A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, junho 27, 2003

    X-Men 2 / Matrix Reloaded / Hulk

    Quiero llorar mi pena y te lo digo para que tú me quieras y me llores en un anochecer de ruiseñores, con un puñal, con besos y contigo.

    Eu sou bastante exigente quando vou ao cinema: faço questão absoluta de freqüentar boas salas e de me sentar em um bom lugar, ou seja, no meio. Nunca, em hipótese alguma (salvo lotação extrema, o que é muito raro), eu me sento nas laterais, por causa do som. Se você se senta nos lados, você só ouve meio filme; prefiro me sentar numa fileira bem na frente (também detesto sentar muito atrás, para não diminuir a sensação da tela grande _sou meticuloso a ponto de calcular a abrangência ocular, entre outras manias_, assim como não gosto de ficar em um nível extremamente acima do meio da tela), mas ficar no centro da mesma. E, para quem se interessa por zodíaco, sim, eu também sou virginiano, e daí?

    Estou dizendo isso por um simples motivo: a melhor coisa de "X-Men 2" é o som. É sério. Não perceberam? Um cuidado incrível com os nossos queridos tímpanos e trompas de Eustáquio. Obrigado, Bryan Singer e equipe.

    O primeiro "X-Men" foi legal, não? Um dos gibis mais populares de super-heróis (não um dos meus preferidos _eu sempre fui mais o Batman, que hoje acho ridículo) ganhou adaptação decente para a tela grande _bem melhor do que o infame desenho animado que passava na Xuxa (era Xuxa? Não sei). Um elenco muito bom, em geral _em especial, Ian McKellen como Magneto (não dá a impressão de que ele está se divertindo horrores?) e Hugh Jackman como Wolverine foram agradabilíssimas surpresas. Mas o longa de estréia da série (teremos uma trilogia?) tem alguns probleminhas, causados pela necessidade de apresentar os personagens não apenas para seus ardorosos fanboys, mas para gente que não fazia idéia do que era um mutuna: o exagerado, mas totalmente compreensível, foco em Wolverine prejudicou a obra, especialmente por causa da rixinha besta entre o velho Logan e o Cíclope, além da subestimação absurda do Dentes de Sabre, uma figura interessantíssima nos comics. Ainda assim, uma grande adaptação, um filme importante para o filão "HQ nos cinemas".

    O segundo filme é naturalmente superior por se dedicar muito mais ao seu enredo (muitíssimo bem amarrado, por sinal; é uma perfeita continuação do primeiro, não há muitos pontos sem nós), em grande parte embasado na origem de Wolverine (mais uma vez, o Jackman está espetacular, dando ao personagem um senso de humor altamente irônico que nem sempre é transmitido pelo gibi _o cara também é mais bonito do que o Wolvie dos quadrinhos, deliciando as moçoilas e as bibas), mas também por insinuar a transformação da Jean Grey na poderosíssima Fênix (mais uma vez: tomara que role o terceiro filme; o final deste não deixa muita escolha), além de apresentar outros mutantes importantes, como o Noturno (sensacional caracterização de Alan Cumming _aliás, o prólogo, no qual ele invade a Casa Branca, é a melhor parte, fácil, fácil), o Colossus e o grande Hank McCoy, que aparece por um segundinho (sério candidato a se juntar à trupe no terceiro filme, não?). Ah, e a pergunta fundamental: e a Mística, hein? Mais uma vez, mais uma vez: e a Mística, hein? Rebecca Romijn-Stamos, você merece.

    Ainda no ramo das continuações, "Matrix Reloaded". Começando do princípio: eu passei totalmente ao largo do fenômeno "Matrix" (por que não traduziram? Que saco!). Não vi o primeiro filme nos cinemas. Não aluguei em vídeo. Não havia lido praticamente nada a respeito, a não ser elogios vaguíssimos e dignos de desconfiança, como "o filme dos irmãos Wachowski (saúde!) revolucionou a ficção científica". Sejamos francos: revolucionou nada! "Blade Runner" é um trilhão de vezes mais revolucionário, só para ficar em um exemplo.

    Então, só fui assistir ao primeiro filme da trilogia (trilogia mesmo? Ou os irmãos Atchim vão dar uma de George Lucas?) poucos dias antes de o "Reloaded" estrear, porque o canal a cabo TNT o exibiu (eu havia me recusado a vê-lo no SBT). Não fiquei muito impressionado (provavelmente, se o tivesse visto num cinema, em 1999, a recepção teria sido melhor). Aliás, fiquei bastante decepcionado, em especial, nos trechos que se passam no suposto mundo real _a cenografia é pobre, lembra um sub-"Alien". Mas as famosas seqüências repletas de efeitos visuais, satirizadas à exaustão, são legais e merecem todo o frisson que causaram.

    No "Reloaded", a coisa não muda muito de figura, neste aspecto. A melhor coisa do filme, em termos de imagem, é a briga do Neo com os múltiplos Agentes Silva. Aquela cena é um triunfo cinematográfico. Aliás, o Agente Smith (o ator nigeriano Hugo Weaving já havia entrado para a história como a drag-leader do pequeno grande filme "Priscilla, a Rainha do Deserto") é o personagem mais legal da série. O trio Neo-Trinity-Morpheus não vale uma perna do óculos de sol do figura. Agent Smith rules! O único personagem que chega perto, em termos de carisma, é o Oráculo (interpretado pela boa atriz Gloria Foster, infelizmente morta em 2001).

    Mas eu preciso dizer que assistir a "Reloaded" foi uma espécie de tortura. O filme me deu um mal-estar tremendo, coisa que raramente acontece. E tal mal-estar não se deve a uma opinião negativa a respeito da obra (na verdade, gostei mais deste do que do primeiro, contrariando boa parte dos matrix-maníanos): eu simplesmente não via a hora de o filme acabar. Foi um suplício. Em especial naquela ceninha imbecil, nojenta e absolutamente desnecessária de kung-fu (que só perde para a asquerosa "cena de amor" entre Neo e Trinity, sub-"Nove Semanas e Meia de Amor" _talvez até tenha sido de propósito). Perda de tempo precioso, puras demonstrações de mau gosto.

    Quanto à outra questão imprescindível na série, o conteúdo, não gostaria de me manifestar antes de ver a trilogia completa. Não sou afeito a conjecturas e nunca dedicaria o meu tempo a discutir os "aspectos filosóficos" em "Matrix" (uma imensa colagem paródica, um sem-número de referências). Acho que o mosaico montado pelos irmãos Espirro é muitíssimo inteligente, sim, e muita gente boa que conheço leva a obra a sério (em algum casos, exageradamente demais). Para mim, é mero entretenimento-pipoca, e eu prefiro discutir outros sexos dos anjos, bem mais pertinentes, do tipo "o que querem as mulheres"?. Ah, e a pergunta fundamental: e a Persephone, hein? Mais uma vez, mais uma vez: e a Persephone, hein? Monica Bellucci, você merece.

    O outro filme que deveria ser sensação em 2003, "Hulk", nunca chegou a ofuscar os outros dois abordados neste texto. Perto das aguardadas seqüências de franquias milionárias, a história do maior palmeirense do universo conhecido era mesmo peixe pequeno.

    Eu estava esperando uma bomba, tal qual "Demolidor" (o qual nem vi, mas acredito que seja um lixo). Mas o filme, dirigido pelo Ang Lee, tem dignidade, apesar de não ser nenhuma maravilha. Nenhuma atuação chega a ser irritantemente ruim (teve gente que achou o Nick Nolte _a quem vivo confundindo com o Jeff Bridges_ um horror, mas eu não me incomodei com a maluquice de seu David Banner _nome usado para o Hulk da série dos anos 70, que eu via sempre na finada "Sessão Aventura", que deu lugar a "Malhação" nos fins de tarde da Globo), e, ao contrário de muita gente, não me incomodei nem um pouco com a "falsidade" do abacatão, que ficou mesmo parecendo o Geléia de "Os Caça-Fantasmas". O "gigante esmeralda" (como as calças dele não rasgam?) ficou muito mais parecido com o dos quadrinhos (os quais nunca li com regularidade, por não ser personagem de minha predileção _aliás, eu sempre gostei mais do Hulk cinza e inteligente, meio gângster, bem mau-caráter, bem irônico), muito melhor do que a caracterização do (também Hércules) Lou Ferrigno (um sub-Schwarza), que aparece em uma ponta, como segurança, ao lado do grande Stan Lee. E as cenas de luta contra os tanques no deserto ficaram bem boas. Ah, e a pergunta fundamental: e a Betty Ross, hein? Mais uma vez, mais uma vez: e a Betty Ross, hein? Jennifer Connelly, você merece.

    P. S. Morreu Walter Hugo Khouri, cineasta importantíssimo, dono de vasta e invulgar obra, que inclui obras-primas como "Noite Vazia". Vários de seus filmes têm como protagonista um personagem chamado Marcelo. Eu gosto.

    domingo, junho 22, 2003

    Ben-Hur / Desmundo / Laranja Mecânica

    His road is dark and lonely, he don’t drive no Cadillac. If that sky serves as his eyes, then that moon’s a cataract.

    Uma das coisas mais legais do cinema (não só dele, mas, no caso da tal sétima arte, é algo mais óbvio) é a manipulação do tempo. A edição nos permite brincar o tempo todo com o tempo todo. Não preciso entrar em detalhes, vocês sabem do que estou falando.

    Outro conceito interessante é o de “filme de ópoca”. Cinema também é documento, é registro, e eu acho bastante irônico ver o letreiro “dias de hoje” no início de um filme feito há cerca de duas décadas, como é o caso de “Splash – Uma Sereia em Minha Vida”, sessão-da-tarde responsável pela decolagem da carreira do duplamente oscarizado e milionaríssimo Tom Hanks. Hoje, o primeiro “Matrix” já me parece meio tosco...

    Pois os tais “filmes de época” também exalam modismos mil. Vejam o caso de “Ben-Hur”, sem dúvida o mais ambicioso (em termos de produção, não de direção, roteiro, montagem, fotografia etc.) épico bíblico já realizado. Uma monstruosidade de filme, não apenas em duração (mais de três horas e meia _inclusive é dividido em duas partes, para dar um merecido descanso ao público), mas por ter sido realizado em mais de 300 sets de filmagens, com cerca de 8.000 figurantes (incluindo aí membros da realeza européia _boa parte do filme foi feita na Itália, no famoso estúdio Cinecittà), 100.000 figurinos, 11 Oscars, entre outros números impressionantes. “Titanic” é fichinha perto de “Ben-Hur”, assim como outros monstros da época, como “Cleópatra” (de Joseph L. Mankiewicz, com a Elizabeth Taylor e seu Richard Burton), “Sansão e Dalila” e “Os Dez Mandamentos (ambos de Cecil B. DeMille, o primeiro com Victor Mature e Hedy Lamarr, o segundo com o mesmo protagonista de Ben-Hur) e até mesmo os especialmente invulgares “Rei dos Reis” (de Nicholas Ray _mas DeMille, sempre ele, também dirigiu filme homônimo em 1927) e “Spartacus” (de Stanley Kubrick, com Kirk Douglas e grandíssimo elenco).

    E olha que a história, de autoria de um militar norte-americano que lutou na guerra de Secessão (o general Lew Wallace), já havia sido transposta do livro para as telas (e para o teatro) várias vezes, incluindo um curta de 1907 e um longa de 1925 (este último também uma impressionante superprodução, na qual quase ocorreu um desastre durante a filmagem da famosa batalha naval _que só perde em grandiosidade para a ainda mais famosa corrida de bigas).

    Impressionante, também, é a escolha de William Wyler, um direitor mais afeito a dramas introspectivos (a exemplo de sua adaptação da obra-prima “O Morro dos Ventos Uivantes” _ainda não leu a Emily Brontë? Não tem vergonha???), para tocar o superprojeto. Ah, outra coisinha: sabia que, originalmente, quem interpretaria o Messala, o amigo/nêmesis de Judah Ben-Hur, seria o Leslie Nielsen? Sim, o engraçadíssimo protagonista da séria “Corra que a Polícia Vem Aí”... Mas o papel ficou mesmo para Stephen Boyd.

    E, apesar do canastríssimo Charlton Heston (o velhinho amante de armas de “Tiros em Columbine”) e de todo o melodrama inerente à época (ah, as leprosas, ah, o Cristo, ah, o amigo que vira inimigo, ah, a prisão injusta, ah, o jugo de Roma sobre os judeus etc.), considero o filme especialmente feliz no trato com a figura do brother Jésa. Sim, o hippie mais famoso da história nunca tem o seu rosto mostrado, o que intensifica ainda mais seu caráter não-humano, celestial. A cena em que ele dá água a Ben-Hur é especial, assim como a da tempestade após a crucificação. Mas eu sou suspeito para falar, eu adoro os Evangelhos e Jesus Christ is my friend _e do Jorge Ben, também.

    Já de uns tempos pra cá, os filmes de época “amadureceram”, ficaram menos idealizados, buscam retratar os “fatos históricos” de maneira menos romanceada e mais verossímil (é claro que não estou falando de “Independência ou Morte” nem de “A Casa das Sete Mulheres”, McBarker), como vimos em “A Missão”, por exemplo.

    “Desmundo”, novo filme do francês criado no Brasil Alain Fresnot (“Ed Mort”), segue esta tendência, apresentada de forma ainda mais radical em “Hans Staden” (ninguém viu, né?). Também uma adaptação literária (de Ana Miranda, belíssima escritora que já catou o Jards Macalé _não é aquele do "Ih! Nojento!"_ e que chegou a trabalhar no roteiro deste filme), a obra tentou ir fundo na reconstituição temporal, da construção do set até a adoção do português/castelhano retirado de documentos da época _um pesquisador da USP traduziu os diálogos do roteiro para o linguajar adotado na obra, que, não se preocupe, vem com legendas.

    Taí um filme que dividiu opiniões: muita gente gostou, muita gente detestou, muita gente achou mais ou menos. Eu gostei, apesar de ter achado o final um tanto abrupto (no livro, a história segue em frente, com desfecho trágico). Simone Spoladore está ótima como a órfã portuguesa Oribela, enviada, junto com outras meninas, ao Brasil de 1570, para se casar com os colonos (entre eles, muitas participações especiais, inclusive de gente de teatro, como o Cacá Rosset e os Parlapatões, Patifes e Paspalhões). Um papel dificílimo, no qual a atriz consegue passar as contradições de uma personagem razoavelmente complexa, que tem poucas falas (lembram que ela simplesmente não diz palavra em “LavourArcaica”?). E você, o que achou? A cena em que a Oribela fica entre as espingardas de Caco Ciocler e Osmar Prado não é legal?

    Outra coisa que me fascina nas artes é a maneira como o futuro é visto. Jules Verne, “Flash Gordon”, “Buck Rogers”, “Admirável Mundo Novo”, “1984”, “2001 – Uma Odisséia no Espaço” etc., são visões de futuro hoje extremamente datadas, não? Mas não é uma delícia ver “Viagem à Lua”, do Méliès? Ou “A Mulher na Lua”, do nosso amigo Fritz? O que dizer da dupla “Viagem Fantástica” e “Viagem Insólita”?

    Então, “Laranja Mecânica”, filme do velho Kuby baseado no livro do Anthony Burgess, é mais uma dessas obras que retratam o futuro como uma possibilidade de presente. Política, comportamento em sociedade, sexo, crime, religião, ciência, arte, a polêmica obra toca todos esses assuntos e dá muito pano pra manga. O que é a história de Alex e seus “droogs”, malchicks chegados num leitinho e na boa e velha ultraviolência, no “in-out, in-out” com as devotchkas, em Ludwig Van, numa sociedade em que a cura pode ser tão ruim quanto a doença? Uma obra perspicaz sobre a natureza humana ou um simples alerta moralista, excessivamente didático e desprovido de sutileza?

    Seja como for, o filme (que não é o melhor de Kubrick, um grande diretor, apesar de não estar entre os meus favoritos _intelectual e frio demais, na minha opinião), feito logo após “2001”, é antológico como retrato do mundo na virada dos 60 para os 70 e traz um Malcolm McDowell violentamente engraçado, uma trilha sonora proto-eletrônica que cafoniza os clássicos (tem também “Singing in the Rain”!), uma direção de arte brilhante e ironia pra dar e vender, além de mulher pelada. Não é pouco, não.

    P. S. No texto, retrasado, fui pego no contrapé pelas mortes de Gregory Peck ("se a Deborah Kerr...") e Itamar Assunção. No texto passado, não falei deles por puro esquecimento, fica aí a citação. Mas, antes que o assunto caduque totalmente, quero só contar uma historinha: quando o Itamar saiu do Hospital do Câncer, há cerca de dois anos, ele foi fazer uns shows no Supremo Musical, ali na Oscar Freire. Fui designado pela minha velha amiga de guerra Dri (Adriana Ferreira para os íntimos) para entrevistá-lo para o “Guia da Folha”, já avisado de que o cara odiava jornalistas e não era de papo. Dito e feito: Itamar me atendeu com muita má vontade e só topou falar comigo, muito a contragosto, porque eu jurei de pés juntos e dedos cruzados que a conversa só duraria cinco minutos. Fiz as duas perguntinhas que queria e me despedi, em menos de cinco minutos, para a surpresa de Itamar. Aí, de repente, ele ficou simpático e começou a puxar conversa, me convidou para ir ao show, recomendou a comida do Supremo, falou para eu dar uma passada no camarim, depois (todos falam isso, por sinal). Pena que eu não fui.

    terça-feira, junho 17, 2003

    As Horas / O Canto do Mar

    Hit me up, baby, and knock me down, drop what you’re doing and come around. We can hold hands till the sun goes down, cause I know that you and I can be together, cause I love you. Babe, I'm on fire!

    Então, demorei uma cara para assistir a “As Horas” _um pouco por falta de tempo/oportunidade, um muito por preconceito, mesmo. “Billy Elliot”, o filme anterior de Stephen Daldry, é uma solene bosta (apesar da trilha sonora sublime _a abertura com “Cosmic Dancer”, do T. Rex de São Marc Bolan, o homem que David Bowie queria ser, é emocionante, pra dizer o mínimo), inclusive dormi durante boa parte dele. Agora, o cara vem com uma “sensível” adaptação de um livro (“The Hours”, de Michael Cunningham) baseado em outro livro (“Mrs. Dalloway” _vivida no cinema pela Vanessa Redgrave_, de Virginia Woolf), com três atrizes hollywoodianas “respeitadas”. “Ugh”, pensei eu, cá com minhas camisetas de algodão.

    Mas não é que a bagaça é muito melhor do que eu esperava? Pelo menos esta é a minha primeira impressão, pois ainda não li nenhum dos dois livros em que a obra se baseia.

    Nicole Kidman (que, de mera mulher de Tom Cruise, está construindo uma carreira interessantíssima _quando é que “Dogville” chega por aqui?) levou um Oscar por sua ótima recriação da autora de “Orlando” (que também virou filme, com a Tilda Swinton), com direito a prótese nasal e tudo. Julianne Moore... sem comentários. Meryl Streep fica até um pouco apagada, em comparação com as outras duas. Ed Harris, um cara digno, também está ótimo como o escritor soropositivo às beiras do desespero. E John C. Reilly está se especializando no papel de marido bonzinho. Faz um vilão bem sacripanta da próxima vez, hein, Johnny?

    Mas um dos trunfos do filme é a montagem. As histórias das três mulheres, que, de alguma forma, se entrelaçam paralelamente (prestem atenção nos ovos, no livro, no rio), são contadas de modo interessante, poético até, sem ser desagradavelmente pretensioso. Parece que você adivinha o final, mas o filme te prega uma peça. E a trilha sonora do chatongo Philip Glass, que alguns amaram, outros odiaram, nem fede nem cheira a esterco misturado com lavagem de porco.

    E, sim, “As Horas” é um drama, mas não tão lacrimoso quanto poderia ser. Apesar das aparências, não é só um filme de mulherzinha. Pode levar o seu namorado pit-boy para assistir, garanto que ele vai te encher de porrada depois.

    Falando em choradeira, quem dá o tom em “O Canto do Mar”, tragédia dirigida pelo nosso velho amigo Alberto Cavalcanti (mais conhecido simplesmente como “Cavalcanti”) no início dos anos 50, quando ele voltou ao Brasil para participar da panelinha em volta da Vera Cruz, é o outrora famoso José Mauro de Vasconcellos (autor de “Rosinha, Minha Canoa” e “Meu Pé de Laranja Lima”, lembra?), que assina o argumento do filme. Ah, e a trilha sonora é do maestro Guerra Peixe, que emula Nino Rota.

    Pois “O Canto do Mar” é um filme claramente inspirado no neo-realismo italiano. E é uma espécie de prévia de “Vidas Secas”, bem mais antiga e melodramática (como os livros do Vasconça, aliás).

    O mote é “o mar só traz desgraça”, frase dita aos prantos pelo protagonista Raimundo, um rapazola nordestino que sonha ir para o Sul maravilha. Só que seu irmãozinho morre, sua irmã vira puta, sua namorada foge com um cafajestão com cara de Cauby Peixoto depois da hanseníase, seu pai, louco-louco-louco, morre afogado, e o rapaz ainda parte pro crime e detona com todo o dinheirinho de sua pobre e sofrida mama. Quer mais desgraça do que isso? Pois o clima é de total desesperança. Não assista se você está com ímpetos suicidas! Falei.

    P. S. Hoje não tem P. S. Ôps!

    quinta-feira, junho 12, 2003

    Carandiru / Carandiru.doc

    Opa. Tamos aí.

    Então, parece que o inferno astral chegou mais cedo, neste ano. Essa história de ficar sem computador foi a coisa menos chata que me aconteceu no último mês.

    Mas nada de ficar reclamando, Charlie Brown, porque coisas boas também acontecem _e a gente precisa acreditar que a situação não pode piorar... Sorrir pra não chorar, como cantava o meu velho amigo Cartola.

    Falando em problemas, que decepção este “Carandiru”, hein? O maior balde de água fria do ano, até agora. Um diretor reconhecido mundialmente como o Hector “Pixote” Babenco, um best seller de uma figura respeitabilíssima como o dr. Drauzio Varella... e um filme broxante como o quê.

    Sim, há cenas muito boas, atores de responsa, a produção (caríssima, para um filme nacional) é de primeira, o sucesso de público (muita grana no marketing, Globo Filmes na parada, um livro com centenas de milhares de exemplares vendidos, um tema “de cunho social” etc.) é maravilhoso, mas “Carandiru”, apesar de não ser um horror, é uma obra cheia de problemas.

    A maior delas, a meu ver, é a falta de uma linha narrativa mais clara. O médico, interpretado de maneira insossa pelo Luiz Carlos Vasconcelos, não tem nome nem história nem ponto de vista: é um mero ouvinte dos causos de alguns dos detentos (destaque para o figura Majestade, que tem duas mulheres) da Casa de Detenção. Então temos um mero painel com alguns personagens, mostrados em flashbacks. Como pano de fundo, o cotidiano do presídio (dia de visitas, show da Rita Cadillac, consultas médicas, a cozinha, crimes ocorridos lá dentro, o comércio entre os presos, travestis _uma considerável parcela idiota do público se esbaldava de gargalhar do Rodrigo Santoro com peitões_, soropositivos etc.).

    Talvez o grande problema do filme tenha sido a fidelidade extrema ao livro (ainda não li “Estação Carandiru”, portanto me baseio no que ouvi de algumas pessoas de confiança). É sabido que houve desentendimento entre os roteiristas, e a impressão que tive é a de que a produção da obra foi bastante atabalhoada, para dizer o mínimo. Só quem trabalhou ali pode contar melhor essa história...

    E não adianta assistir ao documentário “Carandiru.doc”, que foi exibido pelo canal pago GNT (Globosat, claro) na época da estréia do filme. Eu o vi no Cinesesc, durante o festival “É Tudo Verdade” deste ano (vocês foram? Abaixo comento algumas coisas que eu vi por lá), e a decepção foi ainda maior. O filme não é nem um documentário sobre a cadeia nem um making of decente do filme, e é extremamente frustrante por ficar assim em cima do muro.

    Então vemos entrevistas com o Baba, o Drauzio e os figurantes, alguns deles ex-detentos (claramente traumatizados, como enfatiza o médico/autor) ou parentes de ex-hóspedes da Detenção. E é aí que rola uma situação engraçada: durante as filmagens do fatídico dia do massacre, rolou uma rixa forte entre os figurantes que faziam os policiais e os que faziam os detentos, porque os primeiros teriam se tornado brutamontes e maltratados os últimos... hahaha.

    Mas a melhor coisa mesmo da peça de propaganda é a presença do finado rapper Sabotage (a quem o “documentário” é dedicado), cantando “Questão de Ordem” (a de Luiz Melodia, não a do Ministro Gegê)... e olha que, em “Carandiru”, o figura mal aparece. Certo, mano?

    P. S. Eu estive no agora implodido Carandiru uma vez, no começo de 2000, quando eu trabalhava na Ilustrada. Fui entrevistar o 509-E, dupla de rap formada por Dexter e Afro-X (este último embucharia a Simony, ex-musa infantil que chegou a cantar até com o Roberto Carlos e que traiu a infância de milhares de fãs ao posar nua em pêlo para a Playboy, a Sexy e outras revistas de mulher pelada de alto nível e gosto refinado, e daria muita audiência para o Gugu), acompanhado do Flávio Florido, fotojornalista dos bons. A conversa (tranqüila, apesar do clima pesado do local) rolou regada a Fanta no coreto da Divinéia, uma espécie de “hall de entrada” para os pavilhões. Depois, por telefone, falei com o Edy Rock, dos Racionais MC’s, um dos produtores do CD. A matéria ficou legal e deve estar nos arquivos do UOL. Procure, se quiser.

    P. P. S. Também entrevistei o Babenco, também para a Ilustrada, também no início de 2000. O assunto era a peça “Mais Perto”, do autor britânico Patrick Marber, estrelada por José Mayer, Renata Sorrah, Marco Ricca e Guta Stresser (entrevistei a todos, além do cenógrafo Gringo Cardia), que o Baba estava dirigindo. Foi a minha primeira matéria de capa para o caderno. Eu estava lá há pouco mais de um mês e não sabia que era uma operação de risco (porque, segundo me disseram depois, o diretor de redação, Otavio Frias Filho, é dramaturgo e lê com bastante atenção os textos de teatro. Se estivesse uma merda, eu teria sido demitido na hora). O editor era o Sérgio Dávila, um cara legal, que recentemente andou lá pelo Iraque, fazendo um turismo básico.

    Ah, e eu encontrei com o Babenco novamente quando fazia outra matéria de capa, desta vez para o Folhateen, sobre o documentário “O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas”, dos diretores Paulo Caldas (“Baile Perfumado”) e Marcelo Luna. Rolou uma estréia no Espaço Unibanco (com direito a um grupo de street dance e tudo), e lá estava eu com o Garnizé, percussionista do grupo pernambucano Faces do Subúrbio (encontrei com os caras várias vezes, são muitas as histórias, ficam para a mesa do bar), quando o Baba veio cumprimentá-lo e ficou comentando o filme com a gente. Nas duas conversas que tivemos, ele foi bem simpático, devo dizer.

    P. P. P. S. O “É Tudo Verdade” é um festival interessante, procuro freqüentá-lo todos os anos. É grátis e é em uma boa sala, a do Cinesesc. Neste ano, consegui ver duas obras sobre filhos lembrando-se dos pais: o perturbador e francês “Exílio em Sedan” (ah, os horrores do nazismo) e o belo sueco “Boogie Woogie Papa”. “Morning Sun”, um longa interessantíssimo, aborda um aspecto especial da revolução cultural chinesa, mostrando como o conflito de gerações separou pais (inimigos do partido) e filhos (que, jovens, ardiam pelo ideal revolucionário) _mais tarde, estes últimos acabam renunciando a Mao. Uma fatia aterrorizante da história do século XX. Infelizmente, não conseguir ver o filme ganhador do festival, “O Prisioneiro da Grade de Ferro”, que traz os próprios detentos do Carandiru manuseando as câmeras e registrando o seu cotidiano... Este, sim, é um filme que eu recomendo, de olhos fechados.

    Na platéia