A gruta é mais extensa do que a gruta

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    segunda-feira, junho 24, 2002

    Quanto Mais Quente Melhor

    Ia assistir a este filme em companhia da Teca, mas ela resolveu tomar um chá de sumiço... Felizmente a amiga líbano-japonesa Simone, a quem conheci por meio deste site, me convidou para vê-lo, e lá fomos nós conferir este clááássico de Billy Wilder, um dos maiores cineastas do século XX, no Cinesesc, uma das salas mais charmosas (com ingresso barato e sem fila) de São P. Dentro da sala repleta de velhinhas saracoteantes tocava música árabe instrumental... Algo a ver com “O Clone”?

    Aww, direto ao ponto: “Some Like It Hot” (1959) já foi considerado a melhor comédia da história do cinema (afirmação altamente discutível, pô; e Chaplin, Jerry Lewis, os Irmãos Marx, Jacques Tati, Buster Keaton, Cantinflas, Oscarito _por que não?_ e muitos outros gênios do gênero?), mas, na minha desimportante opinião, não é sequer o melhor Wilder (“The Front Page”, de 74, com a dupla Jack Lemmon e Walter Matthau, além de Susan Sarandon, é mais engraçado e pertinente, só para dar um exemplo); mas é, sim, o melhor momento de Marilyn Monroe no cinema.

    E este “melhor momento” não se deve exatamente a seus dotes dramáticos; Marilyn foi, antes de tudo, uma pin-up, bombshell, sex symbol, chame como quiser. Muito do seu brilho reside justamente em seu parco talento para a interpretação: a aura de “bonita e burra”, a aparentemente improvável mistura de ingenuidade e malícia aliada, claro, à sua beleza física, continua a fascinar os espectadores até os dias de hoje. Marilyn era especial: combinava sensualidade e vulnerabilidade, o que a tornava mais acessível do que, por exemplo, as personagens de Greta Garbo ou a Gilda de Rita Hayworth, muito mais poderosas e inalcançáveis...

    E tratando do quesito beleza física, não podemos nos esquecer dos padrões da época. Tenho certeza de que, hoje, Marilyn seria considerada, especialmente pelas mulheres, gorrrda. O que seria uma pena, porque ela está simples e gostosamente deslumbrante, especialmente quando canta “I Wanna Be Loved by You” e “I’m Through with Love” com aquele jeitinho de Betty Boop dos fifties...

    Quem também está em um momento luminoso é Jack Lemmon. Um gênio. Só a expressão facial deste cara nas cenas em que toca o contrabaixo e na clássica seqüência em que, travestido, dança tango com o milionário apaixonado (cuja face também é engraçadíssima), valem o filme e garantem seu lugar na antologia da sétima arte.

    E é preciso fazer justiça também a Tony Curtis. Galã, sim, mas com ironia e talento em doses muito maiores do que as usuais _ele brilharia novamente ao lado de Jack Lemmon no fantástico “The Great Race” (1965), um dos melhores filmes do Blake Edwards, que, de bônus, traz a bela Natalie Wood...

    O enredo de “Quanto Mais Quente Melhor” é simples: um contrabaixista e um saxofonista (Lemmon e Curtis) testemunham um assassinato em Chicago; para fugir, disfarçam-se de mulher e entram para uma orquestra feminina, que está a caminho de Miami para uma temporada em um hotel; lá, um milionário se apaixona pela personagem de Lemmon, enquanto Curtis ainda encontra tempo para fingir ser proprietário de uma companhia petrolífera com o intuito de conquistar Marilyn, que toca ukelele na tal orquestra. Mais fácil de entender do que “Cidade dos Sonhos”, certo? Então não perca esta beleza, muito bem filmada, apesar das maiores limitações técnicas que a época impunha.

    Nota: 9,5/10

    quarta-feira, junho 19, 2002

    Cecil Bem Demente


    3 de junho, 2002 d.C. Acordei às 5h50 para assistir à estréia do Brasil na Copa Coréia-Japão (é a primeira vez na vida que sonho em fazer algo do tipo. O fato de agora eu assistir aos jogos da seleção na Copa é uma prova de que não sou mais adolescente). Jogo muito menos emocionante que a estréia do time nacional na Copa da França, em 98...

    E, pouco mais de meia hora após o final da partida (Brasil virou 2 x 1 em cima da Turquia com um pênalti que não existiu _“Só faltou o Rivaldo cobrar com a mão! Roubado é mais gostoso!”, disse o Pedro BBBial), emendei este “Cecil Bem Demente”, que passava no Telecine Premium.

    “Cecil B. Demented” é um filme de John Waters, um dos papas do cinema B norte-americano _foi ele quem eternizou o travesti gordo Divine, que chegou a comer merda (literalmente) em "Pink Flamingos", uma de suas produções. Lembro que, quando eu trabalhava fixo na Ilustrada, o Waters veio para uma mostra no Rio, e o Lúcio foi entrevistá-lo... A foto do cara era bizarra...

    E isso pode parecer estranho, mas “Cecil Bem Demente” é um filme para cinéfilos _de preferência, cinéfilos irreverentes. Sim, porque boa parte dos cinéfilos (não os que freqüentam este humilde site, é claro) são uns cretinos arrogantes e superficiais, sem muita noção da realidade, como o amigo de uma amiga que tachou “Quanto Mais Quente Melhor”, do Billy Wilder, de “filme de ‘Sessão da Tarde’”... Sério, vocês acham que um pascácio desses algum dia vai fazer um filme que preste?

    Voltando ao filme de Waters: o personagem-título é uma espécie de diretor-terrorista. Ele e sua equipe seqüestram uma estrela de Hollywood (interpretada por Melanie Griffith) e a obrigam a atuar em sua obra, que ataca o cinema “mainstream”. As críticas atingem a todos: família, censura, estúdios, políticos, entidades assistenciais, imprensa, exibidores etc. Tudo no estilo mais despachado, típico dos filmes B _a trilha sonora, inclusive, é usada como parte da narração, e aqui a escolha do rap é óbvia.

    Então o que parece, a princípio, apenas mais uma aventura amalucada e “trash” se mostra como uma grande alegoria exagerada e contundente. Os integrantes da equipe (há o viciado em drogas, a satanista, a ex-atriz pornô, o gay, o “filhinho da mamãe”...) de Cecil têm nomes de cineastas como Samuel Fuller, Pedro Almodóvar e Otto Preminger tatuados _vocês sabem que o título do filme faz referência ao Cecil B. de Mille, que dirigiu superproduções de gosto um tanto duvidoso, como “Sansão e Dalila” e “O Maior Espetáculo da Terra”_ e se convertem ao “celibato pelo celulóide”, ou seja, direcionam suas energias sexuais para o ato da filmagem do manifesto de Demente (na primeira cena com Honey Whitlock, a personagem de Griffith, há um protesto pelo fato de o festival dedicado a Pasolini estar às moscas, por exemplo)...

    Tudo gira em torno do cinema: Demente e sua trupe atacam (e filmam em) uma sala de cinema, onde está passando a “versão do diretor” de “Patch Adams” (OK, ria agora), em um almoço com executivos de estúdio e políticos e, na seqüência final, em um drive-in _lembra “Targets”, a estréia do Peter Bogdanovich na direção, que comentamos em um dos posts de maio.

    Mas se eu falar de todas as referências irônicas que Waters (que, apesar de norte-americano, teve de apelar para uma empresa francesa para produzir este filme) colocou em “Cecil Bem Demente”, esse texto não acaba mais. Só queria dizer que ele (e outras obras de Waters) merece atenção, mesmo sendo um típico representante do cinema B, pois é uma prova de que muita coisa do cinema dito “trash” é melhor do que o cinema “mainstream” _caso dos filmes do nosso Zé do Caixão, por exemplo...

    Ah, e mais uma coisinha: no filme, até as pessoas que compram o ingresso em cima da hora, entram com atraso na sala e falam alto durante a sessão são criticadas... Uma pequena lição de moral e de etiqueta vinda de um dos mestres da escatologia, do bizarro e do politicamente incorreto. Irônico, não?

    Nota: 8/10

    sexta-feira, junho 14, 2002

    Italiano para Principiantes

    Só de ler o nome deste filme já me dá vontade de vomitar bile com suco de beterraba. Nunca em toda a minha cada vez menos curta existência eu sonhei que assistiria a um filme cujo nome não diz absolutamente nada _a não ser avisar de que se trata de uma obra chinfrim.

    E por que fui assistir a este traque? Porque era o meu primeiro encontro com a Vanessa (que, de tão emocionada ao me ver em carne, osso e cabelo horrível, esqueceu a chave do carro na porta do mesmo e quase morreu de desespero ao perceber o lapso. OK, eu vivo fazendo isso também...), e não havia mais absolutamente nada no Arteplex da Frei Caneca que eu já não tivesse visto.

    A obra com o título horroroso em questão é o 12º filme do Dogma, aquele “movimento” dinamarquês que acha que descobriu a América. Os preceitos do Dogma são tão óbvios para quem faz cinema fora da máquina dos grandes estúdios (ou seja, sem quase nenhum puto)...

    Mas até que entendo quem gostou do filme. Aquele universo melancólico da península dinamarquesa, aquelas personagens tristes, solitárias e patéticas, aquela classe média-baixa com seus dramas do cotidiano... Tá cheio de gente que acha bonito gostar dessas coisas, mas não me apetecem. Especialmente quando falta talento.

    O grande problema do filme é que a história é fraca. Mas um grande filme pode ser feito a partir de um enredo pobre, e vice-versa. Só que, aqui, a maneira de contar a história também é absolutamente desinteressante.

    Vários personagens de uma cidadezinha qualquer, lá onde o Judas perdeu a prótese peniana, acabam se cruzando em um curso de italiano da prefeitura. Um pastor, um ex-cozinheiro, uma cabeleireira, uma balconista, um recepcionista de hotel, blablablá. E aí... ah, não. Você já sabe o que acontece a seguir, vai. Então não perca mais tempo. Vá ver o Homem-Aranha.

    Nota: 4,5/10

    terça-feira, junho 11, 2002

    Promessas de um Novo Mundo

    Este documentário ficou em cartaz em São Paulo por um longo tempo, e, felizmente, tive a oportunidade de assisti-lo na companhia da minha querida amiga Ana, que tem o saudável hábito de salvar meus domingos do tédio com convites para cinema, teatro, restaurantes etc.

    Sugeri que fôssemos vê-lo por pura falta de opção _infelizmente passou no Belas Bostas, cujas salas são um lixo, mas a programação geralmente é de primeira. Por mais que eu ache o lugar um pulgueiro, dou graças aos céus por ele existir (e por ser perto de casa)...

    Com um sacão enorme de pipoca, salgada pra caralho (não costumo comer enquanto vejo filmes, me distraio, mas minha acompanhante, belíssima, toda de preto, me fez comprá-lo), entramos em contato com a vida de sete crianças judaicas e palestinas, que vivem nos arredores de Jerusalém _crescemos ouvindo falar da disputa entre palestinos e israelenses, uma situação complicadíssima, que parece não ter um fim próximo...

    Documentários com crianças em situações de guerra não são exatamente incomuns, mas não deixa de ser interessante ver como os bastante jovens percebem uma realidade tão complicada.

    Mesmo vivendo em uma cultura tão diferente da nossa, os meninos e meninas do Oriente Médio têm uma vida com muitos pontos em comum _o mundo está realmente globalizado, para quem vive na classe média. Eles vão à escola e praticam esportes (um deles declara torcer pelo Brasil na Copa), jogam videogame, bebem Coca-Cola...

    Mas o cotidiano deles não consegue escapar de ser atribulado, por causa do conflito entre seus povos. Vemos os gêmeos judeus Yarko e Daniel dizerem que, sempre que sobem no ônibus para ir à escola, ficam olhando para todos os passageiros, tentando identificar um homem-bomba e morrendo de medo. Vemos a revolta do jovem palestino Faraj, que visita com a avó os escombros da antiga vila onde sua família vivia. Ouvimos o pequeno Mahmoud dizer que apóia o Hamas e o Hezbollah, proferindo absurdos como “todos os judeus são traiçoeiros e devem morrer”...

    Um dos diretores, judeu criado em Jerusalém, propõe um encontro com as crianças que, depois de muita relutância, acabam aceitando. Mas não vou dizer o que acontece. Só vou dizer que este filme é altamente recomendável, mesmo para quem não é um grande fã de documentários. E tchau.

    Nota: 9/10

    quinta-feira, junho 06, 2002

    ***POST EXTRAORDINÁRIO***

    Em decorrência da morte de Dee Dee Ramone, reproduzo abaixo as íntegras inéditas das duas entrevistas que tive a honra de fazer com o homem. A primeira foi publicada na Ilustrada em setembro de 2000, quando o ex-baixista dos Ramones estava lançando o disco "Greatest & Latest"; a segunda (transcrevi apenas as respostas) foi cerca de um mês depois, para a minha primeira matéria de capa no Folhateen, sobre a vinda do Sonic Youth ao Free Jazz Festival _Dee Dee falou sobre a cena roqueira de Nova York no início dos anos 80, quando o grupo de Thurston Moore surgiu.

    Entrevista 1:

    Por que regravar alguns clássicos dos Ramones?

    Eu queria mostrar que também podia tocar sozinho as canções dos Ramones. Queria tocar o material que eu lancei com os Ramones por muito tempo. Quando tive a idéia, ia gravar apenas as músicas que eu compus e cantava na banda, mas depois decidi tocar as minhas favoritas, como “Sheena Is a Punk Rocker”, que foi feita pelo Joey.

    Como foi revisitar essas canções após tanto tempo, cantando algumas delas pela primeira vez?

    Para mim é muito natural. Eu não espero que minha versão para “Rockaway Beach” vá tocar na MTV e ser um sucesso, só estou querendo me divertir. Foi divertido, o estúdio era perto da minha casa, o produtor, Chris Spedding, é um cara engraçado, foi bom fazer esse disco. Ele já saiu no Japão, vai sair na Europa e na América do Sul. Espero ir para o Brasil em fevereiro, quero muito ir (os shows chegaram a ser anunciados, mas ele acabou não vindo). Talvez eu venha para São Paulo, tocar para públicos pequenos. Mas eu gostaria de tocar no Rock in Rio, se me chamassem. Ou de ver os shows do backstage, pelo menos.

    O Marky Ramone está fazendo turnê por aqui com os Intruders.

    Esse show deve ser bem legal.

    Quem está tocando com você nessa banda?

    Um baterista amigo meu e minha mulher, Barbara, que é argentina e toca baixo. Eu toco guitarra e canto. Tocamos juntos há cinco anos. Agora um guitarrista canadense, Jimmy Vapid, está entrando na banda.

    Há convidados especiais no álbum?

    Chris Spedding toca guitarra em “Shaking All Over” e “Sidewalk Surfin’”. Ele produziu os Sex Pistols e é um guitarrista famoso. Ele é britânico, tocou com Roxy Music, Sharks, Robert Gordon, é compositor. Mas a melhor coisa que ele fez foi produzir os Sex Pistols.

    Você já viu o documentário “The Filth and the Fury”, que conta a história dos Sex Pistols?

    Não, ainda não vi. Hoje eu fui ver um filme antigo, “Jubilees”, com Adam Ant. Não achei muito bom, mas mostra alguns punks na Inglaterra em 77, pelo menos. Eu acho que Vivianne Westwood aparece. Wayne County e Sham 69 participam também.

    Você se lembra dos shows que os Ramones fizeram na Inglaterra, em julho de 1976?

    Sim!

    Essa turnê, hoje, é considerada legendária...

    Foi maravilhosa. Em Nova York era legal, mas parecia que a onda punk acontecia apenas em uma vizinhança, no Lower East Side e no Village. Em Londres, para todos os lados que você olhava existia o punk rock. Todo mundo estava apoiando o estilo, era muito bom. Havia tantas bandas boas, na época. Foi um período bastante divertido, que nunca acontecerá novamente.
    Eu estive em Londres há alguns meses, e a cidade não é mais a mesma. Continua legal, mas não é mais a cidade do rock’n’roll. Desta vez eu só vi roqueiros em shows e nos arredores desses clubes, mas, antigamente, eles estavam em toda a parte.

    Parece que os punks britânicos nasceram para o estrelato, enquanto os norte-americanos ficaram no underground por muito tempo... Só nos anos 90 bandas como Green Day, Offspring e Blink 182 ficaram milionárias tocando punk rock.

    Se eu tivesse 14 anos hoje, eu gostaria dessas bandas. O Offspring toca bem e tal... Mas não tem muito a ver comigo. Eu acho que é punk rock. O importante é que os garotos estão se divertindo, o resto não interessa.
    Eu não gosto do baterista do Blink... Como é o nome, Blink 77?

    Blink 182.

    O guitarrista é engraçado, mas ele usa a mesma guitarra que o cara do Greenday usa (risos)!

    É verdade que existia uma competição entre os punks de Nova York e os de Londres, nos anos 70? Os Sex Pistols gravaram uma música chamada “New York”, na qual eles zombam da cena da cidade...

    Eles ainda não haviam estado em Nova York, quando fizeram essa música. O que aconteceu foi que Johnny Thunders (ex-guitarrista do New York Dolls e líder dos Heartbreakers, com quem Dee Dee compôs "Chinese Rocks") havia se mudado para Londres com Leee Childers (empresário). E, pouco depois, ele escreveu a música “Little London Boys”, aí os Sex Pistols resolveram responder a provocação com outra canção. Eles não se davam bem, porque Johnny roubou uma guitarra deles para comprar drogas, você sabe como eles eram.
    Naquela época, em Londres, era moda caçoar da América, então eles se aproveitaram. Mas talvez eles estivessem certos. Eu vivia em um mundo artístico muito pequeno, mas existiam muitas bandas boas em Nova York, como Television, que era muito boa, Blondie, Talking Heads... Em Londres, o punk era mais popular, mas era bom, eu gostava de Generation X, X-Ray Specs... Eles vestiam roupas mais legais que a gente.

    Então aqueles jeans rasgados que vocês vestiam não eram moda? As jaquetas de couro, os óculos escuros... Vocês criaram uma espécie de uniforme dos Ramones, quase uma fantasia. Não foi planejado?

    Não, aquela era a vestimenta normal dos americanos, na época.

    Mas e os jeans rasgados no joelho?

    Ah, sim, isso foi o nosso grito da moda (risos)!

    Você é um personagem símbolo de Nova York. Por que se mudou para Los Angeles?

    Estou em Los Angeles há apenas um ano. Gosto mais daqui. Eu não queria sair de Nova York, mas não conseguia aguentar mais a cidade.

    Por quê?

    Os estudantes de faculdades ricas, como a NYU, tomaram todos os apartamentos mais baratos, e os aluguéis dispararam. Um apartamento de um quarto custa US$ 2.000 por mês! Todas as casas noturnas agora são mais conservadoras, obrigam você a usar terno e gravata, é inacreditável. A polícia é horrível, o povo é mal-educado, piora a cada dia. Los Angeles é legal, é uma cidade mais rock’n’roll. Estou feliz por estar na Califórnia.

    Voltando ao disco, o que você pode me dizer das novas canções?

    “Motorbikin’” foi escrita por Chris Spedding, então eu quis que ele a cantasse. “Shaking All Over”, eu a ouvi no disco de Chris Spedding, depois ouvi a versão de Iggy Pop e pensei em desistir, mas acabei gravando. “Cathy’s Clown”, sempre quis tocar essa música, acho que Ricky Nelson cantava. “Sidewalk Surfin’” ia ser trilha de um filme, que acabou não sendo feito.

    Quantas dessas canções dos Ramones são suas?

    Não lembro, mas não são todas.

    Você e Joey eram os principais compositores nos Ramones, não eram?

    Eu era.

    Você se lembra de sua vinda ao Brasil com os Ramones?

    Eu vim uma vez, estive apenas em São Paulo. Eu gostei, me diverti bastante. Todos me diziam que a cidade era perigosa, mas não tive nenhum problema. Eu adorei, o show foi divertido. Como sou de Nova York, gosto de cidades grandes. Adoro a Cidade do México, porque me lembra muito Nova York.

    Quando você saiu dos Ramones, você quis se tornar um rapper...

    Não, eu desisti logo dessa idéia. Eu tentei fazer um disco de rap, mas não queria me apresentar ao vivo. Eu não sou bom o suficiente para ser um rapper de verdade, mas eu gostaria de ter sido. Eu queria poder fazer um show como o do Kid Rock, com um anão no palco e tudo (risos).
    Adoro rap, quando ele surgiu foi ótimo, mas agora eu gostaria de fazer rock’n’roll mais tradicional. Na idade em que eu estou, não se pode esperar que eu esteja no auge da criatividade. Sou apenas um rock star aposentado, Vou apenas tocar minhas velhas canções, já dei o meu recado.
    Entretanto eu escrevi dois livros recentemente e estou ficando um tanto exausto de tudo isso. Talvez eu faça um outro disco, mas não estou preocupado, quero apenas fazer meus shows.

    Esses livros já saíram?

    Um deles está para ser lançado nos EUA neste ano, se chama “Helter Skelter”, só havia saído na Europa. Por causa do lançamento deste livro, o outro vai demorar uns meses para sair, o que me deixa desapontado, porque quero que esse segundo livro saia logo.

    Sobre o que eles são?

    O primeiro é uma autobiografia, o outro é uma novela de terror. Eu coloquei Sid Vicious voltando à vida no livro. Também tem o Johnny Thunders, é bem legal.

    Por que você saiu dos Ramones, em 1989?

    Muita briga. Ninguém era amigável comigo, eu não me dava bem com eles, uma pena. Eles eram grosseiros comigo.

    Por que isso aconteceu?

    Porque a gente brigava por causa de tudo. Depois de um tempo, eu percebi que não poderia brigar todos os dias e trabalhar com uma banda, oferecendo minhas canções... Acho que foi uma disputa pelo poder, Joey e Johnny queriam poder.

    Johnny chamou Joey de “hippie liberal” em uma entrevista à Folha no ano passado...

    Eu não aguento mais ouvir ele falar essas coisas, ele deveria ficar calado. É embaraçoso e decepcionante conviver com alguém que diz essas coisas. É por isso que eu nunca quis tocar com G. G. Allin, porque ele dizia coisas horríveis sobre os judeus... E eles não estavam brincando! Por que ser tão político? É uma faceta natural do ser humano, mas eu acho que os Ramones foram, provavelmente, a banda menos social e política da história, junto com Jerry Lee Lewis. Mas fico desapontado com Johnny. Às vezes eu tento não acreditar que ele seja um racista, um radical de direita... não sei o que ele é.

    Você acha que os Ramones fizeram bem em acabar, em 96?

    Sim. Não sei como a banda conseguiu ficar junta por tanto tempo. Éramos durões.

    O que você achou dos últimos discos da banda, lançados depois que você deixou o grupo?

    Eu adorei algumas músicas que eles fizeram, como “I Don’t Wanna Grow Up”. Nem sei quem a compôs...

    Foi Tom Waits.

    Ah... Algumas coisas eram boas. Se eu estivesse na banda, seriam melhores.

    Mas você continuou contribuindo como compositor...

    Sim.

    Algumas músicas lançadas depois que você saiu eram suas, como “Strenght to Endure”...

    “Poison Heart”, que Joey cantou pessimamente, também é minha. Ele arruinou essa música.

    Algumas das músicas mais conhecidas no Brasil, como “Pet Cemetery” e a citada “Poison Heart”, são suas.

    Foi por isso que eu deixei a banda. A banda inteira tinha a minha identidade, nas composições. Nós éramos uma banda muito boa, nós deveríamos ficar juntos, mas, quando eu saí, parece que eles não iriam para a frente, então eu tentei ajudá-los a ser uma banda, mas eles não me deram valor e disseram coisas terríveis a meu respeito.
    Quais cidades são legais para tocar no Brasil? Quero ir no meio de fevereiro. (em português) Tchau!

    Entrevista 2:

    No início dos 80, em Nova York, havia uma maior audiência para o punk rock. As pessoas não sabiam como aproveitá-la, então aconteceu o seguinte: a indústria musical se voltou para a new wave. Mais pessoas começaram a ir escutar música em discotecas, em vez de ir ver bandas ao vivo nos clubes.

    O punk rock era ouvido apenas nos clubes pequenos. As pessoas escutavam Billy Idol, essas coisas. A única estação de rádio que tocava músicas dos Ramones e do Clash teve que começar a tocar grupos como Duran Duran, A Flock of Seagulls, Siouxie and the Banshees, the B-52’s, o próprio Clash, que começou a soar mais “funky” e essas coisas, para atingir maiores audiências... Acho que foi aí que começou a era “new romantic”, com bandas como Adam & the Ants, que não pegou muito bem nos EUA, e Bow Wow Wow, Malcolm McLaren...

    Também começou a se formar a cena de hardcore em Nova York, que tinha muitas bandas boas, que se esforçavam por se tornar grandes. Pantera, No Texas, Lee Way, os Cro-Mags, Bad Brains, os originais, que tocavam reggae e hardcore, eles chegavam a tocar para platéias de 900 pessoas, todos carecas e gordos, nervosos, porém felizes. Só tinha homens na platéia, e umas 12 garotas punk, bem feiosas. Era legal, eu gostava muito do Lee Way, tinha o Murphy’s Law, essas bandas de hardcore.

    Em Nova York, havia muitos clubes pequenos, danceterias, e eu acho que muito disso aconteceu na época “Summit All Up”, em que as modelos de moda começaram a freqüentar clubes punk e consumir heroína (risos). Eu não sei o que havia de errado com essa gente, não era minha culpa. Quando eu fui para São Paulo, no fim dos anos 80, não era assim.

    Eu gosto muito das bandas "no wave", The Breeders... Eu gosto muito do Sonic Youth, de verdade. Eu gostava de Mudhoney, White Zombie, o primeiro disco, e todas as bandas de hardcore, especialmente The Mob e Young and the Useless. Esta era formada pelos Beastie Boys, quando eles tinham 14 anos e eram punks, tinham penteado moicano e tudo. Eu fui a shows deles, os Ramones tocaram com eles uma vez, no Brooklin, e todo mundo reclamava, não entendendo porque tocávamos juntos. Aí eles se tornaram os Beastie Boys, e tocávamos num clube chamado The World. Depois, eles se tornariam famosos, fazendo rap. Quanto eu ouvi eles tocando “Fight for Your Right to Party”, uns dois anos depois, eles já eram uma grande banda. Mas nada aconteceu para os Ramones. Joan Jett teve um grande hit, “I Love Rock’n’Roll”, que foi número 1 nas paradas, mas os Ramones nunca tiveram um grande hit nos EUA. Eu não ligo.

    Você tinha que chutar a bunda de todo mundo para estar no rádio ou nas TVs. Eu estava ficando louco, odiando a sociedade, a indústria musical, os Ramones e todo mundo... Agora eu sei que nada acontece por mágica. Você tem que ser razoável e ceder em alguns pontos, mas eu não queria tocar canções como “Howling at the Moon” e “Bonzo Goes to Bitburg”, porque o empresário e a gravadora nos obrigavam a ser mais pop. Foi difícil para nós, pois éramos grandes na Europa, mas, quando voltávamos para os EUA, tínhamos de tocar clubes pequenos, viajando em uma van... O que era popular eram bandas cujas músicas tocavam nas discotecas, música para dançar.

    Eu ia para o CBGB’s, onde havia shows de hardcore durante as tardes de sábado. Eu ficava em uma torre que havia lá, porque a slam dance era muito forte, só caras, os carecas, era difícil... Johnny Ramone tinha medo de ir lá, tinha medo de apanhar... Eu não, eu ia lá, todos ficavam felizes em me ver.

    Eu detestava o CBGB’s, mas os shows de hardcore dos sábados à tarde eram muito bons. O Ritz era um outro clube muito legal. Muitas bandas boas tocaram lá, os Ramones tocaram lá umas sete vezes, em dez anos.

    Hoje, eu gosto de Hellacopters e Backyard Babies, além da minha banda.

    Você viu o show do Marky Ramone? Ele não gosta de mim, eu ouvi dizer. Eles foram horríveis?

    Provavelmente vendiam-se álbuns dos Rolling Stones, na época... Tipo “Miss You”, lá por 1979... Em Nova York, em 1981, o rock estava ficando meio velho. Nada podia competir com as bandas originais, como os Ramones, o Talking Heads, Blondie, The Heartbreakers... A única pessoa que continuava a fazer boa música naquela época era o Iggy Pop, com discos como “The Idiot” e “Lust for Life”. Ele conseguiu fazer a coisa funcionar, mesmo usando sintetizadores, sem ter uma banda fixa ou bons músicos para o acompanhar.

    Todo mundo estava escutando os Bauhaus, uma coisa que eu nunca escutaria. Eu os vi há uns três anos, em Los Angeles, quando eles se reuniram, todos cinqüentões.

    Mas, provavelmente, a melhor coisa que eu vi em 1981 foi a Blizzard of Ozz, a banda de Ozzy Osbourne, com o Mötörhead, tocando juntos no Palladium. Foi maravilhoso, como o sétimo céu, vi as duas bandas, o show inteiro.

    Foi a época em que a Adidas virou moda. As pessoas usavam calças marrons com aquelas três listras, uns tênis sem cadarços... Me lembro uma vez, eu estava no metrô, e uns garotos negros estavam usando velhos tênis de jogar basquete sem os cadarços, coisa que eu não entendo até hoje. Como alguém consegue andar com tênis sem cadarços? Até hoje, nunca entendi porque eles faziam isso.

    As pessoas liam "Playboy", "Hustler" e "Penthouse", as três revistas clássicas dos EUA. Também fazia sucesso a “Heavy Metal”, aquela revista de histórias em quadrinhos. Elas custavam U$ 1,50 e eram muito diferentes das de hoje. Ela ainda é boa, mas as coisas não são tão boas como antigamente. Não estou reclamando, é um milagre que o mundo ainda exista.

    Como vocês estão, aí no Brasil? Tragam-me muita maconha quando eu for aí, eu preciso disso para a vida não ser um saco.

    Eu amo Marky, Johnny, Joey, CJ, adoraria dar um beijo neles. Pedi a CJ que tocasse comigo cinco vezes, e ele negou. Ouvi dizer que vai haver uma reunião dos Ramones na Argentina, no ano que vem. Espero que sim.

    segunda-feira, junho 03, 2002

    Cidade dos Sonhos

    Relativamente pouco após a estréia de “História Real” em terras brasileiras, chega aos cinemas o filme mais recente do cultuado David Lynch, que já havia feito coisas memoráveis como “Veludo Azul” e “Eraserhead” _os Pixies, apenas a melhor banda surgida nos EUA durante os anos 80, gravaram “In Heaven (Lady in the Radiator Song)”, uma das músicas da trilha deste longa de estréia, co-escrita pelo próprio Lynch_ e outras nem tanto, como “O Homem Elefante” e “Duna”, mas só explodiu mesmo após criar a fantástica série televisiva “Twin Peaks” (aquela da Laura Palmer).

    Mesmo com a Globo tendo picotado toda a série, quando ela foi exibida por aqui, há mais de dez anos, no horário em que hoje a gente é convidado a assistir estrumes fumegantes como “No Limite”, “Hipertensão” e “Big Brother Brasil”, foi mais do que suficiente para arrebatar fanáticos pelo estilo bizarro e um tanto hermético do diretor de “Coração Selvagem”.

    E “Cidade dos Sonhos” não soa um título tão absurdo para “Mulholland Drive”... Sonhos são parte importante do processo criativo (eu mesmo escrevi um romance inteiro a partir de um sonho), principalmente para Lynch, que aprecia e exerce a liberdade artística como poucos cineastas de grande renome na América do Norte _como o bom e velho Woody.

    “Mulholland Drive” era, originalmente, um piloto para uma série de televisão, que, ó dia, ó azar, foi rejeitada. Aí Lynch resolveu esticá-lo e saiu esta maravilha, já considerada por alguns críticos como o melhor filme do diretor.

    A obra (desancada pelo Álvaro Pereira Jr. no Folhateen, o que, acreditem se quiserem, fez muita gente desistir de vê-la, tsc, tsc) lembra bastante o também “incompreensível” e maravilhoso “A Estrada Perdida”, que, hmm, traz a Patricia Arquette sexy as hell, o Marilyn Manson no ápice da nojeira e tem David Bowie, Lou Reed e, opa, Tom Jobim na trilha sonora...

    “Sonho” é a palavra chave, o que pode explicar a inexplicável troca de identidades entre as personagens loura e morena (como acontecia em “A Estrada Perdida” com o saxofonista e o mecânico). Nem sei se adianta dar um resumo do enredo aqui, porque as reviravoltas são tão grandes neste grande e belo pesadelo que não faz muita diferença... Se você assistiu e acha que entendeu, não deixe de compartilhar suas idéias conosco, clicando aí embaixo no link dos comentários...

    Pois se engana quem pensa que o enredo de “Cidades dos Sonhos” seja algo totalmente aleatório. Lynch não dá ponto sem nó _mas cabe ao espectador usar um pouco a cabeça e descobrir onde eles se encontram... Ou, então, relaxe e aproveite, baby. É satisfação garantida ou sua confusão de volta.

    Nota: 9/10

    Na platéia