças radicais na fotografia e outros truques do tipo.


    A trilha de Dado Villa-Lobos realmente ajuda, mas sua presença é marcante apenas no início do filme. Tony Ramos está excelente como o investigador Guedes, taí um ator subestimado, que deveria ser melhor aproveitado pelo cinema, em vez de ficar apenas nas novelas da Globo _ei, realmente ele está a cara do Nasi (vocalista do Ira!) nessa novela nova, "As Filhas da Mãe", hahaha!


    Agora, a presença maciça de atores globais na telona tira um pouco da credibilidade do enredo, porque são rostos muito conhecidos. José Mayer é o Zé Mayer de sempre, Maitê Proença segue no papel de tiazona gostosa e ainda temos Juca de Oliveira, Milton Gonçalves, Otávio Augusto... Até o Matheus Nachtergaele já começa a cansar, apesar de ser o único que ainda tenta transformar sua imagem de um trabalho para o outro _mas ainda longe de ser um transmorfo como o Gary Oldman...


    Mas o filme é bem feito, certinho, bonitinho etc. Nada revolucionário ou inesquecível. É, o Brasil também precisa de filmes assim. Nada de mal em um thrillerzinho bem feito para distrair, certo?


    Nota: 8/10

    Memórias Póstumas


    Pois este é o filme que fui ver no dia em que completava meus 25 anos. Poucos dias antes, o seu diretor, produtor, montador etc., André Klotzel, publicou na Ilustrada uma réplica à crítica de José Geraldo Couto, reclamando de que o crítico havia reduzido sua obra ao encará-la como "didática".


    É compreensível a posição do diretor, mas também não vejo nenhum problema no didatismo aplicado à arte. Atrás de mim, na sala, umas três pessoas, aparentando seus vinte e poucos anos, faziam comentários irritantes em sua idiotice (também porque falavam alto demais e faziam muito barulho com seus sacos de pipoca)... Não é porque se trata de uma adaptação de um dos clássicos máximos da literatura brasileira, uma obra sofisticadíssima como "Memórias Póstumas de Brás Cubas (já era meio velho quando li o livro, eu tinha uns 14 anos), que vamos esperar que ela seja assistida apenas por quem leu o livro _é até salutar que pessoas que não conhecem Machado vejam o filme para, talvez, se sentirem compelidas a lê-lo.


    Mas não é fácil adaptar uma obra dessas. Dizem que as peças de Machado são para serem lidas, e não encenadas. E o filme de Klotzel (que fez "A Marvada Carne", notória comédia com Fernanda Torres) é muito mais baseado no texto do que nas imagens, que, afinal, são a essência do cinema. Tudo é muito mais dito, verbalizado, do que mostrado. Há, sim, bastante subserviência ao texto original.


    Várias frases espertas do livro são transpostas para a tela. Reginaldo Faria, como o "defunto autor" e narrador da história, interage com o espectador de modo semelhante ao que o escritor interagia com o leitor. O artifício provocou risadas nas poucas pessoas presentes à sala _umas vinte, numa quarta-feira à noite, em um grande shopping de São Paulo (aproveito para protestar: o Cinemark antecipou para as 17h o horário-limite para o desconto da matinê. Isso é uma SAFADEZA tão grande quanto à essa vergonhosa maquiagem de produtos que ocorreu com biscoitos e papéis higiênicos, entre outros. Sem falar que eles cancelaram o acordo com o Clubefolha...).


    As únicas cenas que efetivamente me chamaram a atenção pelo poder das imagens foram aquelas em que fantoches de sombras são projetados em uma parede e a dança de Quincas Borba _Marcos Caruso rouba a cena ao interpretar de forma brilhante o filósofo. É de longe o melhor ator no filme, que também conta com um bom Otávio Müller, como o marido de Virgília.


    Obviamente, a adaptação de Klotzel é muito mais fiel que a de Júlio Bressane (em que Cubas era vivido por Luís Fernando Guimarães, e a metalinguagem literária virava metalinguagem cinematográfica), mas não pretendo avançar na comparação entre as duas obras. Mas a maior impressão que tive de "Memórias Póstumas" é esta: mais do que para ser visto, é um filme para ser lido. Mas vá vê-lo, lógico, pois o cinema nacional precisa sair desse buraco horroroso em que se encontra, dependente das leis de incentivo _é cansativo o número de empresas citadas antes de o filme começar...


    Nota: 7/10

    quarta-feira, abril 17, 2002

    Final Fantasy - The Spirits Within


    Um monte de gente já falou mal deste filme. OK, não é lá grande coisa, nem mesmo no quesito animação, que deu a maior trabalheira para a japonesada, craque em termos de tecnologia, mas cujo resultado não fica muito além do já visto em “Shrek” (mas é beeem melhor do que eu esperava, e isso não é pouco).


    Realmente, o filme é repleto dos clichês das obras de ficção científica, onde o grupo de heróis tem que enfrentar a ameaça alienígena, e vão morrendo heroicamente um a um, e há o cara poderoso e ambicioso que atrapalha tudo etc. Uma história já vista xilhões de vezes.


    Não que o enredo do filme seja ruim... Muita gente reclamou que o roteiro é confuso, mas não concordo. Talvez por eu já estar acostumado às histórias de Hironobu Sakaguchi, que dirigiu, escreveu e produziu este filme e também a fantástica série de videogames que deu origem à obra.


    E não há dúvida de que os jogos da série "Final Fantasy" _especialmente os três últimos_, e também muitos outros da Square, são verdadeiras obras-primas na seara dos videogames. "Final Fantasy VII", o primeiro da série para o Playstation, é simplesmente emocionante. E não é de hoje que certos jogos já são considerados, merecidamente e sem exagero, como uma espécie de obra de arte.


    Mas não é preciso conhecer os jogos para ver o filme. Embora fique aqui o toque: os jogos são inesquecíveis; este filme não é. Game over.


    Nota: 5/10

    Planeta dos Macacos


    Vou confessar uma coisa: o primeiro "Planeta dos Macacos" foi um dos filmes mais desagradáveis que assisti. Eu era criança, deve ter passado na "Sessão da Tarde", e lembro de ter ficado chocado com a história _especialmente com aquela cena em que mostram que um dos colegas de Taylor (aquele bosta do Charlton Heston, ô figurinha desprezível, o arquétipo do "redneck" americano _e é um ator de merda) sofreu uma intervenção cirúrgica no cérebro, para retroceder ao nível dos outros humanos. Ugh!


    Lógico que, nos outros filmes, a coisa desandou. Se a gente for olhar pelo lado trash, da cultura da ficção científica norte-americana, pode até ser legal, por esse aspecto cômico, grotesco, embora o contexto da época em que os filmes _e o livro em que a série foi baseada_ foram feitos justifique o temor pelos rumos da corrida armamentista durante a Guerra Fria e blablablá.


    Só que estamos em 2001, o mundo anda muito mais complicado, e contrataram justo Tim Burton para filmar um roteiro usando a macacada. Vamos dar um desconto para o homem, que é um dos mais interessantes criadores que Hollywood produziu nos últimos anos ("Ed Wood" é um filmaço, a melhor coisa que ele já fez, de longe). Mas ele merecia coisa melhor.


    Aqui o cheiro de blockbuster é exagerado, e a cenografia não é tão impressionante como a de "Batman", a fotografia perde feio para a de "Edward Mãos-de-Tesoura", nada da graça de "O Estranho Mundo de Jack" ou do clima de "O Cavaleiro sem Cabeça". Mark Whalberg (que adorava cantar rap de cueca no início da década passada, quando assinava Marky Mark _não confundir com o DJ paulistano de drum'n'bass) não convence como o herói, Michael Clarke Duncan está péssimo, e, pe-la-mor-de-deus, Kris Kristtofferson? Fuck off! O único destaque vai mesmo para o Tim Roth, que criou um belo personagem, o general Thade _pena que fizeram dele o vilãozão, uma abordagem menos dualista teria sido muito melhor. Afinal, a única diferença entre os macacos do filme e os humanos é a aparência _e, imagino, o cheiro.


    Algumas coincidências no roteiro forçam a barra, mas quem é que procura alguma coerência em um filme de ficção científica? O final foi algo que dividiu as pessoas, eu mesmo não sei se gostei ou não, embora reconheça que foi inventivo, mas muito mais previsível do que o do filme de 1968, que, por sinal, meu páps, que estava comigo e com minha mama, disse preferir. Eu nem sei, tamanho o trauma que aqueles macacões feiosos e toscos me causaram. Agora o Thade, esse aí é fichinha, baby. Imagina se tivessem feito o "Planeta das Mariposas"? Uuuaaaargh!!!


    Nota: 6/10

    Copacabana


    É destacada em "Copacabana", o novo filme da atriz e diretora Carla Camurati, a frase "a saudade é a sombra negra de um passado cor-de-rosa". O filme conta a história de Alberto, nascido e criado no famoso bairro carioca, que comemora a absurda idade dos 90 anos e tem ataques delirantes de nostalgia.


    O projeto, anunciado há anos pela diretora, seria na verdade a história do bairro, tendo como uma das paisagens principais o célebre hotel Copacabana Palace, mas o produto final é bem diferente. A biografia de Alberto e de seus amigos, amantes e pretendentes tornou-se o foco do filme, o que, a princípio, me decepcionou, porque eu estava esperando uma obra menos convencional.


    Mas "Copacabana" está longe de ser um filme ruim. Algumas seqüências alongam-se demais, como a da festa para Alberto _Marco Nanini está muito bom, embora a maquiagem não o tenha deixado velho a ponto de parecer 90 anos, e, além disso, seu personagem caminha com desenvoltura difícil de ver mesmo em indivíduos 10 ou 20 anos mais jovens_, mas a mostra de flashes de uma vida não pode deixar de ser emocionante, ainda mais em um contexto tão fascinante como o dos primórdios do século 20 na então ainda mais maravilhosa cidade _e capital federal.


    Estou deixando de lado um monte de detalhes porque vi o filme há quase um mês _estive viajando. O que eu gostaria mesmo de observar, fazendo referência à frase citada no início deste texto, é que saudade, para mim, não é sinônimo de nostalgia.


    Essa palavra portuguesa é constante tema de discussão entre poetas e artistas em geral _inclusive músicos, como Nick Cave_, devido aos seus muitos e por vezes intraduzíveis significados. A meu ver, saudade tem mais a ver com o sentimento de falta, da necessidade de suprir o desejo de uma presença _e, vejam bem, presença faz referência ao presente. Nada a ver com mera nostalgia, portanto.


    Não posso afirmar que o filme limita-se a atestar a decadência do bairro, que já viveu épocas mais glamourosas _eu passei quase duas semanas vivendo em Copacabana, durante a cobertura do Rock in Rio 3, e não posso dizer que trata-se de um bairro chique ou que sua praia seja convidativa. Ficar achando que os velhos tempos é que eram bons é uma tremenda faca de dois gumes. "Copacabana", no fim das contas, acaba sendo um lembrete de como a vida passa rápido _e de como ela não pára de passar. Por enquanto...


    Nota: 7/10

    terça-feira, abril 16, 2002

    A Comilança


    Ô, dureza. Achei que não fosse conseguir ver este filme. Estava guardando para ver com a mesma baby que me acompanhou em “Coisas que Você Pode Dizer...”, mas, por um desencontro, ela acabou indo sem mim _but it's all over now, como cantou o velho Bob, "um homem do canto e da dança", que a cada dia se parece mais com o Vincent Price.


    Aí obrigações profissionais que se mostraram até agora quase que totalmente inúteis me impediram de ver a obra durante quase toda a primeira semana de julho deste primeiro ano de milênio _um amigo meu fez aniversário, não pude cumprimentá-lo, que pena.


    Tentei ver o filme na quinta, mas o ônibus demorou demais e desisti. A sexta começou mal: de cara, perdi o almoço com a Clarah, porque meu irmão não me acordou quando ela ligou. Nos falamos pelo telefone lá pelas 15h (aquela voz triste), convidei-a para a sessão das 17h15, mas ela não pôde ir. Então fui sozinho, era agora ou nunca.


    "A Comilança" é um filme do qual eu ouvia falar desde criança. Um longo filme que, diziam, se limitava a mostrar pessoas comendo. Mas não é apenas isso.


    O filme é filosófico pra-ca-ce-te. Hedonismo ao extremo, bem do meu gosto. Pulsão pela morte. Sexo. Escatologia. E ainda tem o meu xará Mastroianni. E o Philippe Noiret (o Neruda de “O Carteiro e o Poeta”, o tiozinho de “Cinema Paradiso”). E o Ugo Tognazzi, vejam só.


    Então quatro caras se trancam em uma casa por dias a fio, dispostos a comer até morrer. O festim é ininterrupto, "Il faut manger!", brada Marcello, que, mais uma vez, consegue conferir encanto a um personagem patético. Prostitutas e uma professorinha se juntam ao grupo. As putas acham os homens nojentos e os abandonam, a professora (de literatura, ulalá) gordota se rende aos prazeres da mesa e da cama e torna-se a quinta comilona.


    O filme passa, e você nem percebe. É uma obra envolvente. Há pouca exuberância visual _a única cena que me vêm à cabeça é a de Michel Piccolo declamando um trecho de "Hamlet" e dançando com uma cabeça de boi_, "A Comilança" é cinema de idéias, não de imagens. Preste atenção no poema em inglês escrito no banco rosa, na seqüência final.


    Uma última coisa: o filme é de 1973. Há algo de especial na data? Não. O filme poderia ter sido feito em 1940 ou em 2000. É atemporal, e isso está muito longe de ser pouco. Eu o vi há 24 horas, e agora percebo que gosto dele ainda mais. Buuurp!


    Nota: 9,5/10

    segunda-feira, abril 15, 2002

    Evolução


    Eu sabia que o filme não era grande coisa. Só que eu tive uma semana dos diabos e precisava ir ao cinema, me distrair. E no cinema do lado daqui de casa só passa porcaria, e eu tenho preguiça de pegar condução pra ir ver um filme melhor em um cinema mais longe.


    E, de novo, entro na sala quando os trailers já estão rolando. Que raiva. Quinta à noite, antes das 21h, e o lugar está todo lotado. E cinema lotado só é divertido quando a gente é (ou está se sentindo como) criança. Não era o caso.


    Além disso, o povo é muito mal educado. Como se não bastasse jogar o saco de pipoca no chão, quando o cinema está lotado ficam brincando de quem faz "ssshhhh!!!" mais alto. Que raiva, que raiva.


    Mas já começo a me sentir melhor ao ver o trailer de "A. I.", o famoso projeto de Kubrick que Spielberg topou fazer. Aliás, trailer, vírgula. É uma peça publicitária. Mas muito da bem feita. O logo do filme é sensacional. O molequinho de "O Sexto Sentido" se deu bem. Será que ele vai ter o mesmo destino do Macaulay Caulkin? E que merda de nome é Macaulay?


    Mas é mais ou menos aqui pelo quinto parágrafo que começamos a falar do filme, xerto? Tonces, "Evolução" é uma comédia bem amalucada. E nojenta.


    A estrela é o David Duchovny (nem sei se estou escrevendo certo, este site não é jornalístico, me recuso a checar qualquer coisa, eu, hein?), o Mulder do "Arquivo X". Não, eu não assisto "Arquivo X". Nunca vi um episódio, eu juro. Vi apenas o filme, e porque passou no Telecine. E joguei o jogo para computador (a Marcella também tinha).


    Voltando ao filme: tem também a Julianne Moore. O cômico na personagem dela é que ela sempre tropeça. Ha-ha-ha. É assim que fazem quando chamam uma atriz "séria" para fazer comédia. Já fizeram isso com a Emma Thompson em "Júnior", aquele filme em que o Schwarzenegger fica grávido, chora ao ver novela e faz respiração-cachorrinho vestido de rosa, óculos e com uma peruca loira. A traveca mais horrenda que já vi. Depois da Zélia Cardoso.


    Tem também um Sean não-sei-lá-o-quê Scott, um rapaz loiro que anda fazendo umas comedinhas, como "American Pie" e "Cara, Cadê Meu Carro?". A graça dele é que ele faz umas caras de safado/louco, e só.


    Então quem acaba roubando o filme (o Dan Aykroid está péssimo como o governador, mas pelo menos os dois gordinhos burros estão muito bem _cacêta, acho que estou errando TODOS os sobrenomes neste texto), assim como o burro do Eddie Murphy rouba a cena em "Shrek", é o Orlando Jones. Sim, o ator negro. Sobra pra ele a agonia de ter uma mosca alienígena retirada de seu singelo cu ("Sempre há tempo para o lubrificante!", grita ele, no meio da cena). E tem um monte de piadas racistas no filme. Terrível, terrível.


    A história: cai um meteoro, e dois professores da universidade local, um biólogo e um geólogo, são os primeiros a recolherem amostras. E descobrem que há vida extraterrestre no meteoro. E esses seres unicelulares viram pluricelulares. E dão origem a insetos, peixes, répteis gigantes, mamíferos, primatas. Evoluem em poucos dias a um nível que os seres terrestres demoraram centenas de milhões de anos.


    Muitos absurdos científicos e piadinhas infames depois, os dois professores precisam derrotar a ameaça alienígena e ainda enfrentar a resistência de um general do exército americano. Ah, e o David Mulder dá uns catos na Julianne Moore, lógico. Viu quanto clichê junto?


    Pois o filme serve pra passar na Sessão da Tarde, no máximo. Prova de que Ivan Reitman _que também dirigiu o hoje felizmente esquecido "Os Caça-Fantasmas"_ não evoluiu nem um pouco como cineasta. Parece que quem participou do filme é quem ri da platéia, e não o contrário.


    Nota: 3,5/10

    Profissão de Risco


    Fazia tempo que eu não ia ver cinemão, porque tudo o que está em cartaz nas salas mais acessíveis são absolutas porcarias. Mas estava louco para ir ao cinema, então fui ver esse "Profissão de Risco" sabendo que não seria grande coisa, mas acabei me decepcionando mais do que esperava.


    Desta vez, não vou comentar o que estava tocando no cinema do Pátio Higienópolis porque cheguei atrasado, e os trailers já estavam rolando (será que "Bufo & Spallanzani" vai ser bom ou é apenas mais um filme com o famigerado "padrão grobo de qualidade"?). Também não deu para observar as pessoas dentro do cinema (o filme já começa aí, sabe?), mas sentei entre um casal inter-racial e uma mina, sozinha.


    Então vamos acabar logo com essa porcaria de filme. O começo já é irritante, porque tem narração em off. Eu detesto narração em off. Em geral, isso é preguiça narrativa (filmes como "Taxi Driver" e "Asas do Desejo" usaram o off de maneira muito mais pertinente). Não que eu ache que obra de arte tenha de ser hermética, muito pelo contrário, mas subestimar a nossa inteligência também... Pôxa, não custava nada um pouco mais de capricho, de originalidade. Ainda mais num filme desse tamanho.


    E os takes da moda. E a moda (lançada, lógico, pelo Tarantino, em "Jackie Brown") de imitar o cinema americano dos anos 70, só por que parte do filme se passa nos EUA dos anos 70. Usar "Can't You Hear Me Knocking", uma música do "Sticky Fingers", o disco mais escancaradamente junkie dos Rolling Stones, nos créditos iniciais. Tocar surf music lenta e psicodélica (Link Wray) enquanto garotas de biquíni fumam maconha em uma praia da Califórnia no final dos anos 60. É clichê atrás de clichê.


    E a direção de atores não está grande coisa. Franka Potente (vai ter um nome legal assim lá na meretriz que te deu à luz), Penelope Cruz, Johnny Depp, ninguém atua com brilho nem é bem filmado. Ray Liotta e Paul Reubens (que faz o trafica gay _ATENÇÃO: este cacófato _grosseiríssimo, por sinal_ é proposital, e, em um país cujo hino nacional traz uma pérola como "heróico brado", cacófatos não podem ser grandes faltas) ainda dão um pouco de dignidade ao filme, mas só um pouquinho. Tiquinho de nada, mesmo.


    Agora, o que dói mesmo é como um argumento tão sensacional, tão fantástico como a vida de George Jung, um dos maiores responsáveis pela entrada da cocaína do cartel de Medellín (leia-se Pablo Escobar) nos EUA no fim dos anos 70 e começo dos 80, quando a porronga era a droga da moda, servida em bandejas nas festas daquela ricaiada podre daquelas plagas e blablablá (isso é só um estereótipo, as coisas hoje andam muito piores), foi jogado na latrina.


    Pô, em vez de analisar cirurgicamente todo o fascinante processo do tráfico de drogas, um dos negócios mais lucrativos do mundo, o Ted Demme, que se tornou amigo pessoal do George Jung, que está sentenciado até 2015 e cuja foto (horrorosa) aparece no final, embarca numa onda de sentimentalismo barato, fazendo do filme um mero apelo para a filhinha do cara ir visitá-lo na prisão. Ora, vão se foder. Desperdiçaram a oportunidade de fazer um filme histórico (perdem feio para o "Traffic") e realizaram apenas mais um filme digno de passar na "Tela Quente". Mais uma vez, vão se foder (ah, eu nunca poderia escrever isso em jornal, hahaha...).


    Nota: 4,5/10

    Shrek


    Eu gosto de chegar ao cinema antes do início dos trailers, não só para pegar um bom lugar, mas principalmente para sentir o clima da sala, observar as pessoas etc. Mesmo quando estou acompanhado, o que não era o caso hoje. Parece idiota pra você?


    Pois então, ultimamente, tenho chegado sempre atrasado. Fico sem observar a sala, as pessoas, fico sem saber o que estava tocando (raramente algo que preste) e pego um lugar bem na frente. A única coisa interessante que aconteceu desta vez foi uma adolescente me jogar um T.V. Eye na fila do ingresso. Mas a mãe dela estava junto.


    Onward and onward and onward I go: dificilmente um trailer mexe comigo. Desta vez, engoli em seco com um filme da S.O.S. Mata Atlântica, a única coisa séria em meio a filmes engraçadinhos ou comerciais (ou ambos). Será que mais alguém se sentiu mal? E por que me senti mal, se eu sou um cara até "ecologicamente correto" (urgh)? Nem jogo papel na rua nem nada (se você joga, ordeno que entre em combustão espontânea instantaneamente. Ah,bom).


    Ah, mas eis que o quarto parágrafo começa, e chega a hora de começar a falar do filme, certo? Pois "Shrek" é muito bom, embora tenha seus probleminhas.


    Logicamente, assisti à versão legendada. Nada contra o Bussunda, que, por sinal, ficaria até parecido com o ogro se pintado de verde. Mas é que John Lithgow (o High Commander Dick Solomon de "Third Rock from the Sun") como o baixinho e asqueroso Lord Farquaad e Eddie Murphy (por que um comediante do quilate dele fica fazendo porcarias como "Dr. Dolittle" e "O Professor Aloprado"? Alguém escreva um bom filme pro cara já!) como o burro tagarela são os pontos altos do filme. Sério, o burro é muito chato, canastrão, mas leva o filme nas costas. Mike Myers, que dá um sotaque irlandês a Shrek, e Cameron Diaz, como a princesa Fiona (e bota fiona nisso), já não têm a mesma graça.


    Obviamente, a animação é outro gol da equipe da Dreamworks. A gente até esquece que está vendo uma animação, dada a ilusão 3D alcançada. O Lorde Farquaad chega perto da perfeição, tem o corpo peludo e a barba por fazer, coisa que não se viu em desenho nenhum com tamanho realismo. E o que é o sorriso do burro? Transpira canalhice, é demais.


    O roteiro tem lá as suas sacadas, especialmente em certos diálogos e nas sátiras aos personagens clássicos dos contos de fadas _e às adaptações dessas histórias feita pela concorrente Disney. Logo de cara, vemos Gepeto vendendo seu Pinóquio, e Peter Pan querendo se livrar de Sininho. Ah, e o originalmente bretão Robin Hood _chupado do Errol Flynn_ aqui aparece como francês, ó, sacrilégio.


    Mas os principais problemas do roteiro, a parte mais fraca de "Shrek", apesar de tudo, são a obviedade da trama _o final pode ser facilmente adivinhado lá pela metade do filme_ e a facilidade com que as subtramas se desenlaçam (e o filme é muito curto). Há muito pouca tensão, e o clímax da história está justamente na sua metade, quando Shrek e o burro enfrentam o dragão que guarda a princesa Fiona.


    Outra pisada feia na bola é a trilha sonora. Pô, em vez de uma trilha original, caprichada, para levar um Oscar, eles pegaram umas musiquinhas vagabundas _dá um ódio ouvir Smash Mouth no começo! É muita falta de qualidade!_ e as jogaram no filme de qualquer jeito... Só funciona um pouquinho durante o duelo de Shrek com os cavaleiros de Farquaad, quando toca "Bad Reputation", originalmente da Joan Jett & the Blackhearts. E o burro _sempre ele_ tirando um sarro de Billie Joel no final também dá pra engolir.


    Mas "Shrek" merece o carimbo "diversão garantida". As gargalhadas são inevitáveis, e há também seus momentos melosinhos, mas longe das chatíssimas lições de moral da empresa do camundongo de short vermelho. Ah, e não tem Elton John na trilha sonora, ufa _talvez eu não devesse tê-la criticado tanto assim. Ah, mas Smash Mouth sucks. Aquele vocalista gordinho é o fim da picada. Ei, já falei sobre o sorriso do burro?


    Nota: 9,5/10

    O Lixo e a Fúria


    O primeiro disco que comprei na minha vida foi "Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols" (na verdade, o "Fresh Fruit for Rotting Vegetables", o primeiro dos Dead Kennedys, foi comprado junto). Era 1989, eu tinha 12 anos, era fã de punk rock há pouco mais de um ano e até então tinha apenas uma coleção de fitas podronas, com qualidade sonora absolutamente ridícula (naquele tempo, tudo era mais difícil, crianças, não existiam MP3, MTV, ninguém tinha CD player... Ah, o velho século XX!).



    No cinema, passava "Sid & Nancy", filminho meia-boca do Alex Cox, mas que saciava um pouco da minha idolatria pelo grupo, de cara o meu preferido dentre as bandas punk, apesar de ter sido iniciado no gênero pelos Ramones e depois passar a dar mais valor ao Clash. E eu ia à igreja com o penteado idêntico ao do Sid Vicious (é impressionante como os adolescentes entre 12 e 15 anos são as maiores vítimas da moda; de uns dez anos pra cá, virei o cara mais anti-fashion que conheço).



    E mesmo com todo esse histórico, me recusei a conferir o show da turnê "Filthy Lucre", com os caras já tiozinhos, em 1996, e demorei muito (estamos em junho de 2001, em plena era do racionamento de energia elétrica, ulalá) para ver este "The Filth and the Fury", o segundo filme com a banda feito pelo Julien Temple (o primeiro, "The Great Rock'n'Roll Swindle" _aquele que mostra Steve Jones e Paul Cook no Rio com o Ronald Biggs, que cantou na trilha sonora, sensacional_, eu não vi até hoje. U-hu).



    Porque eu meio que já sabia o que esperar: o grupo se promovendo como inventor do punk e blablablá. E o filme começa com um tom político, fala-se sobre a classe operária, os partidos Trabalhista e Conservador, e os Sex Pistols são colocados como uma reação natural à situação político-econômica do Reino Unido no meio dos anos 70. Sei, John Lydon.



    O filme, obviamente, se esquece de dizer que o punk é americano, que já existiam bandas classificadas como "punk" desde o final dos anos 60, que havia nos EUA há anos uma revista de música chamada "Punk" (o filme mostra apenas o célebre fanzine "Sniffing Glue"), que o visual de Johnny Rotten foi chupado de Richard Hell... Nem a ida dos Ramones à Inglaterra (os Pistols e o Clash só viram o show porque os Ramones deixaram eles entrar pelos fundos, pela janela do camarim), no fim de semana do bicentenário da independência dos EUA, em 4 de julho de 1976 (percebe a ironia?), foi citado...



    Ou seja, o filme não é lá grande coisa como fonte de informação, não contextualiza os fatos, mostra uma visão mais do que suspeita sobre a cena musical da época. Os Pistols são as estrelas, e acabou. São comparados a estrelas picaretas, como os Bay City Rollers. Tiozinhos ridículos, preocupados com a "moral cristã e os bons costumes", são mostrados como antagonistas da banda, que se torna "cool" aos olhos de todos. Mesmo o empresário da banda, Malcolm McLaren (picareta, escroque mesmo), é espezinhado pelos integrantes sobreviventes (Sid Vicious aparece em imagens de arquivo, também feitas por Temple).



    Então esta é a versão oficial dos Pistols sobre sua carreira, é o "Anthology" dos caras. OK, podemos viver com isso, até porque a obra necessitava de concisão, mas a frase que mais me veio à mente durante o filme foi "Que mentirada!" (veja, os Pistols eram inteligentes, irônicos, tinham atitude e reconhecem que os "seguidores" dos punks estragaram tudo, quando se limitaram a imitar seus ídolos, a seguir apenas mais uma moda, em vez de criar algo novo).



    Eu teria aproveitado muito mais o filme se tivesse 12 anos novamente. Pelo menos eu vibraria com cenas sobre as quais havia apenas lido ou visto em fotografias, como o último show da banda, no início de 1978, ou Sid Vicious levando uma latada na fuça e sangrando durante um show nos EUA, após chamar a platéia de "cowboys viados". Trabalhar nesse meio me deixou muito escaldado quanto à fabricação de uma banda ou de uma cena musical, então atualmente minha paixão fica mais circunscrita à música, essencialmente. E vamos reconhecer: os Pistols eram bons, bons pra cacete. No future, no future for you!


    Nota: 7/10


    UM ADENDO: na saída do filme encontrei um amigo, que estava com uma galera, e acabamos indo ao Orbital, ver o show dos Pullovers (uma das guitarristas, a Marianne, saiu na minha primeira capa pro Folhateen, sobre bandas paulistas influenciadas pelo Sonic Youth, mas, no caso, ela estava como integrante dos Fishlips). Nunca havia ido lá, achei legal (todos sempre me disseram que o lugar era podre, mas está longe de ser podre demais para mim).



    Eu estava particularmente escroto nesta noite, talvez pela influência do sr. Rotten. Duas atitudes em especial foram extremamente grosseiras, mas vamos deixar pra lá. O que eu queria comentar mesmo é que a primeira banda, cujo nome desconheço e nem pretendo descobrir, não só mostrou o som menos original que já escutei na minha vida, como o vocalista não olhou para a platéia nem por um segundo! Cantava de olhos fechados ou tocava olhando para as cordas. Que ódio. Depois de xingar muito, dei as costas para o fulano. Péssimo. No future for you, bandinha de meia tigela, vocês não aprenderam nada com o titio Johnny, com o vovô Iggy ou o bisa Elvis.

    Quase Famosos


    Não é que o filme seja bom. É mais ou menos. É eficiente, competente, mas não é nada brilhante. Repleto de clichês norte-americanos, é um filme fácil, acessível no pior sentido da palavra. Só que, pra quem gosta de rock, como eu, o filme emociona, mexe mesmo.



    A história é a do Cameron Crowe, que dirige o filme (e também fez o "Jerry McGuire") e foi repórter da grande revista "Rolling Stone" quando era adolescente. Em uma entrevista, Ronnie James Dio me disse que conheceu Crowe quando ele tinha 16 anos e fazia uma matéria com o Deep Purple. Em seguida, ele iria para a estrada com o Led Zeppelin. Ou seja, a história do garoto que sai em turnê com uma banda para publicar uma matéria de capa na "Rolling Stone" é real.



    Personagens reais estão lá, desde parte do staff clássico da "Rolling Stone", como Jann Wenner e Ben Fong Torres, até o crítico musical Lester Bangs (interpretado muito bem pelo Philip Seymour Hofman, que filma com o P. T. Anderson, de "Boogie Nights" e "Magnolia"). Já a personagem da filha da Goldie Hawn (Kate Hudson, não é? Que é casada com o vocalista dos Black Crowes e foi indicada ao Oscar de coadjuvante, é isso?) é inspirada em Sable Starr, uma das maiores groupies dos anos 70, que, aos 14 anos, já tinha dado para o David Bowie, o Keith Richards, o Led Zeppelin, Aerosmith e Stooges inteiros e chegou a morar um tempão com o Johnny Thunders (dizem que hoje ela trabalha em um cassino, naquelas mesas de blackjack). E aquele ator que faz o líder da banda acompanhada pelo garoto também está legal, assim como a mãe do protagonista.



    Então o filme é isso: um garoto sai acompanhando a turnê de uma banda em ascensão, que será capa da "Rolling Stone". Os editores da revista não suspeitam que William Miller (o pequeno Crowe) é um adolescente, filho de uma mãe linha-dura, por meio do qual somos levados aos bastidores da viagem.



    Daí vêm humor (o cinema veio abaixo na cena da pane do avião, quando o batera faz uma desesperada revelação), romance (o moleque se apaixona pela groupie-doce-mas-chave-de-cadeia) e pura emoção rock (os shows, as festas etc.). Bom, bom, assim, assim. Mas é pra quem gosta de música, pra quem sabe quem foi Lester Bangs, pra quem sabe diferenciar a "Rolling Stone" do "New Musical Express" e o Roger Daltrey do Robert Plant. E, aqui entre nós, "Velvet Goldmine", que versa sobre a mesma época, é mil vezes melhor.



    Nota: 7,5/10 (se eu não fosse rocker, dava só 5,5)

    domingo, abril 14, 2002

    Gimme Shelter


    No auge da forma, em 1969 (poucos meses após a morte de Brian Jones, substituído pelo garoto Mick Taylor), os Rolling Stones viajam em turnê pelos EUA, turnê que vai render o álbum ao vivo "Get Yer Ya-Yah's Out!", de 1970. Fazem um show no Madison Square Garden (a produção é precária, comparada com a das turnês cada vez mais megalomaníacas de hoje _é impressionante como é fácil subir ao palco e agarrar o Mick Jagger, ridiculamente vestido de Tio Sam, com uma echarpe), dão uma série de respostas espertinhas em entrevistas coletivas (dão, vírgula, quem dá é o Mick Jagger, que é a estrela absoluta do filme, a quem as câmeras _uma delas operadas por um ainda desconhecido George Lucas_ não deixam de perseguir _Taylor e o baixista Bill Wyman simplesmente não abrem a boca), visitam estúdios e estações de rádio, e, especialmente, preparam-se para um show nos moldes de Woodstock, na Califórnia. É o prenúncio do fim da era hippie. All you need is death. Death is all you need.


    O filme, um projeto chapa-branca, financiado em grande parte pelos próprios Stones, acaba registrando o assassinato de um rapaz negro na platéia de um tumultuado show no autódromo Altamont, nos arredores de San Francisco, a meca do "flower power". A obra adota caráter sensacionalista e gira em torno deste fatídico acontecimento. Tudo com o aval dos Stones. Vai ser maquiavélico assim lá em Fernandópolis.


    O hippismo (nada a ver com cavalos ou ortografia etimológica) levou a facada fatal em Altamont, que é mostrado apenas no final do filme. Um dos diretores exibe a um aparentemente tristonho/maligno Jagger, em câmera lenta, na sala de edição, o momento em que um integrante dos Hell's Angels (nome apropriadíssimo), gangue de motoqueiros contratada para fazer a "segurança" do show "em troca de umas cervejas", enterra uma faca no garoto, que morre em uma maca, sendo pranteado pela namorada. É o ponto "alto" do filme. É aí que os Stones faturam.


    O filme é muito menos do que poderia ter sido. Se o rapaz não tivesse morrido (outras três mortes ocorreram no show, dizem, assim como quatro partos), quem sabe "Gimme Shelter" não teria sido uma excelente mostra dos Stones em sua melhor fase nos palcos (o vídeo do concerto gratuito no Hyde Park, em homenagem a Brian Jones, é exemplar neste sentido). Altamont foi considerado como um dos melhores shows da carreira dos Stones, apesar dos tumultos (que começaram desde a tarde, quando outros grupos, incluindo os heróis locais Jefferson Airplane, tiveram rusgas com a platéia _e, principalmente, com os Hell's Angels). Nós vemos alguma coisa? Não! O filme não mostra. Vemos gente pelada, drogadaça, se contorcendo ao som do rock'n'roll. Um retrato feio, sem glamour, que consiste no melhor do filme. Mas cadê a música? Ficou debaixo de uma poça de sangue. War, children, is just a shot away.


    Nota: 6,5/10

    O Exorcista (versão do diretor)


    Apesar de ser um clássico, um filme conhecidíssimo, manjado mesmo, desses que a gente lembra vagamente de ter visto quando criança (mas só um pedaço, porque quando um adulto nos pegava vendo aquilo, era cama na certa) e já conhece o final de trás para a frente, não deixou de ser interessante (re)ver, em pleno início do novo milênio, "O Exorcista".


    E não se trata exatamente de conferir o filme na tela (quando ele estreou, em 1973, eu nem havia nascido) ou de notar as sutis diferenças desta "versão do diretor" _mais uma jogada esperta de marketing para faturar uns "trocos" e exibir clássicos com público garantido nos cinemas, como já aconteceu com "Star Wars" e vai acontecer com "Apocalypse Now", entre outros.


    O interessante é constatar o quanto mudou o cinema de terror norte-americano, hoje novamente combalido, depois de mais um pequeno surto criativo (após ser revitalizado de modos distintos pela série "Pânico" e pelo primeiro "A Bruxa de Blair", o gênero novamente foi para o esgoto). "O Exorcista" antecede a onda de filmes iniciada por "Halloween" e seguida por "A Hora do Pesadelo" _do mesmo Wes Craven de "Pânico"_ e "Sexta-Feira 13", em que o elenco precisava ser reformulado a cada novo exemplar da extensa série, pois o "herói" não deixava sobrar ninguém no final dos sanguinolentos episódios (se algum personagem do filme fizesse sexo, a gente já sabia na hora que não ia demorar para ele ir pro saco).


    De cara, notamos que "O Exorcista" não é exatamente um filme, digamos, "pop". O início da obra se arrasta, sem falas. Não conhecemos os personagens, que são apresentados lentamente e de forma até discreta _a introdução dos personagens no cinemão americano costuma ser mais repleta de clichês do que as novelas do Manoel Carlos.


    O roteiro foge do esquema "whodunit" de "Pânico", por exemplo, e aproxima-se do suspense hitchcokiano: sabemos que o mal está lá, instalado no corpo da pequena Linda Blair ("Blair"? Este nome não me é estranho...), e avança lentamente, até chegar a um clímax bastante ensaiado, mas, mesmo assim, impactante.


    Sustos, há poucos (um deles foi colocado nesta nova versão: a imagem chocante da menina descendo as escadas com o corpo retorcido, como uma aranha ao contrário, despejando sangue pela boca com um som odioso). As mortes não são mostradas de modo explícito, nada de tripas, nada de "gore", nada de "O Massacre da Serra Elétrica" _estou resistindo à tentação de colocar os nomes desses filmes todos no original em inglês em um esforço didático, maldita muleta jornalística.


    O terror em "O Exorcista" é extraído da simpatia e da compaixão que são impingidas aos espectadores pelo sofrimento de uma mãe, com a qual, de uma maneira ou de outra, todos (ou pelo menos quem já foi filho ou pai... ou seja, todos mesmo) se identificam (se bem que o capeta do filme demonstra ter senso de humor, e, dizem, o diabo é o pai do rock). É como se o demônio fosse uma doença, e acompanhamos o sofrido esforço de uma mãe (e dos que a cercam) para ver sua filha curada.


    Não é à toa que o momento mais doloroso do filme, o que causa mais desconforto, é quando a personagem de Blair é submetida a exames em um hospital, em meio a máquinas antigas, monstruosas engenhocas mecânicas que lembram instrumentos de tortura medieval. A cena em que uma agulha penetra em seu pescoço e faz o sangue da menina jorrar é muito mais terrível do que o diabão levitando ou vomitando um litro de sopa de ervilha na batina do padre. E a cena em que a menina mija no tapete da sala durante uma festa choca (a mim, pelo menos) bem mais do que a antológica "let Jesus fuck you".


    Ah, um detalhe interessante: a Igreja aprovou "O Exorcista". Não deixa de ter uma lógica perversa em tudo isso. Mas deixemos as questões morais/religiosas/dogmáticas de lado por um instante e reconheçamos especialmente a competência narrativa desta obra. Afinal, em arte, é mais ou menos isso o que interessa, baby. Ah, e don't let Jesus fuck you.


    Nota: 8,5/10

    Na platéia