A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, maio 31, 2002

    Abril Despedaçado

    Depois do êxito de “Central do Brasil”, que consagrou o Walter Salles (responsável por “Terra Estrangeira”, um dos piores lixos que vi na minha vida _vi, vírgula, porque não agüentei até o final da bomba), obviamente sua próxima obra seria cercada de certa expectativa.

    Então, se não estou enganado, lançaram “Abril Despedaçado” (inspirado em um romance do escritor albanês Ismail Kadaré) em um prestigiado festival europeu (o de Veneza), esperando nova consagração, mas o único prêmio foi dado por um júri composto de crianças, o Leãozinho (“góstio múintio di vosssêê”...) de Ouro...

    Aí é feita toda uma orquestração para que “Abril” (mais uma produção da “puta velha” Arthur Conn, que tem alguns Academy Awards no bolso) seja indicado para o Oscar de melhor estrangeiro (ocorreram protestos por filmes bem melhores, como “LavourArcaica”, terem sido preteridos), fazem uma única exibição na Bahia, com uma versão ainda incompleta da obra (é como ouvir um disco antes da mixagem final, sabe?), e o resultado é: nada, apenas uma indicação para o Globo de Ouro (não, não é aquele programa onde o RPM e o Kiko Zambianchi, que, oh my god!, voltaram!, tocavam, nos anos 80).

    Bem, vamos ignorar tudo isso, pois o Brasil é o país do futebol, e falar apenas do filme: é fato que “Central do Brasil” é superior, antológico como “Abril” não consegue ser.

    “Abril” é todo certinho. Filmado em locação, com boa fotografia, cenografia, figurino etc. Bons atores, como o já consagrado José Dumont, e o jovem, porém premiado (por “Bicho de Sete Cabeças”), Rodrigo Santoro (que, apesar de tudo, ainda é lembrado como o ex da Luana Piovani), além dos estreantes Ravi Ramos Lacerda (o Menino, ou Pacu) e Flavia Marco Antonio (coisa linda, vem conhecer minha cama elástica).

    Walter Salles evoluiu claramente e aprendeu as lições do novo “cinema nacional de qualidade”. Não busca ângulos de câmera “espertos”, mas não consegue impedir que Rodrigo Santoro, mesmo todo sujo, ainda tenha certa pinta de galã.

    E é lógico que tinha que ter um menino _e Ravi está muito bem no papel de caçula dos Breves, que brigam com a família vizinha pela posse de terra, no final da primeira década do século XX. Escolhê-lo como narrador da história foi um acerto, e o filme poderia ter ganho tons mais fantasiosos por causa disso.

    O enredo é muito simples: o irmão mais velho de Tonho (Santoro) é morto; a tradição pede que ele seja vingado; ao matar o assassino do irmão, Tonho, por sua vez, torna-se marcado para morrer. É quando ele conhece dois artistas de circo...

    O ponto mais interessante de “Abril” é justamente a concisão, que dá um toque claustrofóbico ao filme (neste sentido, lembra um pouco o ainda mais radical “Latitude Zero”), bem diferente do road movie mais relaxado que é “Central”. Mas não foi desta vez que Salles, talvez o cineasta brasileiro mais respeitado atualmente no exterior, superou seu grande hit.

    Nota: 7/10

    sábado, maio 25, 2002

    Dia de Treinamento

    A Teca (que ainda não tem blog, porque seu notebook mora em Los Angeles) tem ânsia de vômito acompanhada de diarréia cerebral e torcicolo no fígado quando ouve falar nos filmes dos estúdios norte-americanos. Ela só gosta de filmes frufrus, rodados em penínsulas escandinavas e batizados com nomes que não fazem sentido, como “Os Vincos da Velha Cadeira de Vime”, “Uma Frágil e Decadente Hecatombe de Epifanias” e “Segredos Infiéis, Mudas Confissões e uma Estrela Branca e Indômita no Dealbar da Bucólica Aurora”, que costumam arrebatar o júri do Festival de Cinematografias Étnicas de Häagjden-Dunngts e similares. Dá vontade de xingar até a mãe da Rena do Nariz Vermelho.

    Então é lógico que ela nem quis saber de ir ver este filme (muito menos “Homem-Aranha”, que é melhor do que muita coisa do Dogma dinamarquês) comigo. Bem-feito, porque perdeu um, como diria meu velho tio Tim, “filmão”.

    De longe, o melhor policial que vi no ano. E, ao contrário de “A Última Ceia”, aí debaixo, não é um filme que depende quase que totalmente de uma interpretação agraciada (urgh, odeio essa palavra) com o Oscar. Denzel Washington está mesmo sensacional, mas seria muita injustiça dizer que “Dia de Treinamento” só vale por causa dele.

    A história: jovem policial (Ethan Hawke, o fdp que casou com a Uma Thurman _que estava uma coisa decotada e biscoituda na última transmissão do Oscar, wooow) quer se tornar um detetive; para conseguir o que almeja, terá de trabalhar uns tempos na divisão de narcóticos. No primeiro dia de trampo, ele e seu superior/parceiro, Denzel W., “passam por poucas e boas”.

    Lógico que não quero contar o que acontece; digamos que “tira bom x tira mau” não é exatamente um bom resumo da ópera, embora dê uma idéia do “conflito” que motiva a película _em “Segredos Infiéis, Mudas Confissões e uma Estrela Branca e Indômita no Dealbar da Bucólica Aurora”, por exemplo, uma velha monja tibetana descobre que tem câncer no canal retal e parte em uma desvairada busca pela paz interior, pelo grande Buda e por barrinhas de fibras.

    Mas antes que você pense que sou um entusiasta dos filmes de Schwarzenegger, Stallone, Chuck Norris e Steven Segall, quero deixar claro que não curto muito filmes de ação. Mas é como eu digo para a Teca: só existem dois tipos de obra de arte, a boa e a ruim. “Dia de Treinamento” não é antológico como um "Dirty Harry", mas é um filme policial dos bons, pelo menos à primeira vista. Só tome cuidado para não espirrar um sanguinho...

    Nota: 8/10

    quarta-feira, maio 22, 2002

    A Última Ceia

    Então estou entrando no Pátio Higienópolis (apesar de ser caríssimo, vejo muito filme aí porque é quase do lado de casa) e não posso deixar de notar uma loira de calça justa e umbiguinho de fora mmfrstpt com um sorriso meio encabulado passando por mim. Olhando para ela, um cara meio feioso com um poodle MUITO GAY na coleira. O cara chega para um segurança que está ali de bobeira, aponta para a loira com o queixo e pergunta: “Você sabe onde ela mora?”. OK, o que foi isso?

    Sem muita cera para falar de “A Última Ceia”, então. O filme tornou-se involuntariamente histórico ao permitir que finalmente uma atriz negra (Halle Berry, que fez a secretária gostosa do Fred em “Flintstones”, a Tempestade de “X-Men” etc.) ganhasse o Oscar de melhor atriz.

    E a moça está realmente muito bem no filme, interpretando uma personagem sofrida, daquelas que choram, se desesperam... só faltava ter alguma deficiência mental para que o páreo ficasse ainda mais fácil.

    Nossa amiga Berry é ex-mulher de um condenado à morte na cadeira elétrica (Sean Combs, o Puffy Diddy P. Daddy Whatever) com um certo talento para o desenho. Ambos tiveram um filho desgraçado de gordo, que puxou o talento do pai para segurar no lápis. E nossa heroína (esqueci totalmente o nome da personagem, sorry) se racha de trabalhar como garçonete nas biroscas mais fuleiras para sustentar o terrível vício do garoto em barras de chocolate altamente calóricas. Wowee zowee!

    A história dela vai se cruzar com a do personagem de Billy Bob Thornton, um agente penitenciário durão e intolerante. Sem entregar muito o enredo, ambos começarão um conturbado relacionamento após sofrerem tragédias semelhantes.

    Trata-se de filme um tanto atípico em meio a superproduções hollywoodianas que concorreram na mesma edição do Oscar, como “Uma Mente Brilhante” e “O Senhor dos Anéis” (os quais, aliás, ainda não vi, nem sofro). Narrado com uma certa frieza, sem muito glamour, enfoca o cotidiano difícil de pessoas de classe média baixa em um cafundó "redneck" qualquer dos EUA.

    Portanto, “A Última Ceia” é indicado para quem gosta de dramas com um sabor um tanto mais "europeizado", se é que podemos falar assim (e o pior é que podemos, porque fomos condenados à liberdade... opa! Desculpem). Ah, e também para quem quiser ver a Halle Berry pelada. E as cenas de sexo com uma triste prostituta loira conseguem ser ainda mais deprimentes que as da vida real...

    Nota: 7/10

    domingo, maio 19, 2002

    Memórias

    Uma hora ou outra eu tinha que escrever sobre Woody Allen (Allan Stewart Konigsberg, para os íntimos), mas é difícil saber por onde começar. O cara, além de escritor, roteirista, dramaturgo, cartunista, ator e ensaísta, já dirigiu mais de 30 filmes. Desde o fim dos anos 60 ele vem lançando cerca de uma nova obra por ano, além de ocasionalmente atuar em filmes de outros diretores.

    Ainda não vi todos, até por que, no Brasil, está cada vez mais complicado ver Allen nos cinemas (e eu não tenho vídeo). Seus trabalhos chegam com enorme atraso, estréiam em parcas salas e vão embora antes que você consiga dizer “pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico”.

    Mas vi mais da metade de sua filmografia, e, dentre todos, o meu preferido é “Memórias” (“Stardust Memories”, de 1980), um filme que está longe de ser o mais popular, tampouco é muito lembrado pela crítica _não levou nenhuma indicação para os Oscars de melhor direção e roteiro, categorias em que Allen geralmente concorre (só venceu em ambas com “Annie Hall”, mais conhecido por aqui pelo inexplicável título “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”. Aliás, foi com este filme que Allen recebeu sua única indicação para o prêmio de melhor ator).

    Talvez o mais “bergmaniano” de seus filmes (ainda não vi “Interiores” e “Setembro”, entretanto _Allen deixou bem claro no anterior “Manhattan” sua admiração pelo diretor sueco), “Memórias” é, para mim, o filme em que Allen mais se expôs como artista. Em preto-e-branco, me lembra bastante o mais recente (e ótimo) “Celebridades”, no qual Kenneth Brannagh assume a persona de Allen.

    Em “Memórias”, Woody, mais do que nunca, novamente interpreta a si mesmo. Seu personagem, Sandy Bates, é um aclamadíssimo diretor de comédias que, de repente, começa a fazer filmes depressivos e existencialistas. Uma mostra de seus filmes é organizada, e ele é o convidado de honra. Durante toda película, fãs _com os rostos mais esquisitos que puderam encontrar_ irão importuná-lo com pedidos de autógrafos e dizer, repetidas vezes, “eu gostava muito mais dos seus primeiros filmes, os cômicos”...

    Em meio a toda esta balbúrdia, Bates também terá de lidar não apenas com as pressões dos diretores do estúdio que banca seus trabalhos, que exigem um final mais alegre em seu próximo filme, e com advogados, contadores etc., mas também com suas memórias de infância, que aparecem nos momentos mais inesperados, e de seu envolvimento com mulheres como Dorrie (Charlotte Rampling, belíssima), Isobel (Marie-Christine Barrault) e Daisy (Jessica Harper).

    Allen confunde o espectador de maneira admirável, inserindo delírios e flashbacks durante toda a trama _aqui ele abusa da possibilidade de o cinema “enganar os olhos” da platéia. Todas as questões e angústias do artista são expostas em uma obra muito bem filmada, com um roteiro inteligentíssimo e muito bem fechado e atores bem conduzidos.

    E a trilha sonora, então? Maravilhosa, com uma versão em inglês para “Aquarela do Brasil”, “Stardust”, com Louis Armstrong, “Moonlight Serenade”, de Glenn Miller (uma das mais belas composições do século XX e o ponto alto do filme), e, claro, Django Reinhardt, uma das paixões do diretor (que inspiraria "Sweet and Lowdown", com Sean Penn).

    É também impressionante como atores que só se tornariam celebridades anos depois costumam figurar nos filmes de Allen. Logo no início de “Memórias”, uma loira linda dá um beijo no vidro de uma janela de trem, deixando a marca de batom _cena que se repetirá mais para o final do filme, desta vez em um carro. “Parece a Sharon Stone”, pensei. Pois, nos créditos, está lá: “Sharon Stone – Pretty Girl in Train”. Isso me lembra que Sylvester Stallone faz também uma aparição relâmpago, igualmente sem falas, em “Bananas” (1971)...

    Mas, voltando ao cerne da questão: Woody Allen não é um gênio, mas é um dos artistas mais admiráveis do cinema norte-americano. O homem tem personalidade e sabe se expressar. E arte é isso mesmo. Falei.

    Nota: 10/10

    sexta-feira, maio 17, 2002

    Apocalypse Now Redux

    Perdi a chance de assistir a esta nova versão do grande “Apocalypse Now” no final de 2001, quando o filme finalmente chegou aos cinemas brasileiros, porque estava na minha Votupa, para tratar das úlceras que ganhei trabalhando na Folha. Quando voltei, quase dois meses depois, lógico que o filme já era história. Fiquel mal.

    Felizmente, o Cinearte Lilian Lemmertz, aquele que fica bem do lado do Sesc Pompéia, costuma exibir filmes que saíram de cartaz há um tempinho, e eu tive a chance de ver esta obra-prima retrabalhada.

    Mas o lugar, infelizmente, é mais podre que o Johnny Rotten com cirrose. A tela é pequena, a sala tinha cheiro de velório de um pelotão de ácaros, o local exala um ar de abandono, digno da consciência do Malufê. E, devido à longa duração do filme (pouco mais de três horas), tivemos que encarar uma desagradável interrupção da exibição, para uma pausa de dez minutos.

    Pausa desnecessária, porque “Apocalypse Now Redux” é um filme que prende a atenção. E é tão bom que você não se cansa de assistir (no máximo você pode até dar uma viajada lá pelo meio...). É um filmaço (embora não tão bom quanto outros filmes de Francis Ford Coppola, como o primeiro “O Poderoso Chefão” e “Jack” _epa, estou brincando quanto a este último, lógico. “Jack” sucks ass.).

    E, depois de assistir a “Redux”, fica impossível se contentar com o velho “Apocalypse Now”. É incrível que Coppola tenha permitido que os cerca de 50 minutos adicionados a esta nova versão tenham sido suprimidos quando o original foi lançado, em 1979.

    Se não estou enganado (e, se estiver, efeódeatraçoesseê), são três grandes seqüências inéditas que aqui surgem: a de uma apresentação de coelhinhas da “Playboy” para tropas americanas em algum cafundó na fronteira do Vietnã com o Camboja, a de sexo da pequena tropa do capitão Willard (Martin Sheen, o protagonista) com as coelhinhas em troca de combustível e o encontro com uma pequena comunidade francesa naquelas paragens onde Judas perdeu a prótese peniana.

    Para os infelizes que ainda não conhecem o filme, aí vai o enredo: um oficial do exército americano alojado em Saigon recebe a missão de encontrar e assassinar um dos mais distintos militares dos EUA, o careca coronel Kurtz (Marlon Brando, em uma de suas mais célebres atuações _Martin Sheen escapou de ser amanteigado desta vez...), que teria enlouquecido e formado uma espécie de tropa rebelde no Camboja. Acompanhado de apenas quatro homens, Willard terá de subir o rio Mekong e localizar o paradeiro de Kurtz.

    A partir deste simples ponto de partida (o filme inspira-se em “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad), começa um longo pesadelo, onde a insanidade de uma guerra é exposta de modo surreal.

    Daí uma série de seqüências absurdas e brilhantes, como o encontro com o tenente-coronel Kilgore (um fantástico Robert Duvall), que ataca uma vila vietnamita ao som da “Cavalgada das Valquírias” e pretende surfar em seguida _a cena inspiraria o Clash a lançar, no disco “Sandinista!”, de 1980, a música “Charlie Don’t Surf”. Também marcam presença no filme Harrison Ford, Dennis Hopper, como um repórter-fotográfico, e um adolescente Lawrence Fishburne (que, na época, assinava como “Larry”).

    Um verdadeiro épico que marcou história, “Apocalypse Now” ressurge ainda mais magistral nesta nova e definitiva versão, que, como o original, começa por “The End” e termina com “the horror, the horror”. Brilhante e fundamental. Uh yeah.

    Nota: 10/10

    quinta-feira, maio 16, 2002

    O Invasor

    Além deste filme, a terceira parceria entre o cineasta Beto Brant e o escritor Marçal Aquino, vi “Os Matadores”, e gostei de ambos. Espero que Brant e Aquino continuem trabalhando juntos e com regularidade, e que criem uma obra de vulto, digna de ser lembrada pelas próximas gerações (porque, até agora, nenhum dos três filmes, embora bons, chega a ser grande, então vamos apostar no “conjunto da obra”).

    Me agrada muito o modo como “O Invasor” foi feito. Filmado em boa parte com a câmera no ombro, com alguns atores não muito experientes _caso não apenas de pontas como um chefe-de-obras, uma secretária, prostitutas, moradores do subúrbio paulistano etc., mas também do rapper/figura Sabotage e do próprio Paulo Miklos (sim, aquele dos Titãs).

    Os mais tarimbados Alexandre Borges, Marco Ricca, Malu Mader (como sempre, no papel de mulher totosa) e Mariana Ximenes (u-hu) também estão bem. Mas, como isso já era de se esperar, talvez seja este o motivo de o destaque do elenco ser Miklos, que tem um quê de Wilson Grey misturado com leprechaun albino.

    Miklos interpreta Anísio, um matador de aluguel contratado pelos personagens de Borges e Ricca para eliminar o sócio majoritário de sua empreiteira. Mas, em vez de apenas cumprir sua parte no trato e desaparecer, o marginal invade o cotidiano da empresa, para desespero de seus contratantes.

    Situações tragicômicas se mesclam a um certo suspense, enquanto Anísio se “aburguesa” cada vez mais, ao passar a namorar a filha do morto _o que uma gatinha como a Ximenes poderia ter visto em um quarentão feioso que só fala gíria como o Anísio, o filme não deixa bem claro.

    A narrativa é um tanto fragmentada, pautada principalmente pela imaginação do personagem de Ricca, que se arrepende do crime e entra em tensão com Borges, que é bem mais chave-de-cadeia. A iluminação, felizmente, é mais naturalista do que estamos acostumados a ver nas últimas produções nacionais, que andam cada vez mais com ares publicitários. A imagem é granulada, a câmera treme, enfim, o espectador pode sentir uma bem-vinda estranheza no que tange os padrões técnicos. Filmes bons, baratos e despretensiosos como este é do que a cinematografia brasileira precisa, e não de elefantes-brancos como "O Chatô da Rua do Padeiro". Pena que existam poucas salas e o ingresso seja tão caro aqui no bananal...

    Nota: 8,5/10

    quarta-feira, maio 15, 2002

    E. T. - O Extraterrestre

    Eu estava na fila do cinema. Ouço uma moça comentar: "Eu morria de medo do E. T. quando eu era criança". Ufa! Até que enfim alguém me compreende! Por que eu tinha cinco anos quando o bicho-feio-que-todo-mundo-achava-fofo era uma mania mundial, páreo apenas para o Michael Jackson (que, na época, ainda era menos feio que o E. T.; hoje, o Wacko Jacko é bem mais apavorante).

    Vinte anos depois, o E. T. é um bicho tosco (nunca vou me esquecer daquela charge do Glauco em que uma moça vinha abraçar o E. T., gritando "Eeeetêêêê, foooofoo!!!", e o coiso arrancava a cabeça dela com uma mordida e saía palitando os dentes, resmungando algo como "Tô de saco cheio de ser fofo, vaitifudê"; e tem também um filme pornô brasileiro chamado "O E. Tesão", trééchi). Mas o filme, que poderia ser um baita de um abacaxi, ainda se sustenta como grande cinema, como uma obra interessantíssima, que forma com "Tubarão" e "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" a trindade dos grandes trabalhos do Spielby.

    A narrativa de "E. T." é toda elaborada do ponto de vista das crianças. Tirando a mãe dos garotos que abrigam o E. T. e o personagem de Peter Coyote, que viu um feioso daqueles quando, lógico, era criança, os outros adultos não têm suas faces mostradas _na famosa seqüência em que o E. T. se entope de cerveja na frente da TV e o menino Elliott liberta os sapinhos que seriam dissecados na aula de biologia, só vemos as pernas do professor, por exemplo.

    Spielberg filma muito bem e deixa, pela primeira vez, as marcas de seu cinema estilo Disney, feito para a família americana. Nesta nova versão de "E. T.", o politicamente correto impera _em vez de revólveres, os policiais seguram walkie-talkies, graças a alterações feitas por computador. O resultado é tosco, já que podemos ver o dedinho do gatilho no ar... É, o Spielby amoleceu ainda mais, depois de velho (vide a pataquada no final do bom "Inteligência Artificial")...

    Mas apesar de todas as referências bem-humoradas a "Star Wars" e até a "Laranja Mecânica", passando por Peter Pan ("Hook", lembram daquela desgraça?), o que pega mesmo em "E. T." é a emoção, apoiada, claro, pela famosa trilha sonora de John Williams. A cena final, em que o pequeno Elliott e o E. T. se abraçam, é uma das mais emocionantes do cinema. É, vai. Ah, e mais uma coisa: a Drew Barrymore pequenininha é a coisa mais lindinha do mundo (muito mais do que o E. T. tosco, óbvio). Coitada, ela deve ouvir isso até hoje...

    Nota: 10/10

    terça-feira, maio 14, 2002

    Os Excêntricos Tennenbaums

    Rapidão: é mais um desses filmes em que quase tudo acontece em função do elenco. Gene Hackman, Anjelica Huston, Gwyneth Paltrow (ótima como a freakish Margot _my kind of woman, by the way), Ben Stiller, Danny Glover, Bill Murray... Todos estes e muitos outros juntos para contar a história da família Tennenbaum e dos que a rodeiam.

    Todos os personagens são um tanto caricatos e estereotipados _não daria tempo para enfocar profundamente tanta gente, a não ser em um romance. O enredo tenta dar conta deste mosaico, e é razoavelmente bem-sucedido ao se concentrar nas idiossincrasias mais visíveis de cada um.

    A história gira em torno do personagem de Gene Hackman, o patriarca dos Tennenbaums, família que produziu três gênios mirins: um empresário, um grande tenista e uma dramaturga. Separado da mulher e da família, ele tenta a reconciliação após enfrentar problemas financeiros.

    Aí, terá de enfrentar a resistência dos filhos e do pretendente à mão de sua ex-mulher, além de lidar com os problemas de cada um (e com o impagável empregado Pagoda, que tem a curiosa mania de esfaqueá-lo): o mais velho perdeu a mulher e estressa os filhos com uma superproteção desnecessária; o tenista sofre com a paixão que nutre pela meia-irmã; a depressiva Margot abandona o marido, a quem traía constantemente. E o melhor amigo das crianças, um escritor que se veste de caubói, é viciado em drogas.

    A trilha sonora, sensacional, tem imenso destaque no filme. Escutar “Judy Is a Punk” no cinema é simplesmente uma delícia. E a voz da Nico é foda. Acho que é tudo o que preciso dizer.

    Nota: 7,5/10

    segunda-feira, maio 13, 2002

    Assassinato em Gosford Park

    Não gostei tanto assim de "Short Cuts", apesar de ter o Tom Waits no elenco (preciso rever este filme para ter um conceito mais definitivo), "Dr. T. e as Mulheres" foi decepcionante, ainda não vi "M. A. S. H." (vergonha, vergonha), mas fiquei entusiasmadíssimo com "O Jogador", estrelado pelo bom Tim Robbins (um dos poucos filmes que, revisto, é tão bom quanto da primeira vez).

    Então fiquei a fim de conferir "Gosford Park" assim que ele estreou. Dez dias depois da estréia _quando o trabalho permitiu_, lá fui eu.

    Sala 6 do Pátio Higienópolis, a maior de todas. Estranho, para um filme não tão comercial assim, embora esteja na corrida pelo Oscar, que ocorre no próximo domingo _escrevo este texto no início de 21 de março de 2002, a quem interessar possa.

    Trailers, muitos trailers. Quase 20 minutos, I guess (saí sem relógio, ufa). E tem um daqueles trailers "interativos". Um comercial dos novos sabores de Fanta faz o cinema ser invadido por quatro atrizes em coloridos vestidos de noiva, distribuindo chaveiros. Eu ganhei um porque estava sentado na ponta (crianças, saibam que sentando na ponta vocês estão sujeitos à interatividade. Uma vez eu fui ver uma montagem teatral de "Dois Perdidos Numa Noite Suja", do velho Plínio Marcos, com o amigo Valmir Santos na rua Aurora _sim, era numa dessas casas de strip-tease e shows de sexo explícito bem podronas, usada pela companhia como sala de teatro. Só por que me sentei na ponta da fileira, a atriz que interpretava uma puta sentou no meu colo e fez eu passar a mão nas coxas e na barriguinha dela. Ah, a peça também foi muito boa).

    Mas voltando ao filme de Altman: eles não deixam claro, nos créditos, que se trata de um filme baseado em "A Regra do Jogo", clássico de Jean Renoir do fim da década de 30 _filmaço, belíssimo.

    A história se passa em uma mansão, durante um fim de semana em que vários convidados se reúnem para caçar pássaros. O mote do filme é a dicotomia entre patrões e empregados, separados por uma evidente barreira social.

    Como o título em português diz, há um assassinato. Mas o filme não é um "whodunit". O mistério é desprezado em detrimento das relações pessoais entre a decadente aristocracia inglesa e os empregados.

    Altman recheia a tela de personagens, os diálogos ocorrem quase que simultaneamente, há um certo naturalismo na interpretação e na filmagem dos personagens. Mais um desses quebra-cabeças bem montados, que, entretanto, me entusiasmou muito menos do que o magistral "O Jogador" (e mais, a princípio, mais do que "Short Cuts"), um dos melhores filmes já feitos sobre os bastidores de Hollywood.

    Nota: 7,5/10

    domingo, maio 12, 2002

    O Poder Vai Dançar

    Impressionante como este filme teve pouca repercussão. Deve ser por causa do tom político, bastante caro a Tim Robbins (ator que estrelou o fabuloso "O Jogador", de Robert Altman), como já pudemos constatar em "Bob Roberts", no qual o espírito da folk music dos anos 60 é distorcido por um político fascistóide.

    Aqui, surge mais uma vez o tema da Grande Depressão, que assolou os EUA em 1929, após o famoso "crack" da Bolsa de Nova York, e adentrou os anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial.

    Se a Grande Depressão é o pano de fundo, o tema do filme é a arte, ou melhor, "a prostituição da arte", como é dito no filme. É um tema controverso. O dilema de a sociedade nutrir os seus artistas, que, a rigor, podem ser considerados "inúteis", em uma abordagem igualmente controversa _o que é mais necessário para a sociedade, um músico, um médico, um agricultor ou um engenheiro?_ ganha ares mais dramáticos não apenas pela falta de dinheiro, mas também pela perseguição aos ideais socialistas, em ascensão nos anos 30.

    Robbins aborda esta questão usando personagens reais, como o empresário do petróleo Nelson Rockefeller e o pintor Diego Rivera _este é contratado pelo primeiro para pintar um mural no Rockefeller Center, mas tem sua obra destruída por glorificar Lênin.

    Seguindo de perto o estilo de seu mestre Altman, Robbins, costura várias histórias paralelas para montar o quadro de "O Poder Vai Dançar". Um compositor, interpretado por Hank Azaria, depois de sentir na pele as agruras da época, aliadas à perda da esposa, cria um musical atacando os industriais e glorificando o sindicalismo. A peça agrada à diretora do Federal Theater, que indica Orson Welles para produzi-la. John Turturro e Emily Watson são dois dos atores _na vida "real", ambos passam por apuros financeiros. O Federal Theater acaba sendo alvo da investigação governamental sobre atos "antiamericanos" _a personagem de Joan Cusack dá um depoimento paranóico e provoca a demissão de milhares de pessoas. Bill Murray é um ventríloquo _ainda existem ventríloquos ou vaudeville?_ cujo boneco acaba servindo de metáfora para a morte do Federal Theater. Jack Black (o Barry de "Alta Fidelidade") é um de seus aprendizes, presente na belíssima cena final. And so on... Enfim, um pequeno grande filme, invulgar para os padrões hollywoodianos. Se vire pra ver.

    Nota: 8,5/10

    sexta-feira, maio 10, 2002

    O Homem Que Não Estava Lá

    Domingão besta, o tédio ataca com uma força raras vezes vista. Tinha convidado uma amiga para ver este filme comigo, mas ela ficou doente e perdeu. Felizmente consegui falar com a Ana, a quem não via desde dezembro, e fomos assistir ao mais recente filme dos irmãos Coen _infelizmente fomos ao Belas Artes, que tem as piores cadeiras da história, além de a tela ser muito ruim, e não no Unibanco, que costuma ser lotadíssimo no fim de semana.

    A exemplo de "Fargo", "O Homem Que Não Estava Lá" dispensa maneirismos de câmera e concentra-se em contar linearmente a história de um homem comum, Ed Crane, que trabalha como barbeiro na loja de seu cunhado. Crane, um homem silencioso e "not entertaining", em suas próprias palavras, é casado com uma mulher ambiciosa, interpretada por Frances McDormand.

    O desejo de vingança levará Crane a chantagear o chefe de sua esposa, com quem ela tem um caso. As conseqüências dos atos do barbeiro calado completam este enredo cheio de reviravoltas, dignos das histórias policiais do cinema "noir".

    Com uma belíssima fotografia em preto-e-branco, "O Homem Que Não Estava Lá" é um grande veículo para Thornton, que ganha cada vez mais espaço em Hollywood. McDormand, o grande destaque de "Fargo", não tem muita chance de brilhar aqui, embora esteja bem, assim como James Gandolfini, de "The Sopranos", e a menina pianista.

    Entretanto, o filme não me agradou tanto quanto os filmes mais bizarros e escrachados dos Coen, como "Oh, Brother, Where Art Thou?" (que, no Brasil, ganhou como título uma frase de surfista) e "Raising Arizona". Acho que o meu gosto pelo exagero e pelo nonsense tem algo a ver com isso. Mas não está mais aqui quem falou.

    Nota: 7,5/10

    terça-feira, maio 07, 2002

    Homem-Aranha

    Sim, eu já vi o novo filme do Homem-Aranha, o grande blockbuster de 2002. Vi ontem de manhã, em companhia de meu irmão Danilo, em sessão para jornalistas, no shopping Villa-Lobos. E, para que as atuais raras e mais do que especiais leitoras deste site possam ouvir algo sobre a obra, que estreou nos EUA na sexta passada e só chega por aqui no dia 17, interrompo a lenta publicação dos textos mais antigos para dar logo o recado.

    Mas, antes de falar do filme, vamos falar do personagem. Quadrinhos de super-herói são para crianças e adolescentes (não que um monte de adultos os leiam _tem muito trintão que lê até “Dragon Ball”), são uma diversão ingênua, bobinha etc. Tiveram seu grande “boom” no final dos anos 30, quando os EUA ainda sentiam os efeitos da depressão econômica iniciada com a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, e pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial (a guerra, inclusive, foi tema saboroso para os autores, que usavam as histórias para aumentar o moral das tropas e do povo, com personagens patrióticos como o Capitão América).

    O Homem-Aranha surgiu bem depois, no início dos anos 60, e foi um personagem revolucionário: pela primeira vez, os superpoderes foram encarados não como uma bênção, mas como uma maldição. Não que os heróis dos quadrinhos não tivessem seus dilemas, mas pelo menos o Super-Homem era um repórter bem-sucedido, o Batman era milionário (assim como o Homem de Ferro), o Thor era um deus etc.

    Já o Homem-Aranha... coitado. O pobre do Peter Parker é um baita de um fodido. Órfão, sempre sem dinheiro, tendo problemas na escola, sendo abusado pelo patrão J. Jonah Jameson, levando bronca da tia May, apanhando do fortão Flash Thompson, levando fora da mulherada, fugindo da polícia, passando as noites em branco, temendo pela segurança dos amigos... Invariavelmente, as histórias escritas por Stan Lee acabavam em tom de lamúria, com o herói lamentando sua sorte irlandesa. Era deprimente.

    Como era de se esperar, um filme de cerca de duas horas dificilmente conseguiria demonstrar todas as nuanças do personagem. Mas a reação de boa parte das pessoas (todas do ramo das HQs) com quem comentei a obra, logo após sua exibição, foi positiva: “Homem-Aranha”, dirigido por Sam Raimi (o mesmo de “O Dom da Premonição”), é mais fiel à HQ do que se esperava.

    Claro que há diferenças. A mais gritante delas é a confusão entre a personagem Mary Jane Watson (interpretada por Kirsten Dunst, de “Entrevista com o Vampiro” e “As Virgens Suicidas” _ela não ficou tão bem ruiva, que pena) e a clássica Gwen Stacy, a primeira paixão do amigo da vizinhança.

    Na HQ, Gwen tinha uma relação atribulada com Peter (não sem se envolver também com Flash Thompson, o típico atleta de colégio _depois ele acabaria lutando na Guerra do Vietnã), e Mary Jane namorava o perturbado Harry Osborn (o filho do Duende Verde), personagem que também foi revolucionário, graças a seu vício em drogas, assunto complicado de ser abordado em uma HQ norte-americana, ainda mais nos anos 60/70 _beeem antes de "O Clone").

    Em um dos momentos mais trágicos dos quadrinhos, Gwen é assassinada pelo Duende Verde (o “Coringa” do Homem-Aranha) _a história é recriada neste “Homem-Aranha”, mas é claro que Mary Jane (que aqui é mais Gwen do que Mary Jane, no final das contas) sobrevive, afinal, um campeão de bilheteria pede um final feliz, embora o final desta obra não seja 100% "feliz" _caso contrário não seria uma história do Aranha...

    O filme aproveita apenas um vilão, o Duende Verde, o mais clássico de todos, dentre a imensa galeria de oponentes do Aranha (pena que o Doutor Octopus sequer aparece). O bom Willem Dafoe não lembra muito o Norman Osborn original (Harry também está bem diferente), e a versão 2000 do Green Goblin é bem esquisita (embora se o visual clássico do biltre tivesse sido adotada, provavelmente ficaria ainda mais inverossímil).

    Tobey McGuire está ótimo como o Peter Parker, embora o rapaz, no filme, não se queixe tanto da vida como nas HQs. Mesmo assim, apenas pela sua voz, dá pra perceber que o Parker é um coitadinho. Mary Jane está esquisita (a original tinha mais jeito de chave-de-cadeia, esta do filme é meiguinha demais), assim como a tia May (meio gordinha e um tanto jovial). Sensacional mesmo é a caracterização de J. Jonah Jameson, o editor do “Clarim Diário”, que move uma campanha para sujar o nome do bom e velho escalador de paredes.

    As cenas de luta com os bandidos “normais” são muito bem-coreografadas, e os passeios de teia por Nova York (sim, há patriotadas pós-11 de setembro...) são sensacionais _no filme, a teia é orgânica, ao contrário da HQ, onde o cientista-mirim Parker criava uma teia sintética, equipada em um disparador mecânico.

    O filme não lembra muito o estilo de Raimi (diretor também da série “Uma Noite Alucinante”, do faroeste “Rápida e Mortal” e do grande “Um Plano Simples”), o que não é de espantar, já que estamos falando de uma superprodução criada para faturar centenas de milhões de dólares _e já está faturando...

    Enfim, "Homem-Aranha" é blockbuster típico de Hollywood, mas pelo menos é uma honesta peça de entretenimento, para assistir, achar legal e só. Nada tão antológico quanto os quadrinhos, mas pelo menos não fizeram um filme “trash”, indigno do carismático personagem (como a horrenda série televisiva criada no início dos 80, na cola de "O Incrível Hulk" e "Mulher Maravilha"). Será que você vai conseguir não assisti-lo, depois de tanto marketing maciço?

    Nota: 7,5/10

    domingo, maio 05, 2002

    Onze Homens e um Segredo

    Eu queria ver "O Homem Que Não Estava Lá", mas a Clarah estava doente e não pôde ir. Aí quem ficou doente fui eu. Mas a Teca havia acabado de voltar de Florianópolis e queria me dar presentes. Como eu não gosto de ficar furando com os amigos, aceitei ir com a recém-chegada, mesmo resfriado e febril, ver "Onze Homens e um Segredo", que estava passando perto de casa.

    E, pôxa, não entendi por que a crítica foi tão benevolente com o filme. O remake de "Ocean's Eleven", filme de uns quarenta anos atrás estrelado pelo "rat pack" composto pelas figuraças Frank Sinatra _apenas o popstar do século. E ainda tem gente que não gosta do velho "Blue Eyes", tsc, tsc_, Dean Martin e cool Sammy Davis Jr, é um filme tão simples como implausível.

    Dirigido pelo Steven Soderbergh, o mesmo de "Traffic" e "Sexo, Mentiras e Videotape" _a Teca, que não é chegada em Hollywood e prefere filmes franceses (ela gostou de "Terra Estrangeira", eca!), não acreditava_, a bagaça, quase que só estrelada por homens _a exceção é a estragada Julia Roberts_, a exemplo do clube do Bolinha que é "Snatch", galãs como o George Clooney, o Brad Pitt e o Matt Damon _what? O Matt Damon é galã? Aquele franguinho depenado? Ugh_, é mais um exemplar dos famosos "filmes de assalto", como o ainda pior "A Cartada Final".

    Clooney é Danny Ocean, ladrão que, assim que sai da prisão, arregimenta um bando de meliantes para roubar três cassinos pertencentes a Terry Benedict (Andy Garcia). E além de roubar a grana preta _US$ 160 milhões_, o cara quer recuperar a esposa (a Julia Roberts), que começou a namorar Benedict depois que Ocean foi pro xilindró.

    O roubo é quase impossível, mas não só Ocean e seus comparsas _o co-protagonista é Pitt, que entra em cena ensinando as manhas do pôquer para astros de seriados americanos, como o Eric de "That 70's Show", o Pacey de "Dawson's Creek" e a Piper de "Charmed", lidera o grupo_ elaboram um plano perfeito, como conseguem executá-lo à risca, sem que nada dê errado. Lembra "Get Shorty", aquele filme em que o John Travolta também não dá um passo em falso. É irritante.

    Soderbergh é profissional e deixa a personalidade de lado. Difícil saber qual é a do cara. Bem, ele está escrevendo sua história, vamos ver o que o futuro lhe reserva... Porque aqui, em "Ocean's Eleven", não há surpresas.

    Nota: 6/10

    sábado, maio 04, 2002

    A Bruxa de Blair 2

    Pouco mais de dois meses após ter visto "A Bruxa de Blair" na TV a cabo, é exibida a continuação, que, como eu imaginava, é bem inferior ao original.

    Novo diretor, seqüência bastante diferente do original, como não poderia deixar de ser. "A Bruxa 1" é um filme revolucionário, é praticamente impossível retomar a história nos mesmos moldes.

    Mas "A Bruxa 2" não precisava ser um filmeco de terror tão chinfrim. Desses em que a conclusão da história _por falta de talento do roteirista_ é confusa e nada fica muito bem explicado _não que um enredo mastigadinho seja condição sine qua non para uma obra de qualidade (lembremos "A História Perdida", de David Lynch, por exemplo).

    O início do filme promete, ao resgatar um pouco do espírito do original, misturando ficção e documentário. Mas a receita logo desanda, e "Bruxa 2" vira mais um filminho de terror adolescente, do tipo "Dia dos Namorados Macabro", com direito a trilhinha sonora com grupelhos de nu-metal _exceção honrosa para "Feel Good Hit of the Summer", do Queens of the Stone Age. Nem diverte nem fascina _a gótica poderia ter aparecido pelada, pelo menos.

    Nota: 4,5/10

    sexta-feira, maio 03, 2002

    O Quarto do Filho

    Tinha tentado ver este filme, ganhador da Palma de Ouro em Cannes/2001, com a minha querida amiga Ana Cândida, na Mostra, mas foi impossível, devido à grande procura. Vi-o agora, em fevereiro de 2002, em companhia da Teca, que não gosta de ser chamada de minha fã.

    Como sempre, cheguei em cima da hora, e pegamos pela metade o já famoso curta/documentário em que Nelson Pereira dos Santos homenageia o IMENSO sambista Zé Kéti com uma feijoada e uma roda de bambas da velha guarda. É emocionante ver os velhinhos prestando tributos à voz do morro _quem achou "Buena Vista Social Club" bom deveria saber que o Brasil dá de mil a zero em Cuba, em se tratando de música popular tradicional. É de chorar.

    O que não é de chorar tanto assim é o filme de Nanni Moretti _eu já não havia agüentado assistir a "Caro Diário", que, milagre, passou uma vez no "Intercine". Não porque o "O Quarto do Filho" seja mesmo bom, mas porque não é um dramalhão tão apelativo e rasgado como "Dançando no Escuro" _a Kate, ex-namorada que viu a obra do Lars von Trier estrelada pela Björk comigo, nunca entendeu porque eu não chorei_ ou aquela antiga minissérie "O Homem Que Veio do Céu", urgh.

    Entonces, Moretti novamente é o protagonista, um psicanalista acusado de ser um tanto frio demais com seus pacientes. Ele, sua esposa e sua filha terão de enfrentar a dor de perder o caçula da família, Andrea, que morre em um acidente quando mergulhava no mar.

    O que se segue é a culpa que o pai sente, sua tentativa de tentar fazer o tempo voltar atrás e impedir a tragédia que se abateu sobre a família. Não vale a pena comentar aqui os inúmeros detalhes do enredo do filme, que me decepcionou um pouco enquanto eu o assitia, mas que revelou-se muito bonito depois de algumas horas. Ah, a belíssima música de Brian Eno, "By This River", tema da película, tem muito a ver com o espírito honestamente melancólico da obra.

    Nota: 8,5/10

    quinta-feira, maio 02, 2002

    Latitude Zero

    Então a Teca me ligou _ou escreveu, não lembro_, dizendo que tinha convites para a pré-estréia deste filme _sobre o qual ela não sabia niente, aliás_ e para "O Quarto do Filho". Como estava louco para ver o segundo _tentei com a baby na Mostra de 2001, mas estava lotado_, mas dava também para ver o primeiro, combinamos de não perder nenhum. A semana já estava salva.

    Ainda não tinha ido ao Centro Cultural Banco do Brasil, no centrão de Sampa, bem próximo da Praça da Sé. Falar a verdade, fazia tempo que eu não andava na região _ultimamente só andei mesmo pela República, para ir às galerias, buscar encomendas na London. Ficamos um tanto impressionados, parece que a área está mesmo reagindo, sendo revitalizada, Já não era sem tempo.

    O CCBB _ou pelo menos a pequena parte que pudemos ver_ é um espaço bem bonito. De cara vemos o Fernando Bonassi, autor da peça que inspirou o filme, depois o Amir Labaki, curador da mostra dedicada ao cinema paulista, inaugurada com a pré-estréia deste filme de Toni Venturi, que, em seu discurso introdutório, disse que não ia falar do filme, que "falaria por si só", mas falou que o mesmo era "visceral e radical". Hmm.

    Bem, no geral, "Latitude Zero" _eu já havia presenciado a leitura do roteiro meses antes, no auditório da Folha_ é um filme simples _são apenas dois atores em cena, somente uma locação, uma fazenda matogrossense_ e de produção bastante esmerada. A cenografia é ótima, não notei malabarismos desnecessários com a câmera ou muitos enquadramentos afetados, a fotografia é um tanto exagerada demais, pessoalmente eu prefiro uma iluminação mais realista, mas é claro que isso depende dos objetivos do projeto.

    O que me incomodou mais do que tudo é a interpretação dos atores, Débora Duboc e Claudio Jaborandy _ambos muito bons, diga-se. Eles atuam de forma teatral demais, o roteirista falhou ao não conseguir transmitir para os diálogos a naturalidade que o cinema, muitas vezes, pede. Essa é, de longe, a grande falha do filme, que, de resto, até que deixa-se ver _e esquecer_ numa boa. Não mais do que isso, infelizmente.

    Nota: 6,5/10

    quarta-feira, maio 01, 2002

    História Real

    Tentei chamar a baaaby para ver este filme comigo, mas ela tinha de ir ao médico; isso foi pouco antes do Carnaval de 2002. Não estava a fim de ir sozinho e achei que ia perder o "novo" _sim, porque demorou muito pra passar por aqui, tanto que ele já fez outro filme, "Mullholland Drive", que anda dividindo opiniões por aí_ filme do David Lynch, aquele, você sabe, de "Twin Peaks", "Coração Selvagem" e "Veludo Azul", entre outros.

    Domingão de Carnaval, eu de bobeira em São Paulo _normalmente eu estaria chapando o coco em Votuporanga, mas os Mescaleros, o meu valente bloco de Carnaval que teve seu nome gloriosamente chupado pelo meu amigo Joe Strummer, foram mesmo pro vinagre, então "the carnival is over"_, recebo um telefonema da Teca, uma radialista/cineasta que viu meu e-mail na Ilustrada e resolveu me escrever. Combinamos de nos encontrarmos lá no Espaço "Unibancool" de cinema no dia seguinte.

    Não sou chegado em "blind dates", mas como não era "date", apenas "blind", OK. Feriadão, Sampa esvaziada, metrô embaçado _mais de dez minutos perdidos nas baldeações_, o que me fez atrasar. O que foi bom, porque não precisei assistir ao curta que estava passando _nada contra curtas, mas têm uns que são dose. O problema foi me sentar bem na segunda fileira, na área do torcicolo. Ah, a Teca foi fácil de reconhecer, porque era a única mulher sozinha no local.

    Não deu pra conversarmos muito antes do filme. Engraçado é que depois de passarmos no Frevo _tinha uma placa comemorando o fato de que a "Revista da Folha" escolheu o beirute do bar como o melhor de São Paulo, doideira_ e no Conjunto Nacional para um café _eu não tomo café nem nada (eps, quero dizer...) que possa causar dependência química, enough's enough_, encontramos a Dri, Adriana Ferreira para os íntimos, que trabalhou anos comigo na UNE e hoje está no "Guia da Folha", acompanhada de sua respectiva mama. É como eu falei: Sampa é uma cidade pequena e sem nada de bom para fazer, então as pessoas de bem ficam zanzando na Paulista. Se eu estivesse em Votupa, estaria na balada forte.

    Antes de finalmente falar do filme, só pra registro: fiz a Teca descer a Angélica comigo, passamos no Pão de Açúcar só para olhar os preços das bebidas alcoólicas e dos produtos de limpeza _eu estava com sede, OK?_ e fugir do cheiro detestável dos queijos. Blé. E ela ficou puta porque eu odiei "Terra Estrangeira", me achou com cara de budista (what?) e disse que eu seria um ótimo entrevistado para um documentário.

    Talvez toda essa atividade posterior se deva ao fato de que "História Real" é um filme lento, lento. O que não quer dizer que seja chato. Parece mesmo ser uma crítica, ou pelo menos um atestado, de como a vida moderna se acelera cada vez mais.

    Alvin Straight, soberbamente interpretado por Richard Farnsworth, indicado para o Oscar de melhor ator pelo papel, é um senhor de 73 anos que vive com a filha Rose _Sissy Spacek, a "Carrie", um dos rostos mais marcantes do cinema americano. Um dia, recebe um telefonema avisando que seu irmão Lyle, com quem ele brigou feio e não fala há mais de dez anos, teve um derrame. Decidido a reencontrar seu mano, que mora a uns 500 km de distância, ele constrói um trailer, compra suprimentos (salsichões, salsichões) e sai dirigindo um... cortador de grama.

    Estamos diante de uma espécie de "road movie" a 5 km/h _dá para fazer o contraponto com a velocidade e o hermetismo de "A Estrada Perdida". Há uma cena em que ciclistas participando de uma competição ultrapassam Alvin, e ele mal consegue enxergá-los, não apenas por seus olhos não serem os mesmos de outrora, mas porque eles parecem se mover a uma velocidade absurda. E são apenas bicicletas...

    Talvez o filme menos bizarro de Lynch, "História Real" exalta, através de Straight, valores como a importância da família, da paz _Alvin relata em conversas os horrores da Segunda Guerra, na qual combateu_, da solidariedade, da vida simples. O filme é bonito, o final é aquilo que se espera de Lynch e reforça aquele velho ditado _bem, não sei se isso é um ditado, embora seja um baita de um chavão, mas, lá vai: "O importante não é a chegada, e sim a travessia".

    Nota: 9/10

    Vida Bandida

    Depois de muito tempo (tempo é relativo, pra mim era muito), eis-me de volta a Votuporanga, com meus amigos de infância. Balada forte, estava na festa há uns oito dias sem parar, minha família quase não me viu. Excessos em excesso me agradam.

    Na despedida de um dos amigos, decidimos relaxar, pegar um filminho no único cinema da cidade _meu amigo, minha amiga, se você vive na capital de São Paulo e não sabe o que é o nosso Brasil... cinema aqui é raridade.

    O ingresso custa R$ 3, as cadeiras foram reformadas (ainda incomoda o pouco espaço para as pernas), o som e a imagem melhoraram, não melhora apenas o mais difícil de tudo: a educação do povo.

    E os filminhos de segunda. Felizmente, não me lembro quem dirigiu esta bomba que é "Vida Bandida". Dois bons atores _Billy Bob Thornton e Cate Blanchett_ desperdiçados, um Bruce Willis sem brilho, e muito ronco.

    Enredo? Uma merda. Bruce e Billy Bob são dois ladrões de banco "bonzinhos", que não usam de violência (coisa de Primeiro Mundo, entende?). Bruce é metido a gostosão, Billy Bob é hipocondríaco, e os dois recebem da mídia o apelido de "Bandidos Hóspedes", porque eles fazem uma visitinha ao gerente do banco que vão roubar na noite anterior ao golpe.

    Um belo de uma porra de dia, aparece em seus caminhos Cate Blanchett, uma perua-dona-de-casa-desocupada-e-mal-amada que acaba se engraçando com os dois. Então o filme, que parecia ser uma comédia policial, ganha os contornos _e recheio_ detestáveis de uma comédia romântica.

    A partir daí, a breguice come solta. "Total Eclipse of the Heart" pra lá, Cate Blanchett cantando música de Burt Bacharach à beira de uma fogueira à noite em uma praia pra cá... E o negócio começa a dar no saco. Aquele sorrisinho besta do Bruce Willis é difícil de engolir.

    O final é previsível, embora inverossímil, demais. Meus amigos gostaram (a bicha do Fernandinho ficou desdenhando "Monstros S/A" sem sequer tê-lo visto _e olha que ele era chegado em teatro infantil), um monte de gente que eu conheço gostou, o que me deixou um tanto irritado. Sinceramente, esse filme foi ainda pior que o próximo filme que vi em Votuporanga ("American Pie 2", urgh _o texto sobre esse filme ficou tão ruim que vou poupá-los do desprazer de lê-lo) neste atribulado janeiro de 2002... Mas é assim mesmo, no sertão só passa "Sessão da Tarde"... E eu perdi "Apocalypse Now Redux", goddamnit! Ah, mas a sinuquinha na madrugada, no Bar do Serjão (mais conhecido como Sr. Burns _foi em seu distintíssimo estabelecimento que conhecemos a moça-desconhecida-e-machucada que virou nossa amiga), foi massa.

    Nota: 3/10

    Na platéia