Hombre / Uma Bala para o General
I shot a man in Reno just to watch him die.Falar de faroeste sempre cai bem, não? E olha que, com exceção das mulheres, eu não sou muito chegado em certas coisas consideradas "de macho", como armas, futebol e exame de próstata. Mas que eu gosto de um bom e velho bang-bang, ah...
Pois "Hombre", de 1967 (inspirado num romance de Elmore Leonard), o último dos cinco filmes no qual Martin Ritt dirigiu Paul Newman, é um dos exemplos máximos de um subgênero do faroeste que surgiu após a Era de Ouro de Hollywood; além de contar com um protagonista que encarna o anti-herói e de introduzir os conflitos internos característicos do dito "western psicológico" (vertente cuja inauguração é apontada como sendo o clássico "Matar ou Morrer", de Fred Zinnemann), esta obra adiciona ainda mais um ingrediente que contribui para a maturidade do estilo: o politicamente correto.
Ou seja, em "Hombre", os índios são os mocinhos, e os brancos, os vilões: ladrões, corruptos e usurpadores, assassinos, cruéis e violentos. Newman, pasmem, surge no filme como um índio apache, de olho azul e tudo. Na verdade, John Russell (o nome "branco" de seu personagem) foi seqüestrado pelos apaches quando criança, tornando-se um deles. Quando cresce, passa a trabalhar como policial dentro de uma reserva (sim, reservas indígenas não são novidade), onde testemunha as agruras que os apaches passam _a pior delas, a fome.
Mas Russell tinha um pai adotivo branco e, quando ele morre, o nosso (anti)herói herda um hotel. Meio a contragosto, corta o cabelo, veste roupas "de branco" e vai resolver o pepino. Na volta, pega uma carruagem na companhia da mulher que cuidava do hotel, do administrador da reserva e de sua esposa (que não entende como os apaches são capazes de comer cachorros _uma postura bem Maria Antonieta), um casal de pacatos fazendeiros e um mal-encarado encrenqueiro, além do condutor. E é aí que a história começa de verdade _qualquer semelhança com "No Tempo das Diligências", o clássico de John Ford, não é mera coincidência.
"Hombre" é um filme riquíssimo, e é impossível analisá-lo propriamente sem estragar as muitas surpresas que ele nos reserva. Passa longe da chatice, da afetação e da pretensão insuportáveis de "Dança com Lobos", embora seja um de seus antecessores, e dá a Newman um de seus personagens mais sérios e trágicos (o filme fica ainda mais tenso por causa da ausência de trilha sonora, normalmente um ponto forte dos faroestes clássicos). Independentemente de gênero, Martin Ritt realizou um grande filme, que eu recomendo com tremendo entusiasmo. Aliás, este filme é tão sensível e tão pouco sensacionalista que eu o recomendo inclusive para as meninas, que parecem não ser muito chegadas num bando de homens sujos trocando tiros... Tá, isso também rola aqui, mas há muito mais, acreditem.
"Uma Bala para o General" (cujo título original, "Chucho: Quien Sabe?", é muito mais profundo), também de 1967, é outro filme antológico, representante de outro subgênero do faroeste: o "spaghetti", amado por uns, odiado por outros. Produções de baixo orçamento, feitas para exportação, que muitas vezes acabavam não sendo mais do que uma reunião de amigos que faziam filmes por farra e ainda ganhavam uma graninha com isso, os westerns de produção italiana são comumente mal vistos porque, realmente, muita coisa ruim foi feita, mas há os grandes e redentores exemplares do gênero, como os do mestre Sergio Leone, o "Django" de Sergio Corbucci e alguns outros mais.
Este, de Damiano Damiani (que já dirigiu até a Bette Davis e hoje, octagenário, continua filmando), é a típica obra pela qual você não dá nada a princípio, mas acaba sendo conquistado, devido a sua verdadeira grandeza. Confesso que, durante a primeira meia hora do filme, eu estava bem cabreiro, pois ainda não havia compreendido o tom da atuação do milanês Gian Maria Volonté (um puta ator, pleno de preocupações éticas e políticas, que figura em vários clássicos, como "O Incrível Exército de Brancaleone" e "A Classe Operária Vai ao Paraíso") e não estava engolindo a tosquice da produção, que emprega atores amadores, que sequer sabem morrer direito. Mas, depois, mordi a língua...
Volonté interpreta (de forma brilhante) o extremamente complexo Chucho, líder de um pequeno bando de ladrões mexicanos, que tem como irmão Santo, encarnado pelo malucão Klaus Kinski (sim, o alemão banca o revolucionário mexicano...). De meros assaltantes, eles passam a traficar armas para a Revolução, adicionando uma causa ao seu pendor natural pela infração da lei. Durante um fatídico assalto a trem, une-se a eles Gringo, um norte-americano interpretado por Lou Castel, outra figurinha fácil dos spaghetti (só faltaram mesmo o Franco Nero e o Lee Van Cliff...).
A partir daí, o bando viverá uma série de aventuras amorais (uma das frases que definem o contraditório Chucho é "Minha palavra some com o vento" _olha a figura do anti-herói pintando com força novamente), mas sempre com um fundo histórico e político (anticapitalista e anti-EUA ao extremo; o Osama ia curtir), embalado por uma boa trilha sonora, cujo tema de Adelita, personagem da totosa Martine Beswick, fica na memória. Pode assistir sem medo _mas tenha paciência, pois é só no final (maravilhoso, costura tudinho) que o filme é salvo e torna-se uma obra-prima. Não compre sangue, compre dinamite!
P. S. "Uma Bala para o General" lembra, por mais de um motivo, "Viva Zapata!", filme menor do gigantesco Elia Kazan, que faleceu esta semana, aos 94 anos. Há pouco tempo, quando recebeu um Oscar pelo conjunto da obra, foi aplaudido de pé por uns e hostilizado por outros, porque teria dedurado "comunistas" na época do mccarthismo... Eu costumo julgar a obra, nunca o homem, portanto Kazan entra para a história como o diretor de grandes filmes como "Sindicato dos Ladrões", "Vidas Amargas", "Clamor do Sexo", "Uma Rua Chamada Pecado", "O Último Magnata"... E eu o aplaudo de pé.
P. P. S. Há poucos dias, vi, em DVD, "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", de Jean-Pierre Jeunet, diretor de "Delicatessen" e de "Alien: a Ressurreição". Curto e grosso: que filme bobo!
P. P. P. S. A notícia que todos esperavam: o melhor programa de rádio do Brasil, o "Garagem", volta, mês que vem, na Brasil 2000. Yeah!