***POST EXTRAORDINÁRIO***
Em decorrência da morte de Dee Dee Ramone, reproduzo abaixo as íntegras inéditas das duas entrevistas que tive a honra de fazer com o homem. A primeira foi publicada na Ilustrada em setembro de 2000, quando o ex-baixista dos Ramones estava lançando o disco "Greatest & Latest"; a segunda (transcrevi apenas as respostas) foi cerca de um mês depois, para a minha primeira matéria de capa no Folhateen, sobre a vinda do Sonic Youth ao Free Jazz Festival _Dee Dee falou sobre a cena roqueira de Nova York no início dos anos 80, quando o grupo de Thurston Moore surgiu.
Entrevista 1:
Por que regravar alguns clássicos dos Ramones?
Eu queria mostrar que também podia tocar sozinho as canções dos Ramones. Queria tocar o material que eu lancei com os Ramones por muito tempo. Quando tive a idéia, ia gravar apenas as músicas que eu compus e cantava na banda, mas depois decidi tocar as minhas favoritas, como “Sheena Is a Punk Rocker”, que foi feita pelo Joey.
Como foi revisitar essas canções após tanto tempo, cantando algumas delas pela primeira vez?
Para mim é muito natural. Eu não espero que minha versão para “Rockaway Beach” vá tocar na MTV e ser um sucesso, só estou querendo me divertir. Foi divertido, o estúdio era perto da minha casa, o produtor, Chris Spedding, é um cara engraçado, foi bom fazer esse disco. Ele já saiu no Japão, vai sair na Europa e na América do Sul. Espero ir para o Brasil em fevereiro, quero muito ir (os shows chegaram a ser anunciados, mas ele acabou não vindo). Talvez eu venha para São Paulo, tocar para públicos pequenos. Mas eu gostaria de tocar no Rock in Rio, se me chamassem. Ou de ver os shows do backstage, pelo menos.
O Marky Ramone está fazendo turnê por aqui com os Intruders.
Esse show deve ser bem legal.
Quem está tocando com você nessa banda?
Um baterista amigo meu e minha mulher, Barbara, que é argentina e toca baixo. Eu toco guitarra e canto. Tocamos juntos há cinco anos. Agora um guitarrista canadense, Jimmy Vapid, está entrando na banda.
Há convidados especiais no álbum?
Chris Spedding toca guitarra em “Shaking All Over” e “Sidewalk Surfin’”. Ele produziu os Sex Pistols e é um guitarrista famoso. Ele é britânico, tocou com Roxy Music, Sharks, Robert Gordon, é compositor. Mas a melhor coisa que ele fez foi produzir os Sex Pistols.
Você já viu o documentário “The Filth and the Fury”, que conta a história dos Sex Pistols?
Não, ainda não vi. Hoje eu fui ver um filme antigo, “Jubilees”, com Adam Ant. Não achei muito bom, mas mostra alguns punks na Inglaterra em 77, pelo menos. Eu acho que Vivianne Westwood aparece. Wayne County e Sham 69 participam também.
Você se lembra dos shows que os Ramones fizeram na Inglaterra, em julho de 1976?
Sim!
Essa turnê, hoje, é considerada legendária...
Foi maravilhosa. Em Nova York era legal, mas parecia que a onda punk acontecia apenas em uma vizinhança, no Lower East Side e no Village. Em Londres, para todos os lados que você olhava existia o punk rock. Todo mundo estava apoiando o estilo, era muito bom. Havia tantas bandas boas, na época. Foi um período bastante divertido, que nunca acontecerá novamente.
Eu estive em Londres há alguns meses, e a cidade não é mais a mesma. Continua legal, mas não é mais a cidade do rock’n’roll. Desta vez eu só vi roqueiros em shows e nos arredores desses clubes, mas, antigamente, eles estavam em toda a parte.
Parece que os punks britânicos nasceram para o estrelato, enquanto os norte-americanos ficaram no underground por muito tempo... Só nos anos 90 bandas como Green Day, Offspring e Blink 182 ficaram milionárias tocando punk rock.
Se eu tivesse 14 anos hoje, eu gostaria dessas bandas. O Offspring toca bem e tal... Mas não tem muito a ver comigo. Eu acho que é punk rock. O importante é que os garotos estão se divertindo, o resto não interessa.
Eu não gosto do baterista do Blink... Como é o nome, Blink 77?
Blink 182.
O guitarrista é engraçado, mas ele usa a mesma guitarra que o cara do Greenday usa (risos)!
É verdade que existia uma competição entre os punks de Nova York e os de Londres, nos anos 70? Os Sex Pistols gravaram uma música chamada “New York”, na qual eles zombam da cena da cidade...
Eles ainda não haviam estado em Nova York, quando fizeram essa música. O que aconteceu foi que Johnny Thunders (ex-guitarrista do New York Dolls e líder dos Heartbreakers, com quem Dee Dee compôs "Chinese Rocks") havia se mudado para Londres com Leee Childers (empresário). E, pouco depois, ele escreveu a música “Little London Boys”, aí os Sex Pistols resolveram responder a provocação com outra canção. Eles não se davam bem, porque Johnny roubou uma guitarra deles para comprar drogas, você sabe como eles eram.
Naquela época, em Londres, era moda caçoar da América, então eles se aproveitaram. Mas talvez eles estivessem certos. Eu vivia em um mundo artístico muito pequeno, mas existiam muitas bandas boas em Nova York, como Television, que era muito boa, Blondie, Talking Heads... Em Londres, o punk era mais popular, mas era bom, eu gostava de Generation X, X-Ray Specs... Eles vestiam roupas mais legais que a gente.
Então aqueles jeans rasgados que vocês vestiam não eram moda? As jaquetas de couro, os óculos escuros... Vocês criaram uma espécie de uniforme dos Ramones, quase uma fantasia. Não foi planejado?
Não, aquela era a vestimenta normal dos americanos, na época.
Mas e os jeans rasgados no joelho?
Ah, sim, isso foi o nosso grito da moda (risos)!
Você é um personagem símbolo de Nova York. Por que se mudou para Los Angeles?
Estou em Los Angeles há apenas um ano. Gosto mais daqui. Eu não queria sair de Nova York, mas não conseguia aguentar mais a cidade.
Por quê?
Os estudantes de faculdades ricas, como a NYU, tomaram todos os apartamentos mais baratos, e os aluguéis dispararam. Um apartamento de um quarto custa US$ 2.000 por mês! Todas as casas noturnas agora são mais conservadoras, obrigam você a usar terno e gravata, é inacreditável. A polícia é horrível, o povo é mal-educado, piora a cada dia. Los Angeles é legal, é uma cidade mais rock’n’roll. Estou feliz por estar na Califórnia.
Voltando ao disco, o que você pode me dizer das novas canções?
“Motorbikin’” foi escrita por Chris Spedding, então eu quis que ele a cantasse. “Shaking All Over”, eu a ouvi no disco de Chris Spedding, depois ouvi a versão de Iggy Pop e pensei em desistir, mas acabei gravando. “Cathy’s Clown”, sempre quis tocar essa música, acho que Ricky Nelson cantava. “Sidewalk Surfin’” ia ser trilha de um filme, que acabou não sendo feito.
Quantas dessas canções dos Ramones são suas?
Não lembro, mas não são todas.
Você e Joey eram os principais compositores nos Ramones, não eram?
Eu era.
Você se lembra de sua vinda ao Brasil com os Ramones?
Eu vim uma vez, estive apenas em São Paulo. Eu gostei, me diverti bastante. Todos me diziam que a cidade era perigosa, mas não tive nenhum problema. Eu adorei, o show foi divertido. Como sou de Nova York, gosto de cidades grandes. Adoro a Cidade do México, porque me lembra muito Nova York.
Quando você saiu dos Ramones, você quis se tornar um rapper...
Não, eu desisti logo dessa idéia. Eu tentei fazer um disco de rap, mas não queria me apresentar ao vivo. Eu não sou bom o suficiente para ser um rapper de verdade, mas eu gostaria de ter sido. Eu queria poder fazer um show como o do Kid Rock, com um anão no palco e tudo (risos).
Adoro rap, quando ele surgiu foi ótimo, mas agora eu gostaria de fazer rock’n’roll mais tradicional. Na idade em que eu estou, não se pode esperar que eu esteja no auge da criatividade. Sou apenas um rock star aposentado, Vou apenas tocar minhas velhas canções, já dei o meu recado.
Entretanto eu escrevi dois livros recentemente e estou ficando um tanto exausto de tudo isso. Talvez eu faça um outro disco, mas não estou preocupado, quero apenas fazer meus shows.
Esses livros já saíram?
Um deles está para ser lançado nos EUA neste ano, se chama “Helter Skelter”, só havia saído na Europa. Por causa do lançamento deste livro, o outro vai demorar uns meses para sair, o que me deixa desapontado, porque quero que esse segundo livro saia logo.
Sobre o que eles são?
O primeiro é uma autobiografia, o outro é uma novela de terror. Eu coloquei Sid Vicious voltando à vida no livro. Também tem o Johnny Thunders, é bem legal.
Por que você saiu dos Ramones, em 1989?
Muita briga. Ninguém era amigável comigo, eu não me dava bem com eles, uma pena. Eles eram grosseiros comigo.
Por que isso aconteceu?
Porque a gente brigava por causa de tudo. Depois de um tempo, eu percebi que não poderia brigar todos os dias e trabalhar com uma banda, oferecendo minhas canções... Acho que foi uma disputa pelo poder, Joey e Johnny queriam poder.
Johnny chamou Joey de “hippie liberal” em uma entrevista à Folha no ano passado...
Eu não aguento mais ouvir ele falar essas coisas, ele deveria ficar calado. É embaraçoso e decepcionante conviver com alguém que diz essas coisas. É por isso que eu nunca quis tocar com G. G. Allin, porque ele dizia coisas horríveis sobre os judeus... E eles não estavam brincando! Por que ser tão político? É uma faceta natural do ser humano, mas eu acho que os Ramones foram, provavelmente, a banda menos social e política da história, junto com Jerry Lee Lewis. Mas fico desapontado com Johnny. Às vezes eu tento não acreditar que ele seja um racista, um radical de direita... não sei o que ele é.
Você acha que os Ramones fizeram bem em acabar, em 96?
Sim. Não sei como a banda conseguiu ficar junta por tanto tempo. Éramos durões.
O que você achou dos últimos discos da banda, lançados depois que você deixou o grupo?
Eu adorei algumas músicas que eles fizeram, como “I Don’t Wanna Grow Up”. Nem sei quem a compôs...
Foi Tom Waits.
Ah... Algumas coisas eram boas. Se eu estivesse na banda, seriam melhores.
Mas você continuou contribuindo como compositor...
Sim.
Algumas músicas lançadas depois que você saiu eram suas, como “Strenght to Endure”...
“Poison Heart”, que Joey cantou pessimamente, também é minha. Ele arruinou essa música.
Algumas das músicas mais conhecidas no Brasil, como “Pet Cemetery” e a citada “Poison Heart”, são suas.
Foi por isso que eu deixei a banda. A banda inteira tinha a minha identidade, nas composições. Nós éramos uma banda muito boa, nós deveríamos ficar juntos, mas, quando eu saí, parece que eles não iriam para a frente, então eu tentei ajudá-los a ser uma banda, mas eles não me deram valor e disseram coisas terríveis a meu respeito.
Quais cidades são legais para tocar no Brasil? Quero ir no meio de fevereiro. (em português) Tchau!
Entrevista 2:
No início dos 80, em Nova York, havia uma maior audiência para o punk rock. As pessoas não sabiam como aproveitá-la, então aconteceu o seguinte: a indústria musical se voltou para a new wave. Mais pessoas começaram a ir escutar música em discotecas, em vez de ir ver bandas ao vivo nos clubes.
O punk rock era ouvido apenas nos clubes pequenos. As pessoas escutavam Billy Idol, essas coisas. A única estação de rádio que tocava músicas dos Ramones e do Clash teve que começar a tocar grupos como Duran Duran, A Flock of Seagulls, Siouxie and the Banshees, the B-52’s, o próprio Clash, que começou a soar mais “funky” e essas coisas, para atingir maiores audiências... Acho que foi aí que começou a era “new romantic”, com bandas como Adam & the Ants, que não pegou muito bem nos EUA, e Bow Wow Wow, Malcolm McLaren...
Também começou a se formar a cena de hardcore em Nova York, que tinha muitas bandas boas, que se esforçavam por se tornar grandes. Pantera, No Texas, Lee Way, os Cro-Mags, Bad Brains, os originais, que tocavam reggae e hardcore, eles chegavam a tocar para platéias de 900 pessoas, todos carecas e gordos, nervosos, porém felizes. Só tinha homens na platéia, e umas 12 garotas punk, bem feiosas. Era legal, eu gostava muito do Lee Way, tinha o Murphy’s Law, essas bandas de hardcore.
Em Nova York, havia muitos clubes pequenos, danceterias, e eu acho que muito disso aconteceu na época “Summit All Up”, em que as modelos de moda começaram a freqüentar clubes punk e consumir heroína (risos). Eu não sei o que havia de errado com essa gente, não era minha culpa. Quando eu fui para São Paulo, no fim dos anos 80, não era assim.
Eu gosto muito das bandas "no wave", The Breeders... Eu gosto muito do Sonic Youth, de verdade. Eu gostava de Mudhoney, White Zombie, o primeiro disco, e todas as bandas de hardcore, especialmente The Mob e Young and the Useless. Esta era formada pelos Beastie Boys, quando eles tinham 14 anos e eram punks, tinham penteado moicano e tudo. Eu fui a shows deles, os Ramones tocaram com eles uma vez, no Brooklin, e todo mundo reclamava, não entendendo porque tocávamos juntos. Aí eles se tornaram os Beastie Boys, e tocávamos num clube chamado The World. Depois, eles se tornariam famosos, fazendo rap. Quanto eu ouvi eles tocando “Fight for Your Right to Party”, uns dois anos depois, eles já eram uma grande banda. Mas nada aconteceu para os Ramones. Joan Jett teve um grande hit, “I Love Rock’n’Roll”, que foi número 1 nas paradas, mas os Ramones nunca tiveram um grande hit nos EUA. Eu não ligo.
Você tinha que chutar a bunda de todo mundo para estar no rádio ou nas TVs. Eu estava ficando louco, odiando a sociedade, a indústria musical, os Ramones e todo mundo... Agora eu sei que nada acontece por mágica. Você tem que ser razoável e ceder em alguns pontos, mas eu não queria tocar canções como “Howling at the Moon” e “Bonzo Goes to Bitburg”, porque o empresário e a gravadora nos obrigavam a ser mais pop. Foi difícil para nós, pois éramos grandes na Europa, mas, quando voltávamos para os EUA, tínhamos de tocar clubes pequenos, viajando em uma van... O que era popular eram bandas cujas músicas tocavam nas discotecas, música para dançar.
Eu ia para o CBGB’s, onde havia shows de hardcore durante as tardes de sábado. Eu ficava em uma torre que havia lá, porque a slam dance era muito forte, só caras, os carecas, era difícil... Johnny Ramone tinha medo de ir lá, tinha medo de apanhar... Eu não, eu ia lá, todos ficavam felizes em me ver.
Eu detestava o CBGB’s, mas os shows de hardcore dos sábados à tarde eram muito bons. O Ritz era um outro clube muito legal. Muitas bandas boas tocaram lá, os Ramones tocaram lá umas sete vezes, em dez anos.
Hoje, eu gosto de Hellacopters e Backyard Babies, além da minha banda.
Você viu o show do Marky Ramone? Ele não gosta de mim, eu ouvi dizer. Eles foram horríveis?
Provavelmente vendiam-se álbuns dos Rolling Stones, na época... Tipo “Miss You”, lá por 1979... Em Nova York, em 1981, o rock estava ficando meio velho. Nada podia competir com as bandas originais, como os Ramones, o Talking Heads, Blondie, The Heartbreakers... A única pessoa que continuava a fazer boa música naquela época era o Iggy Pop, com discos como “The Idiot” e “Lust for Life”. Ele conseguiu fazer a coisa funcionar, mesmo usando sintetizadores, sem ter uma banda fixa ou bons músicos para o acompanhar.
Todo mundo estava escutando os Bauhaus, uma coisa que eu nunca escutaria. Eu os vi há uns três anos, em Los Angeles, quando eles se reuniram, todos cinqüentões.
Mas, provavelmente, a melhor coisa que eu vi em 1981 foi a Blizzard of Ozz, a banda de Ozzy Osbourne, com o Mötörhead, tocando juntos no Palladium. Foi maravilhoso, como o sétimo céu, vi as duas bandas, o show inteiro.
Foi a época em que a Adidas virou moda. As pessoas usavam calças marrons com aquelas três listras, uns tênis sem cadarços... Me lembro uma vez, eu estava no metrô, e uns garotos negros estavam usando velhos tênis de jogar basquete sem os cadarços, coisa que eu não entendo até hoje. Como alguém consegue andar com tênis sem cadarços? Até hoje, nunca entendi porque eles faziam isso.
As pessoas liam "Playboy", "Hustler" e "Penthouse", as três revistas clássicas dos EUA. Também fazia sucesso a “Heavy Metal”, aquela revista de histórias em quadrinhos. Elas custavam U$ 1,50 e eram muito diferentes das de hoje. Ela ainda é boa, mas as coisas não são tão boas como antigamente. Não estou reclamando, é um milagre que o mundo ainda exista.
Como vocês estão, aí no Brasil? Tragam-me muita maconha quando eu for aí, eu preciso disso para a vida não ser um saco.
Eu amo Marky, Johnny, Joey, CJ, adoraria dar um beijo neles. Pedi a CJ que tocasse comigo cinco vezes, e ele negou. Ouvi dizer que vai haver uma reunião dos Ramones na Argentina, no ano que vem. Espero que sim.