A Paixão de Cristo
A lágrima de um homem vai cair. Esse é o seu B. O. pra eternidade. Diz que homem não chora; tá bom, falô. Não vai pra grupo, irmão. Aí, Jesus chorou.Me diga você, que sabe datilografia: o Jim Morrison não morreu de ataque cardíaco, numa banheira em Paris, em 1971? Então por que cargas d'H2O o Mel Gibson resolveu crucificar o bebum? Podia ter escolhido o Bono, não?
Então, eu não ia atualizar o site tão rapidamente nem ultrapassar a fila de filmes vistos anteriormente que ainda não foram pitacados, mas prefiro falar sobre "The Passion of the Christ" assim, no calor do momento, porque não estou sendo pago para escrever este texto e posso me dar ao luxo de ser irresponsável. Vi a coisa hoje à tarde, e está rolando o contrário do que aconteceu com "Lost in Translation": a cada minuto que passa, ele me parece pior (ei, preste atenção: a seguir, vamos discutir cinema, e não religião; sem maluquice, tá?).
E olha que eu não esperava grande coisa, até por já estar cabeludo de saber que o Mad Mel não é exatamente o atípico americano liberal heterodoxo hippongo e meio de esquerda que eu conheci em Berkeley (até porque ele sequer é americano, apesar de ter feito "O Patriota"). Mas, puerra, estamos falando de uma das minhas narrativas preferidas, que inspirou belas obras (do "King of Kings" do Nicholas Ray a "Monty Python's Life of Brian", passando pelo bizarro, porém interessante, "Jesus Christ Superstar") e o mega-over "Ben-Hur".
Mas, antes de começar a jogar pedra na cruz, é bom eu dizer que ter visto "A Paixão de Cristo" não foi, de maneira nenhuma, uma perda de tempo. Também está longe de ser um dos piores filmes que já vi (você deve estar imaginando que já vi muito filme ruim; pois é, já passei até por "Se7en"). Mas que é de doer, ah, isso é.
E não exatamente pelo suposto anti-semitismo da peripécia de US$ 25 milhões (cadum cadum; eu, particularmente, não senti ódio de ninguém por causa da película _nem mesmo do Mel Gibson_, até porque é preciso muito mais do que um filme para me fazer sentir ódio) ou por causa de seu "excesso de violência", justamente o que todo mundo anda comentando. O problema é que o filme se limita a uma espécie de lavagem cerebral programada para incutir culpa em seus espectadores. O espetáculo sádico de malhação do Jésa (acho que só vi tanto sangue em "Cães de Aluguel" e no "Macbeth" do Polanski) serve para martelar na testa de todo mundo que o salvador sofreu horrores por nossa causa, e que devemos purgar nossos pecados pela compaixão _até parece que Gibson corrobora aqueles espetáculos grotescos de crucifixão e autoflagelação nas Filipinas que os jornais, todos os anos, mostram. As mensagens basilares da doutrina cristã de amor ao próximo ficam totalmente em segundo plano. Ou seja, o filme é anticristão, e quem acha que ele é evangelizador só pode estar doente.
Na verdade, "A Paixão de Cristo" deveria ser rotulado como um filme de terror, pois é justamente este o seu propósito: assustar, e da maneira mais grotesca. Embora a caracterização da atriz italiana Rosalinda Celentano como Satã seja a melhor do filme (adorei o vermezinho rebolando na narina dela, um dos poucos planos que valeram a pena), as nada sutis aparições demoníacas que permeiam toda a obra, compondo metáforas bem rasas, depõem contra a mesma. Taí uma das coisas que vieram à minha mente enquanto eu assistia ao filme: quando criança, eu nunca tive medo do diabo, porque nunca cheguei a acreditar nele; Jesus, por outro lado, era como um bicho-papão ou um homem do saco: eu morria de medo de ele vir me buscar, à noite. Mel Gibson diz que acredita no diabo. Isso nunca é um bom sinal.
Outra coisa que me incomodou muito é o desperdício da dramaticidade da história. Ao se limitar a mostrar incansavelmente o castigo físico do protagonista (sim, pegaram Jesus pra Cristo _e ainda queriam que fosse censura livre), Gibson anestesia seu espectador, em vez de fazer com que ele se compadeça de seu herói. O filme é monótono, monótono. As tentativas de manipular as emoções do público dão com os burros no açude, justamente por exageradas demais. A cena com o maior potencial dramático do filme, aquela em que Maria vai falar com o filho no meio da via crúcis, é totalmente arruinada pela péssima trilha sonora (ora metida a exótica, ora metida a transcendental). O uso de câmera lenta e suas variantes também é desastroso; Cristo pós-"Matrix", façam-me o favor.
E o elenco, sorry, não dá para levar a sério. Usar a atriz de "C. S. I." para fazer a Maria parece piada de mau gosto; fiquei imaginando a hora em que ela fosse exumar o cadáver do filho e colher pistas que a levassem até o assassino. Até a Giovanna Antonelli seria melhor. E a Momô, hein? Quando se trata da Momô, é sempre bom perguntar duas vezes: e a Momô, hein? Como disse meu amigo Julito, que viu o filme do meu lado esquerdo, só mesmo o filho de Deus (ou um muito do viado) para não comer. E porque não chamaram o Bowie para fazer o Pilatos de novo? Eu, hein? Vade retro, Mel!
P. S. Falando em filme de terror chinfrim e de coisas que eu tinha medo quando criança (como o E. T.), revi, há poucos dias, "Poltergeist, o Fenômeno" (na época, o Ronaldinho ainda não era famoso). O início, com o hino dos EUA tocando na TV e as cenas que introduzem a vizinhança onde a trama ocorre, é bem interessante (assim como a cena dos pais fumando maconha), mas não demora muito para a coisa descambar. O final é horroroso, e não sei porque eu fiquei com tanto medo quando era pequeno, já que se trata de um terrorzinho família produzido e roteirizado pelo Spielby. As continuações, nunca vi, obrigado. É verdade que a menininha morreu?
P. P. S. Ah, falando em terror e suas continuações, vi o segundo e o terceiro "Halloween". Ambos são produzidos por John Carpenter, nenhum é dirigido por ele, e o criador do Michael Myers só assina o roteiro do segundo, que continua bem de onde o original parou e nos revela "o segredo" _após um monte de mortes estúpidas. E, diferentemente deste, que é bem interessante, ambos são porcarias. Será que o Mel Mortífero vai fazer a continuação de "The Passion of the Christ", com Jesus Morrison apavorando os infiéis no dia do Juízo Final? Seria mais legal e mais lúcido (e, talvez, mais lucrativo) da parte dele...