A gruta é mais extensa do que a gruta

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    domingo, setembro 29, 2002

    Um Grande Garoto

    Quando você entra em um banheiro público e a única pichação existente é “Jesus te ama”, isso significa que é seu aniversário?

    Bombardeado pelos odores das comidas globalizadas da praça de alimentação do shopping aqui perto da minha goma, fui ver “Um Grande Garoto” em 29 de agosto, com um atraso enorme _felizmente o filme ficou um bom tempo em cartaz.

    Tem gente que vai me atirar pedras e pedregulhos, mas eu nunca li Nick Hornby nem pretendo ler seus livros a curto prazo. Não achei a versão de Stephen Frears para “High Fidelity” (escrevi um texto sobre o filme no Folhateen, em 2000, mas não achei o link no UOL, até porque não sou assinante) grande coisa. Entretanto, muita gente boa falou bem deste “About a Boy”, e a trilha sonora do Badly Drawn Boy é um primor, admirável mesmo. Um grande disco.

    E eu também simpatizo com o tal do Hugh Grant. E daí que ele foi idiota a ponto de ser flagrado com uma puta horrível quando namorava a shaggadelic Elisabeth Hurley? Eu até que dei risada em “Nove Meses”, gostei do “Razão e Sensibilidade”, achei “Um Lugar Chamado Notting Hill” bem bonitinho e tal.

    E “Um Grande Garoto” é mais um representante do cinema “bonitinho”. Tem o molequinho com cara de legal, que obviamente é um pária freak e se apaixona por uma menina que nunca irá dar bola para ele; tem o cara mulherengo e filho da puta que se transforma após conviver com uma criança; tem a mãe destrambelhada e problemática, que uma hora vai ter de tomar vergonha na cara; tem o pato que morre ao levar uma pãozada na cabeça etc. Você já viu este filme?

    Estranhamente, ele é assinado pelos irmãos Paul e Chris Weitz, que também dirigiram aquela bobeira que é “American Pie” e roteirizaram “Formiguinhaz” e “O Professor Aloprado 2”... Que mistureba, não?

    Mesmo que isso tudo dê ao filme a aura de ter sido feito apenas para dar dinheiro (como se o cinema não fosse uma indústria e blablablá), a verdade é que ele é bem gostoso de assistir. Não, não há grande profundidade; há sentimentalismo de sobra, isso sim. Mas eu simplesmente não estou no clima para desancar este trabalho, que provavelmente não se tornará um clássico, mas que é emocionante (fácil, extremamente fááácil) o bastante para carregar um germe de lembrança boa. Ooopa, que viadagem é essa?

    Nota: 8/10

    segunda-feira, setembro 23, 2002

    Insônia

    Uáááá, que sono... E esse friozinho fora de hora, hein? Clima maluco...

    Mas, então, lembra do “Amnésia”? Vai me dizer que já esqueceu? Aquele “Desejo de Matar” contado de trás para a frente que fez furor na indústria, causou polêmica e tal? Um filme muito legal, muito discutido e que divulgou para o mundo o nome do diretor Christopher Nolan...

    Pois é, o cara está de volta. Desta vez é “Insônia”, título capaz de ouriçar todos os que pagaram um pau para o “Amnésia”...

    Não sei se é para o bem ou para o mal, mas o fato é que os filmes são bem diferentes. E a diferença básica, claro, está na montagem. “Insônia” não tinha como não ser mais convencional do que seu antecessor. Tudo bem até aí, certo?

    Mas antes vamos falar da convenção que Nolan quebrou desta vez: o ponto-chave deste filme chama-se Robin Williams. O Patch Adams, o Jack, a Ms. Doubtfire, o Homem Bicentenário etc. Sim, só dão papéis boiolinhas para o cara (que brilhou incrivelmente como o Popeye em uma das melhores adaptações de HQ para o cinema, dirigida por Robert Altman e escrita por Jules Feiffer), e agora ele é o vilão e solta uma de suas melhores atuações _no trailer (visto no Pátio Higienópolis, em 21 de agosto, com a incansável Vanessa), “Retratos de uma Obsessão”, onde novamente ele faz o vilão... Estão mesmo tentando mudar a imagem dele? Uááá!

    Falando em vilão, Robin Williams não faz o típico criminoso do cinema em “Insônia” (embora vilões atípicos estejam na moda...). Nolan foge do “whodunit” e se aproxima do suspense. Para melhorar tudo, o “herói” _talvez eu devesse colocar aspas no “vilão” também_ Al Pacino (em atuação muito abaixo do habitual) passa por uns dramas de consciência que eu poderia muito bem detalhar aqui sem estragar o final da história, mas não o farei para poupá-lo de blablablá, ó benevolente e acordado leitor.

    Completando a parte mais pop do elenco, temos Hilary Swank, finalmente em um papel legal após sua revelação (com direito a Oscar) em “Meninos Não Choram” _em “O Dom da Premonição” ela esteve tão apagadinha...

    Precisa de um resumão do enredo ou já deu para sacar o filme? O ponto aqui é a insônia de Pacino, ou melhor, Will Dormer (hein? Hein? *cutuco*), o tira experiente que vai ao Alasca para investigar o assassinato de uma moça (lembrou de “Twin Peaks”?). Só que, lá naquela pqp dos infernos, é verão, e o Sol não se põe durante meses. Pacino fica louco com a claridade _sem falar dos fantasmas (não, não se trata de um fantasma do tipo Gasparzinho ou Geléia, gafanhoto) que o atormentam...

    No final das contas, “Insônia” pode ser visto como um thrillerzinho com enredo legal, boa fotografia, algumas seqüências interessantes (como a da perseguição na madeireira), uma realização meio careta e coisa e loisa. Nolan brinca um pouquinho com subliminares (aqui lembra um pouco o maleta do Finchão) e tal, para o deleite de quem gosta de ficar escarafunchando filmes... Uááá, que sono!

    Nota: 7/10

    terça-feira, setembro 17, 2002

    Terra em Transe

    “O que eu queria mesmo era fazer política”, diz o poeta Paulo Martins, interpretado pelo porralouquíssimo Jardel Filho. “Política e poesia são demais para um homem só”, responde Sara, sua amante, interpretada por Glauce Rocha. É a partir daí que se percebe afinal qual era a do baiano Glauber Rocha, ainda considerado por muitos o maior cineasta do Brasil.

    Mas, peraí, seu Valletta, que viadagem é essa de ficar babando ovo para totens antigos?

    Pois é, resolvi reassistir a “Terra em Transe” (1967) em 20 de agosto, quando foi exibido pelo Canal Brasil, pronto para desancar o velho Glauber. Tinha visto o filme quando era pré-adolescente, período em que costumamos ser metidos a “cabeça”, e agora me considerava pronto para achar o filme uma tremenda de uma chatice pretensiosa.

    “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” me pareceu muito fraco perante “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. “Barravento” não me entusiasmou. “A Idade da Terra” é absolutamente insuportável (lembrando que vi todos esses filmes quando tinha 12, 13 anos). Só que... “Terra em Transe” é realmente genial. Minha iconoclastia foi por água abaixo. Melhor assim?

    Como já indiquei no primeiro parágrafo, o filme é extremamente político e poético. A montagem é desconexa (famosa a cena em que a personagem de Glauce Rocha entra na redação do jornal, repetida, com e sem música), a trilha sonora, maravilhosa, é dissonante, sobrepõe Carlos Gomes a Villa-Lobos (olha o Brasil aí, gente)...

    “Terra em Transe” conta a história de Eldorado, país sul-americano que enfrenta turbulência política e social _o termo “massas” será usado constantemente, mas vou me poupar de fazer considerações políticas aqui. Na província de Alecrim, vemos a trajetória de dois políticos: um, em interpretação histórica de Paulo Autran (as cenas em que ele empunha uma cruz e uma bandeira preta são antológicas, assim como a de sua coroação), é de extrema-direita, aristocrata, corrupto, distante do povo, um Maluf ainda mais nefasto; o outro, vivido por José Lewgoy, supostamente mais próximo do povo, é truculento e covarde, e acaba permitindo um golpe, decepcionando o personagem de Jardel Filho, que representa a intelectualidade. Outra participação de destaque é a de Paulo Gracindo, como o magnata de imprensa que se diz de esquerda, mas acaba aderindo ao golpe de Autran, por motivações financeiras (alguém aí pensou em...?).

    Aparecem ainda muitos atores e personalidades bastante conhecidas: Hugo Carvana, Paulo Migliaccio, Francisco Milani, Danuza Leão, Maurício do Valle, Jofre Soares e até Clóvis Bornay. O filme, ainda atual, aborda a Igreja e vários outros papéis sociais, num mosaico que, apesar de envolto em uma atmosfera delirante, é incrivelmente lúcido. Como se isso não bastasse, trata-se de um filme bonito, bem menos dispersivo do que poderíamos imaginar. Imperdível.

    Nota: 10/10

    quarta-feira, setembro 11, 2002

    O Assalto

    Não vou me alongar muito ao falar de David Mamet. O cara é bom, pronto e ponto. Fez coisas muito legais como “Things Change” (com Don Ameche e Joe Mantegna), para citar apenas um de seus vários bons filmes _sem falar na sua dramaturgia e blablablá.

    Mas “O Assalto” me decepcionou. É bonzinho e tal, mas trata-se de um filme superestimado, talvez o pior que o velho Mamet já fez.

    Sim, os atores são figuraças como o grande Gene Hackman (o que esse cara fez de filme bom... Vá correndo atrás do primoroso "A Conversação", do Francis Ford Coppola e de "Operação França", de William Friedkin _o diretor de "O Exorcista"_, que tem uma das cenas de perseguição de carros mais célebres da história, para citar apenas dois), Danny De Vito (que também não é de se jogar fora e fez o interessantíssimo “Jogue a Mamãe do Trem”, com o valise-mor Billy Cristal) e Delroy Lindo (de “Get Shorty” e “Por uma Vida Menos Ordinária” _e é feio como o quê), além do semiobscuro mas bom Ricky Jay (além da totosa mulher do diretor, lógico)... Só que perde feio para “Dia de Treinamento”, por exemplo. E para “Cidade de Deus” também.

    Uma das coisas boas de “Heist” é que ele é curto e direto, sem firulas _um dos sinais de que um filme é bom é quando você lhe assiste sem prestar atenção nos movimentos de câmera (felizmente, Mamet não é Fincher, amém). As estrelas trabalham em função da história (fraquinha, diga-se), sem ofuscá-la.

    Há uma certa previsibilidade no enredo, o que, em geral, costuma atrapalhar um “thriller”. Hackman, Lindo e Jay são assaltantes trabalhando em parceria com o gângster De Vito. Hackman está doido para se aposentar, ainda mais depois que tem seu rosto filmado durante um trabalhinho. Mas De Vito insiste para que ele participe de um último servicinho... Já deu para entender, certo?

    Visto na companhia da satanista Vanessa no shopping Anália Franco, na noite de 14 de agosto de 2002, o filme não me pareceu um assalto ao bolso. E também me lembrou um pouco os romances que Patricia Highsmith fez com seu personagem mais famoso, o tal do Ripley (encarnado pelo picolé de chuchu Matt Damon): você acaba torcendo pelo bandido. Se bem que em “O Assalto” só tem bandido mesmo...

    Nota: 7/10

    sexta-feira, setembro 06, 2002

    O Terror das Mulheres

    Taí, este é um dos meus maiores ídolos do cinema, na minha infância (ao lado de Chaplin, Hitchcock e dos Trapalhões). Seus filmes costumavam passar na “Sessão da Tarde” (cuja abertura trazia fotos de grandes nomes do cinema, hoje deteriorou bastante), da Globo, no início dos anos 80. Lembro, inclusive, que eu costumava imitar suas estripulias (muitas vezes me machucando no processo)... Na época, televisão não tinha controle remoto, e sintonizávamos os três canais que pegavam em Votuporanga (Globo, Record e RTC _era como a Cultura era chamada antigamente) girando um botãozinho no conversor de UHF. Caraca!

    Foi bastante interessante acompanhar o “Festival Jerry Lewis”, que passou em agosto no Telecine Happy. Pela primeira vez, vi esses filmes com som original e sem interrupções para comerciais (pelo que me lembro, nunca assisti a Jerry Lewis no cinema)... É outra coisa, embora considere o dublador brasileiro de Lewis bastante competente. Mas a grande prova de fogo era ver se os filmes ainda me agradariam, agora que sou, pelo menos cronologicamente, adulto (a memória é traiçoeira e costuma embelezar o passado)...

    Felizmente, o resultado da experiência não foi tão ruim. Especialmente quando os filmes eram dirigidos, escritos e produzidos pelo próprio Lewis _um grande artista, que não deve ser desprezado por ser um comediante. Claro que ele dirigiu filmes ruinzinhos, como “A Família Fuleira” (1965), mas também perpetrou um clássico como “O Professor Aloprado” (1963), talvez sua obra-prima _sem falar no também sensacional “The Bellboy” (1960), que deverá ser refilmado com o, aiaiai, Jackie Chan... Mas não viram o adubo que o Eddie Murphy (grande humorista, mas que só anda fazendo porcarias nos últimos tempos, exceto pelo burrinho de “Shrek”) fez? Em dobro? Dinheiro é uma merda mesmo...

    Mas, voltando a Lewis, seu filme mais vanguardista e experimental, na minha humilíssima opinião, é este fenomenal “The Ladies' Man”, de 1961. Uma obra-prima, sem dúvida, que consegue a proeza de ser, ao mesmo tempo, despretensiosa e bastante sofisticada. O filme é ousado em tudo: roteiro, cenografia, movimentação de câmera, direção de atores etc., inclusive durante os letreiros da introdução _e mesmo antes de a obra começar, já aparece uma piada/provocação com os advogados (outra, enfocando o Exército, ocorre logo após o final).

    “O Terror das Mulheres” conta a história do jovem (prestem atenção no nome) Herbert Herbert Heebert (será uma sátira do Humbert Humbert de “Lolita”?), que, logo após se formar na faculdade, flagra sua noiva com outro homem e, naquele momento de dor extrema, decide nunca mais se relacionar com mulher alguma. Lewis parte da tragédia para chegar à comédia. E, obviamente, Heebert vai acabar trabalhando em uma mansão onde moram... algumas dezenas de jovens garotas. Preciso dizer o quanto este filme é engraçado?

    Lewis era revolucionário para a época, pois, por meio de sua comédia anárquica, mostrava o lado perverso e desajustado da utilitária sociedade norte-americana. A seqüência inicial deste filme é um dos exemplos mais primorosos em sua obra: uma pequena e plácida vizinhança é mostrada... mas o caos não demora a se instalar. Outro momento memorável é o da formatura de Herbert H. Heebert. A cena em que ele é chamado para ser o orador da turma é uma das mais absurdas e ridículas e hilariantes e estupefacientes da história do cinema. Eu te desafio a não gargalhar com aquilo. É de passar mal, no bom sentido.

    Mas é quando Heebert começa a trabalhar no pensionato de moças que o surrealismo toma conta: o filme torna-se uma metralhadora de “gags”, tanto visuais quanto verbais. E o momento mais inesquecível é justamente o mais nonsense: o quarto da misteriosa dançarina de preto...

    O cenário em si é um espetáculo. A casa tem paredes vazadas, e não há espelhos: as garotas se miram no vazio. É tudo tão propositadamente fantasioso (lembro-me da coreografia das moças ao surgirem pela primeira vez e do espanto de Heebert, que, literalmente, se multiplica por três para fugir daquele pesadelo), tão diferente do cineminha careta ao qual estamos habituados... Eis aqui uma verdadeira obra rebelde. Caramba, já estou com vontade ver este filme de novo!

    Nota: 9,5/10

    terça-feira, setembro 03, 2002

    Uma Vida em Segredo

    Os livros sempre serão matéria-prima saborosa e abundante para o cinema (como diz o João Kléber, "pára!". Pense em alguns dos filmes brasileiros que estrearam recentemente: "Cidade de Deus", "Abril Despedaçado", "LavourArcaica", "O Xangô de Baker Street"...). Não apenas por facilitar (em termos) o trabalho do roteirista e do diretor, mas também por ser um potencial chamariz para o público _especialmente quando a obra em questão foi “best seller” (falando nisso, quais as melhores adaptações literárias para as telas? E por que costuma-se dizer que o livro é sempre melhor do que o filme? Alguém se habilita a opinar?)...

    Não é exatamente o caso de “Uma Vida em Segredo”, de Autran Dourado, um semiclássico da literatura brasileira do século XX, o qual li há alguns anos e que, se não me agradou particularmente, também não me fez considerá-lo uma perda de tempo. O filme, assisti em um domingo de agosto, na diminuta sala 5 do Espaço Unibanco, na companhia de um saquinho de pipocas e da malemolente Vanessa.

    A vida da qual fala o título é a da famosa prima Biela, mais uma das personagens femininas da literatura do século XX que são marcadas por um certo desajuste social (é possível relacioná-la com a Macabéa de Clarice Lispector, cujo último romance, “A Hora da Estrela”, também foi levado para as telas por Suzana Amaral).

    Biela é uma moça abastada, que foi criada em uma fazenda, em meio aos bichos, aos criados, aos serviços da cozinha, ao monjolo (forte constituinte simbólico do filme)... Quando fica órfã, vai para a cidade, morar com a família do primo, seu tutor. Mas não consegue se adaptar à vida em sociedade, prefere ficar com os criados, vestir roupas simples, realizar serviços domésticos e cuidar de seu cachorro Vismundo.

    Obviamente, o destaque do filme é a protagonista, aqui interpretada por Sabrina Greve, atriz relacionada a Antunes Filho. E ela está ótima, ainda mais quando demonstra o desconforto de Biela ao usar os fantásticos figurinos que a mulher de seu primo a obriga.

    Mas, engraçado, o filme me lembrou um pouco o cinema brasileiro dos anos 80, que produziu alguns bons filmes, mas que seriam muito melhores se as condições técnicas da época não fossem tão precárias (sem falar na pindaíba geral que cerca quase a totalidade de nossa produção cinematográfica até hoje). “Uma Vida em Segredo” me soou como um esforço elogiável, mas que acabou ficando um pouco aquém de seu potencial original.

    Nota: 6,5/10

    Na platéia