A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, junho 18, 2004

    Pulp Fiction - Tempo de Violência / Scarface / Platoon / Matador

    Rush, rush to the yeyo. Buzz, buzz to the yeyo. Loco!

    Mais de um mês sem publicar textos novos no site, um recorde nesses mais de dois anos de existência. E o mais impressionante é que o ritmo de visitas não caiu... Claro que a parte principal deste logradouro, o espaço para comentários, não parou; sinal de que existe gente que saca que o propósito deste site não é exibir textos, mas discutir, debater, trocar idéias _se possível amigavelmente, embora sem frescura. Então vamos tentar voltar à velha forma, até que novos compromissos surjam...

    O que dizer de "Pulp Fiction", dez anos depois? É um filme ainda impressionante, embora isso não seja, necessariamente, um elogio. Depois de tê-lo visto umas cinco vezes (trata-se de um dos filmes que mais revi), duas delas no cinema (sessões seguidas, no Shopping Metrópole de São Bernardo do Campo, em companhia do meu amigo Maurito Ramírez, el chileno de la tampita, no feriado de 1º de maio de 1994 _ou será que foi 1995?), sempre com entusiasmo de fã, foi uma experiência interessantíssima revê-lo com olhos de analista. É como se, pela primeira vez, eu assistisse a ele prestando atenção...

    O resultado: trata-se de um filme de baixo orçamento (apesar de contar com Bruce Willis, à época um poderoso chamariz de bilheteria), com uma narrativa bastante interessante, bons diálogos (nem um pouco naturalistas _muita gente tem uma impressão errônea sobre os diálogos de Tarantino, ainda um sub-Leone em mais de um aspecto) e momentos incrivelmente divertidos. O ponto alto do filme, para mim, é a cena do twist: irônica, histórica, imbatível, mescla Vincent Vega a Tony Manero e a Danny Zuko em questão de segundos. Aliás, John Travolta e Uma Thurman voltam a contracenar em "Be Cool", seqüência de "Get Shorty", que, além de Danny De Vito e James Gandolfini, trará também Harvey Keitel, The Rock, Steven Tyler (interpretando... o vocalista do Aerosmith) e Andre 3000 (sim, aquele do "Hey Ya!"). Será que vai ser tão bom quanto o do Sonnenfeld?

    E, apesar de o filme ter diminuído na revisão (não há dúvida de que se trata de um dos longas mais importantes do cinema norte-americano dos anos 90, mas nem por isso trata-se de uma obra-prima _sequer é o melhor Tarantino, como muitos, ainda cegos pela faísca do revólver, insistem em propalar), é uma delícia descobrir novos detalhes: por exemplo, eu nunca tinha me tocado de que o garçom Buddy Holly, do Jack Rabbit Slim's, é o Steve Buscemi! Não só ele está irreconhecível, como não aparece em planos fechados, mas lá está ele, Mr. Pink em pessoa (por sinal, um roteirista britânico quer fazer um filme sobre o Mr. Pink de "Cães de Aluguel", mas parece que o Taranta não se animou muito). Mas a coisa mais deliciosa de todas foi reparar que, no travelling que nos apresenta ao Slim's, a câmera pára num cartaz do fantástico "Machine Gun Kelly", filmaço do Roger Corman estrelado por Charles Bronson (outro ídolo do Taranta). Legal, legal!

    Falando em filmaço, "Scarface, a Vergonha de uma Nação" (1932), dirigido pelo grande Howard Hawks, com roteiro do também grande Ben Hecht e com uma atuação antológica do austríaco Paul Muni, ganhou um remake nos anos 80 que agora chega ao DVD em uma edição caprichada. Quem iria dirigir o filme era Sidney Lumet, que desistiu do projeto por considerar o roteiro de Oliver Stone violento demais. Stone ainda não tinha cacife para dirigir uma produção como essa, então quem tocou o barco foi Brian De Palma (que, na cena final, teve direito até a palpites de Steven Spielberg). Ou seja, fica bastante evidente que se trata de um trabalho de equipe, e não de um projeto mais pessoal de De Palma; não é à toa que está longe de ser um de seus melhores filmes _em retrospecto, parece mais um ensaio para "Os Intocáveis" e "O Pagamento Final", ambos bem melhores.

    Mas seu "Scarface" também está longe de ser desprezível. Graças, acima de tudo, a Al Pacino. Seu Tony Montana, "a political prisioner from Cuba", é um personagem interessantíssimo: ladrão, assassino, traficante, machista, estúpido, junkie e mais um monte de coisas ruins, ainda assim emerge como o herói do filme, apesar de não ser tratado com tanto glamour. Montana (que ganha uma série de falas antológicas; minha preferida é "this city is a great big pussy ready to be fucked, man", qual é a sua?), por mais criminoso que seja, por vezes é mostrado com um mínimo de escrúpulos, nunca passando uma imagem 100% monstruosa. Não entro muito em detalhes para não estragar a experiência de quem ainda não viu.

    Depois de Pacino, a grande figura do filme parece mesmo ser Oliver Stone. Seu roteiro é bastante oportuno, ao situar a história de um bando de gângsteres na Miami do início dos anos 80, quando mais de 100 mil refugiados cubanos (drama relembrado no recente documentário "Balseros") desembarcaram nos EUA _uma boa parte deles era de presidiários, ou seja, Fidel (que de bobo não tem nada), num maquiavélico golpe de mestre, aproveitou para esvaziar as cadeias de sua ilha... Além de jogar luz sobre o tráfico de cocaína proveniente da América Latina, o filme não se priva de escancarar uma série de podres do capitalismo americano, de bancos que lavam dinheiro a jornalistas que se põem contra a descriminalização das drogas, passando por políticos, militares, policiais etc. Montana, o criminoso grosseiro, é mostrado como "fichinha" perto dessa corja toda. Ou seja, dá a impressão de ser o filme mais moral de De Palma.

    Este, destaca-se mais pela estética dada ao filme, que de noir não tem nada; o exuberante visual "Miami Vice" surge aqui (por sinal, quem já jogou o ótimo "Grand Theft Auto - Vice City" vai sacar de cara de onde veio a inspiração), embalado pelo contagiante (apesar de brega) tecnopop de Giorgio Moroder (com convidados do naipe de Deborah Harry). Só que a narrativa é estranha, truncada, incômoda. O filme é longo demais (2h50min) e, apesar de o diretor ter conseguido, com muito custo, lançar nos cinemas sua versão integral, a saga de Montana ainda nos parece cheia de buracos. Mas que é um filme interessantíssimo, isso é (e o pequeno documentário que mostra Montana como o ídolo dos "gangsta rappers" norte-americanos chega a ser assustador). Say hello to my lil' friend!

    Falando em Stone, seu projeto mais bem-sucedido como diretor, "Platoon", saiu pouco depois, em 1986. Eu era criança, na época, mas me lembro bem do impacto que o oscarizado filme causou; o relato praticamente autobiográfico de Stoned sobre sua experiência no Vietnã, talvez por ser mais palatável que o épico de Coppola, paradoxalmente causou mais comoção. É que o filme não se priva de ser estritamente "hollywoodiano", indo baixo ao tentar emocionar as pessoas com uso de uma trilha sonora apelativa, câmera lenta, voz over e um final pra lá de babaca. Politicamente correto até o osso, o filme é salvo pelos atores, em especial Tom Berenger e Willem Dafoe, ambos dignos de lembrança. De resto, sobra pouco _o que é uma pena; confesso que tenho a maior simpatia do mundo por Stoned e suas boas intenções... Só falta ele dirigir um filme realmente grande.

    Do outro lado da moeda, temos este "Matador", também de 1986 e, fácil, fácil, um dos melhores filmes de Pedro Almodóvar, apesar de o enredo se encaminhar para um final óbvio, mas nem por isso menos bonito. Sem medo de ser simbólico, conjuga Eros e Tânatos (a frase-chave é: "deixar de matar seria como deixar de viver") durante um eclipse e por meio de metáforas visuais que associam a tauromaquia às relações sexuais, homens e bestas. O machismo espanhol, mais uma vez, é desnudado, enquanto o próprio Almodóvar, impagável no papel de um estilista, abusa do discurso político com a maior desfaçatez, dizendo que a Espanha está dividida entre invejosos e intolerantes, para depois afirmar que pertence simultaneamente aos dois lados. O cara pode ser um mala, mas é foda e faz filmes mais "pra macho" do que o Stallone e o Schwarza juntos. E como filma bem uma mulher, o puto: Assumpta Serna (por onde anda?) está belíssima! "To die for", como dizem lá no país das "freedom fries"...

    P. S. Vi, há pouco, "Coisas Belas e Sujas", do irregular Stephen Frears. Infelizmente, não está entre seus melhores trabalhos. O início é bem interessante, os atores estão bons, mas a fotografia é incômoda demais e o desfecho é digno de dramalhão mexicano. Pena...

    P. P. S. Trecho de "Cinema - Entre a Realidade e o Artifício", de Luiz Carlos Merten, mais conhecido como um dos críticos de cinema de "O Estado de São Paulo":

    "Só há duas maneiras de tratar o clichê no cinema, escreveu um crítico: ironizando-o ou filmando-o melhor do que qualquer outro. Tarantino parecia ironizar, mas na verdade o que exibia era competência. Seu cinema refletia uma tendência que já havia se manisfestado nos anos 70, na grande fase de Robert Altman e Sidney Pollack: a persistência de obras e autores das primeiras décadas do século passado não era exatamente novidade.

    A novidade estava no estilo: na força dos diálogos, da história, na estrutura circular, no perfil de seus personagens. 'Tempo de Violência' virou cult imediatamente. (...) Tarantino ainda revelaria sinais de talento em 'Jackie Brown', que adaptou de um de seus autores preferidos, Elmore Leonard, com a musa dos blaxpoitation movies dos anos 70, Pam Grier, no papel da aeromoça que se envolve com o crime. Pam é uma heroína mais humana do que os assassinos de 'Cães de Aluguel' e 'Tempo de Violência', e a ironia do filme também é mais sutil. O humor está nos personagens de Pam e Robert Forster, outro egresso do limbo dos anos 70, com muitas passagens pela TV. Em 'Tempo de Violência', o humor está todo nos diálogos, muito bem escritos ou escritos adequadamente, porque Tarantino, que fez parcos estudos, sabia como usar o verbo para expressar a boçalidade."

    Na platéia