Edifício Master
Votuporanga tem um céu... inacreditável. Os paulistanos não sabem o que estão perdendo.Mas... então. Fim de ano é sempre a mesma coisa (a não ser que você esteja trabalhando em jornal diário): desligamento quase total. Nada de jornal, internet, telefone, TV etc. Só comida abundante, família, viagens. E etc.
Daí que, ao voltar das festividades natalinas (neste ano, mais uma vez em Ribeirão Preto, casa dos meus primos Baw e “Superférias” Kbça _encontrei o Kiko Zambianchi no shopping, mas que coisa), fico chocado ao ler, na Discoteca Básica, que Joe Strummer morreu.
Simplesmente não há palavras para descrever a importância desse cara na minha formação. Logo agora que ele estava voltando com tudo, com uma banda batizada com o exato nome do meu antigo bloco de Carnaval (Mescaleros), ele morre de ataque cardíaco aos 50 anos...
R. I. P. Joe.
Mas o legado do cara está em sua obra, e a vida continua. Falando em vida e obra, Eduardo Coutinho está entrando para a história como o maior documentarista do país. Veterano (entre muitas outras coisas, trabalhou anos no “Globo Repórter”, na época em que o programa ainda era feito em película), ficou muito tempo sem filmar, mesmo tendo emplacado uma obra-prima, “Cabra Marcado para Morrer”, considerado, em pesquisa recente, o melhor filme-documentário feito no Brasil.
Coutinho (tive o prazer de ouvi-lo pessoalmente em mais de uma ocasião, nas quais pude testemunhar seu senso de humor e de ética) criou um método próprio de documentário: em vez daquele formato clássico de narração em off ilustrada por imagens e pontuada por entrevistas, ele ouve e retrata personagens, que são dispostos no filme um de cada vez, sem divisão temática. É, grosso modo, “cinema de gente”.
E gente é a matéria-prima também de “Edifício Master”, seu filme mais recente, que assisti no dia 20 de novembro passado, com a presença do diretor. Mas também dizem que Coutinho pratica um “cinema de ouvido”, já que as vozes de seus personagens é que dão o tom de suas obras. O próprio documentarista classificou seu filme como “polifônico”... Uma obra que ouve as razões de seus personagens, mesmo quando não lhes dá razão. E que não traz outra trilha sonora que não a providenciada pelos seus protagonistas. E a música é justamente responsável por alguns dos momentos mais pungentes do filme...
O Master é um edifício que fica em Copacabana, bairro do Rio em que morei por curtos 11 dias, durante a cobertura do Rock in Rio para a Ilustrada e o Folhateen, em janeiro de 2001. A minha amiga Viva já disse que é o bairro mais democrático do Rio de Janeiro... Mas, no filme, não vemos cenas externas (nem mesmo a fachada do prédio), apenas algumas janelas...
São centenas de pequenos “apertamentos”, que foram visitados (e filmados) pela equipe de pesquisa de Coutinho, que só entra em contato com os personagens quando vai filmar para valer. Em cada um deles, um pequenino pedaço da vida de cada um, seja da menina sociofóbica que pinta e faz poesia; do senhor que conheceu o velho Francis Albert e canta, do jeito dele, “My Way”; o que chora ao lembrar que o chefe deixou ele faltar ao serviço para ir ao enterro da mãe; da jovem prostituta que gastou seu primeiro michê no McDonalds e que diz precisar acreditar em mentiras; da velhinha alegre e namoradeira que lembra de um asssalto; das irmãs “titias”, sendo que uma delas pinta “coisas impossíveis”; de um casal que briga, mas permanece junto, e de outro que se conheceu por um anúncio; e de tantos outros.
“Edifício Master” mudou a vida das pessoas que retrata? Coutinho afirma que não. E a nossa? Pague (o ingresso) pra ver. Até 2003.
Nota: 8,5/10