A Espinha do Diabo
Saí de casa meio na pressa, estava ouvindo o disco dos Strokes (estranhei as versões finais das músicas, estava acostumado com os MP3s que havia baixado há meses), até deixei de levar o meu filme com fotos ainda do ano passado para revelar, só para chegar cedo. E, quinze minutos antes do início do filme, lá estava eu, com o ingresso na mão. Milagre.
Quando vou entrar, o cara da bilheteria me diz que a sala ainda não está liberada e que eu terei de esperar uns dez minutos. Que raiva. Dez minutos de minha vida perdidos. Dava pra ter deixado o filme pra revelar. Em dez minutos dá para mudar o mundo. Porra.
Fui dar uma volta pela praça de alimentação do shopping Pátio Higienópolis (não morro de amores pelo Cinemark, mas as poltronas de lá são as melhores que eu conheço), e acabei sentando numa mesa com uma tela de computador (pra que, não sei _a tela, digo). E, para me distrair, comecei a passar a limpo os telefones da agenda eletrônica do meu relógio de pulso que, por não ter mais pulseiras, eu uso no bolso (na verdade eu já o usava no bolso mesmo quando ele ainda tinha pulseiras, é mais confortável e mais seguro _depois que fui roubado por dois caras no Guarujá... E o que mais me doeu foi justamente a perda dos numeros de telefone). E me surpreendi ao constatar que, de todas as pessoas listadas ali, apenas uma continua em contato comigo (ah, tinha também o número do meu apartamento, porque eu demorei meses para decorá-lo).
Então, impressionante como as pessoas vêm e vão. Ex-namoradas (ver o nome de uma delas me doeu muito, para depois eu perceber que na verdade não doía mais, o tempo cura mesmo, com ele podemos sempre contar, apesar de tudo), amigos que se perderam, números que não dizem mais nada, todos guardados na memória do relógio, mas que haviam sumido da minha própria lembrança em poucas dezenas de meses. Triste, isso. Ou não?
Enfim, depois dessa melancolia toda (ô bichice do caralho, ando mole, mole), fui ver "A Espinha do Diabo", de Guillermo del Toro, produção do Pedro Almodóvar. É sempre bom ver um filme falado em outra língua que não o inglês. Sim, eu já disse isso antes.
Mas parece que não tem tanta gente assim interessada em filmes off-Hollywood como eu. Entro na sala (com os trailers rolando, argh, de que adiantou eu chegar cedo?) e só há uma alma lá dentro. Depois outras pessoas foram entrando, totalizamos sete. Ou seja, o Cinemark faturou, no máximo, R$ 56 naquela sessão (não sei se alguém pagou meia. E, não, não me preocupo assim com dinheiro, não). Mas o shopping estava muito vazio mesmo, nesta tarde de terça-feira, 16 de outubro de 2001.
Ei, passou do tempo de falar do filme. Apesar de "A Espinha do Diabo" (não, não é um filme sobre um tétrico caso de acne) não ser um filme "made in Hollywood", tem todo o tipão de filme hollywoodiano. O trailer já havia me dado essa impressão. E o início do filme, antes do final dos créditos, lembra mesmo um trailer. Bem produzido, até, mas nada brilhante.
A história se passa em um orfanato no interior da Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola, nos anos 30. O menino Carlos é deixado no lugar, que, ele não demorará a descobrir, é assombrado por um... fantasma.
Então trata-se de um filme de terror? Bem, até que não, o que é muito bom. Há, claro, alguns clichês do gênero, como uns sustinhos (óbvios demais para realmente assutar) que a aparição da alma penada tenta provocar.
Olha, nem acho que a presença do sobrenatural seja um pressuposto de falta de qualidade de uma obra, fugir da verossimilhança pode ser interessante. Mas a implausibilidade deve ser trabalhada sempre com extremo cuidado, para evitar uma indesejável inconseqüência (de novo, nada contra a inconseqüência, desde que ela seja proposital, especialmente para efeito cômico). OK?
Some-se ao filme alguns estereótipos da macheza espanhola, umas bizarrices aqui e ali (entretanto alguns detalhes, como a presença da bomba, o rádio, o gramofone, até que funcionam bem) e temos um filme estiloso, mas que não denota a personalidade de um Almodóvar, por exemplo. Parece que o diretor precisa se libertar um pouco mais da mera influência do cinemão norte-americano...
Mas o filme não é de todo mal, na verdade foi melhor do que eu esperava. Os garotos atuam bem (o Coruja realmente tem cara de coruja!), os efeitos visuais estão muito bem feitos, a sonorização está muito boa, enfim, mais do que passável. Pena que não tinha mais gente assistindo...
Ah, e como tem mulher gostosa no mundo. Nada a ver com o filme, só deu vontade de falar isso.
Nota: 6,5/10