A gruta é mais extensa do que a gruta

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    domingo, agosto 29, 2004

    Igual a Tudo na Vida / Edu Coração de Ouro

    Pamonha quentinha, pamonha cremosa. Vem chupar minha maionese, porque ela é a mais gostosa.

    Quem acha que quem já viu um Woody Allen viu todos levanta a mão? A pergunta não é injusta, especialmente para quem já assistiu a "Interiores" e "Setembro" ou a "Annie Hall" e este "Anything Else" (que diziam ser o filme em que Allen finalmente abordava questões relativas a Israel _tremenda bobagem), por exemplo. São filmes muito parecidos entre si, por razões mais do que óbvias. E nem é este o problema; Allen é um autor, portanto tem estilo. Já sabemos o que vem por aí e, de certo modo, nos sentimos reconfortados ao vermos que certas coisas não mudam.

    Bom, certas coisas mudam, é claro. Allen, hoje, quase um septuagenário, precisa recorrer a um ator como Jason Biggs para interpretar uma espécie de alter ego mais jovem. E Biggs é muito mais sem graça do que Allen (o filme ganha muito quando o velho diretor neurótico também está atuando). A mulher que vira a cabeça do comediante (ou escritor ou qualquer outro personagem típico de Allen) em um relacionamento mais do que conturbado, desta vez, é a minha querida Christina Ricci, aqui interpretando uma moça muito da chatinha, mas que tem seus atrativos.

    Claro, há as decepções, como o normalmente grande (chamar o cara de grande é sacanagem?) Danny De Vito, que aqui é bem mal aproveitado. Por outro lado, temos a presença esplendorosa de Stockard Channing, a inesquecível Rizzo de "Grease", que protagoniza, ao piano (precisa falar que o jazz _Billie Holiday e Diana Krall estão em destaque_ é praticamente uma personagem à parte?), uma cena não menos do que linda. E dá para não se identificar quando Biggs, estupefato e meio com raiva, clama: "Não acredito que me apaixonei por uma fumante!"?

    Contemporâneo de Allen (este é apenas alguns meses mais velho), o nosso Domingos de Oliveira já foi chamado de "Woody Allen brasileiro". O que não é bem verdade e sequer é muito justo, apesar de a comparação ser pretensamente elogiosa, já que o pai da Maria Mariana começou a fazer cinema bem antes do que o judeu nova-iorquino quatro-olhos (por sinal, Oliveira co-escreveu e co-dirigiu, com Joaquim Pedro de Andrade, o clássico episódio "Couro de Gato", considerado o melhor de "Cinco Vezes Favela", de 1962).

    Este "Edu Coração de Ouro" (1968), seu segundo longa, veio na cola do sucesso "Todas as Mulheres do Mundo", do ano anterior. O casal Paulo José e Leila Diniz volta a marcar presença, mas é o primeiro o protagonista e personagem-título. E o tal Edu não tem nada a ver com Nova York e a psicanálise (a não ser quanto tenta passar uma cantada numa bela psiquiatra, vivida pela Norma Bengell). É mais um malandro carioca, mas não o malandro do morro que apanha da polícia, mas o burguês que, aos quase 30 anos, nem quer saber de trabalhar (está desatualizado, neste ponto; hoje em dia, ver alguém que está sem trabalho porque quer é uma ofensa dolorosa), só de farra e de mulher.

    O filme, feito às vésperas do AI-5, transborda de alegria, em contraposição, por exemplo, a "As Amorosas" (do mesmo ano e também estrelado por Paulo José, hoje, infelizmente, bastante afetado pelo mal de Parkinson), nos mostra belas mulheres (entre elas Joana Fomm e Dina Sfat), sem deixar de tirar um sarro do Cinema Novo (em sua festa de aniversário, Edu veste uma fantasia intitulada "Deus e o Diabo na Terra do Sol"). Mas também tem seus momentos sombrios e melancólicos, e a gente fica nessa eterna balança que é a vida, sem saber direito, no final, para qual dos lados ela vai pender. Um dia, a gente descobre. Feliz ano novo!

    P. S. Sei que ando atrasado para uma porção de coisas e estou devendo comentários sobre muitos filmes que passaram ultimamente. Então, vamos lá, rapidinho (a gente continua a conversa no espaço nobre, porém efêmero, deste velho site, a janela de comentários):

    "Irreversível", de Gaspar Noé, não é um grande filme, mas também não é péssimo como a crítica andou apregoando (e não digo isso só por causa da Momô pelada, motivo mais do que suficiente para vê-lo e revê-lo). Rasíssimo de conteúdo e nem sempre bem-sucedido na forma (de maneira geral, é bem mal-enquadrado), pelo menos é uma interessante experiência física. Agora, se o diretor foi corajoso ou metido a besta... Prefiro pensar que a primeira opção é a verdadeira. De qualquer forma, estou arrependido de não tê-lo visto no cinema.

    Conheço fãs de Godard que acharam "Passion" um filme "chato". Que injustiça! Até porque é muito menos disnarrativo (existe mesmo esta palavra?) do que poderíamos esperar. É um filme belíssimo (Rembrandt, Reubens _não é o Pee-Wee!_ e outros bambas são citados), extremamente sintonizado com a época em que foi feito (1982) e que traz atores estelares (Michel Piccoli, Isabelle Huppert, Hanna Schygulla, entre outros, todos interpretando personagens batizados com seus próprios nomes) atuando da forma mais discreta. Ah, e tem muita mulher pelada, também.

    "O Dia Depois de Amanhã" pode ser comparado a "Dança com Lobos" no quesito "filme mais politicamente correto do mundo". Diferente deles (e bem melhor) é "Pacto de Justiça", mais recente incursão de Kevin Costner no faroeste. Filme que, se um tanto lento e irregular, é emocionante para garotos como eu, fanáticos por westerns. O longo "showdown" é delicioso e brinca com alguns clichês de forma extremamente satisfatória. Nem tudo é perfeito, mas está longe de ser um programa desprezível.

    "O Satânico Dr. No" (1962) impressiona justamente por não se tratar de um filme espetacular; Bond não usa engenhocas de tecnologia de ponta para enfrentar o inimigo, e sim um fio de seus cabelos; não se trata de um super-herói, mas, como nota o vilão, de apenas mais um policial que falha e tem medo. Chega a ser meio decepcionante, também... Mas que Connery foi o melhor James Bond, alguém duvida? É isso aí!

    terça-feira, agosto 03, 2004

    Harakiri / Lugares Comuns / Fahrenheit 9/11

    She was long gone, long, long gone, she was gone, gone, the bigger they come the larger her hand 'till no one understands why for so long she'd been gone. And I stood very still by the window sill and I wondered for those I love still. I cried in my mind where I stand behind the beauty of love's in her eyes...

    Tony Montana, o ídolo número 1 dos gangsta rappers, já dizia: primeiro, você ganha dinheiro; com ele, você adquire poder; conseqüentemente, você consegue mulher. E é isso que move o mundo, meu chapa. Basicamente, quem consegue botar comida suficiente no bucho para conseguir reproduzir cumpre o seu papel nesta vida; o resto é perfumaria. É, é cruel, é selvagem...

    Cruel e selvagem como o capitalismo (e quando digo isto, não estou sendo míope e escolhendo um lado como esquerda ou direita, falo de um sistema bem mais amplo e complexo). Vejam o caso deste magnífico filme (datado de 1962 e também conhecido como "Seppuku") de Masaki Kobayashi (1916-1996), imenso cineasta japonês que merecia ser tão conhecido quanto Kurosawa, por exemplo.

    Poucas vezes vi, retratada na tela, uma história tão dolorosa _que não vou contar aqui, para não entregar as surpresas do enredo, mas adianto sua palavra-chave, que muito tem a ver com a gente: desemprego. Dolorosa e extremamente engenhosa, digna das maiores tragédias gregas, narrada soberbamente por meio de inúmeros flashbacks, enquanto a ação corrente se desenrola. Os diálogos são extremamente envolventes (nessas horas eu gostaria de ter continuado os meus estudos da língua japonesa _sim, eu gosto de estudar, apesar de não ser nerd, e me alfabetizei em japonês, também), e a atuação de Tatsuya Nakadai (uma das maiores estrelas daquele país, estrelou, entre outros, o "Kagemusha" e o "Ran" de Kurosawa e, septuagenário, está vivo e trabalhando até hoje) é monstruosa de tão boa. Mas o que mais impressiona é a decupagem: simplesmente não há, no filme inteiro (2h15 de duração), um plano sequer que não seja bom...

    Ah, e se vocês querem saber de onde o Tarantino tirou inspiração para a seqüência dos 88 Loucos em "Kill Bill Vol. 1", é só ir atrás deste filme. O do Taranta fica comendo poeira com sushi de quinta... Este longa é tão bom que chamá-lo de obra-prima soa como menosprezo. E dizem que "Rebelião", filme que Kobayashi lançou cinco anos depois, é ainda melhor... Quem aí já viu?

    Crueldade, crise, tristeza, (falta de) futuro, medo, todos esses fantasmas que sempre assolaram os seres humanos também estão presentes neste "Lugares Comunes" (2002), penúltimo longa (até agora) do veterano diretor, produtor, ator e roteirista argentino Adolfo Aristarain, em cartaz em São Paulo _e que só fui ver graças à bela senhorita que me acompanhava.

    Desemprego, também. Obviamente, o filme gira em torno da terrível crise econômica que se abateu sobre a Argentina e que também está sobre nossas cabeças (alguém aí ainda não percebeu que estamos quebrados, falidos, fodidos e mal pagos?). É um filme que fala sobre nós, também _assim como o do Kobayashi falava, do outro lado do mundo, 40 anos antes. E, apesar de tudo, o longa, que poderia ser muitíssimo mais cruel e pungente (o que talvez fizesse dele um gigante como "Harakiri"? Difícil, hein?), encontra beleza não exatamente na tragédia, mas numa esperança tão incompreensível quanto inevitável.

    Esperança seria justamente o que Michael Moore vê em John Kerry, aquele arremedo de milico? Seu novo "documentário", vencedor da Palma de Ouro no Cannes presidido por Tarantino, tem como único objetivo arrancar George W. Bush (inspirador do digníssimo grito de torcida "Aê, Bush, vai tomá no cu") da Casa Branca. Ah, e faturar muitos e muitos e muitos e muitos e muitos milhões de dólares, também...

    Mas, diferentemente do que meus irmãos haviam me falado, este filme é muito, muito melhor do que "Tiros em Columbine". Claro que o sensacionalismo continua lá, mas a apelação, quem diria, é bem menor, apesar da exploração que o man-sebo faz da dor de uma mãe que perde seu filho no Iraque (retratada por Moore como nação soberana, que nunca atacou os EUA nem matou algum cidadão americano _mas e o Saddam, era santo?).

    O ponto forte deste filme é justamente ir ao centro do problema: money, baby. Moore não apenas faz o máximo para classificar o Moita Filho como um preguiçoso, boçal, incompetente, idiota e desonesto (por que será que ele não mencionou o alcoolismo?), mas tenta jogar uma luz sobre as relações econômicas entre os EUA (em especial, a família Moita) e a Arábia Saudita, lar da família Bin Laden e um dos maiores produtores de petróleo do mundo (se não for o maior). Eu não me surpreenderia se alguém, um dia, viesse a revelar que o Osama, aquele homem bonito, segundo Caê, é, na verdade, agente da CIA...

    Sobre o dito 11 de Setembro (já virou feriado, por lá?), pouco se fala, na verdade (sequer vemos as manjadas imagens das torres caindo, isso o Moore deixou para "As Invasões Bárbaras" _filme que, por sinal, tem sido comparado a "Lugares Comuns", mas este último é bem melhor). Mas uma das coisas mais interessantes do filme é constatar, mais uma vez, que, se pelo menos Moore está longe de ser o típico redneck americano, o gordinho sujismundo é um dos maiores patriotas (e defensores do capitalismo) dos EUA. Como o Schwarza (só que Moore parece ser mais esperto e não deve se candidatar... ou não?). Ah, mas que é divertido vê-lo cutucando os políticos, isso é _só que quem aponta o dedo também tem teto de vidro. Como todos nós.

    P. S. O que mais impressiona em "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", à primeira vista, é o seu romantismo exacerbado e inesperado (como ocorre em dois filmes também recentes, porém bem melhores, "Simplesmente Amor" e "Embriagado de Amor"). Depois, o fato de o filme ter muito mais a cara do roteirista do que do diretor (será por isso que Kaufman detestou trabalhar com George Clooney?). Michel Gondry, famoso por seus videoclipes e filmes publicitários belos e inovadores, não mostra sua cara. E Jim Carrey finalmente consegue se libertar da comédia e entrega um personagem que não é nem um pouco engraçado (para quê? O que você quer provar, Jim? Sai dessa, rapaz!). O que não surpreende é o filme dividir opiniões, como sempre ocorre quando se trata de Kaufman, cuja marca é ironizar metalinguisticamente os clichês narrativos, para depois... empregá-los! Até agora, "Adaptação" continua sendo o seu melhor trabalho, de longe. Por sinal, um trabalho deveras romântico, também...

    P. P. S. Mais um trecho do livro do Merten, agora sobre dois diretores japatutas (e que mostra uma característica típica _até porque necessária_ dos textos jornalísticos: o uso de comparações):

    "A estética de Mizoguchi combina o olho do pintor e a alma do poeta, resume Jean Tulard em seu 'Dicionário de Cinema'. É (quase) toda ela calcada no passado e privilegia a mulher, transformando-a no centro de uma mise-en-scène que não escolhe entre a imperatriz e a prostituta, usando ambas para refletir sobre a condição feminina num mundo dominado pelos homens. Mizoguchi, nesse sentido, terá seu equivalente no Ocidente na obra de diretores americanos como Joseph L. Mankiewicz e George Cukor. O caso de Ozu é ainda mais complicado, o que não deixa de ser um paradoxo, pois ele é o mais simples dos cineastas. Simples, mas não simplista. Ozu representa a vertente intimista do cinema japonês. Será sempre o diretor da família, do ciclo das estações. (...) Ozu reconhecia que os filmes devem ter uma estrutura narrativa própria, caso contrário não seriam filmes. Mas ele também confessava que os filmes de enredos elaborados demais o aborreciam. Achava que o filme, para ser bom, tem de renunciar aos excessos, de drama e de ação. Apesar da diferença de temas (e estilos), comporta a comparação, pelo grau de exigência artística e pessoal, com o francês Robert Bresson."

    Na platéia