A Noite dos Mortos Vivos / A Morte do Demônio / Halloween – A Noite do Terror / O Iluminado
Quando eu nasci, Papai do Céu apontou o dedo pra mim e falou: “Esse é o cara!”.Mas agora não é hora de falar do Romário, e sim do Romero. Não do Cesar Romero, galã latino das antigas que acabou ficando mais famoso por interpretar o Coringa no clássico seriado “Batman”, mas do George Romero, um desses caipiras americanos que se enveredaram pelo cinema da única maneira que lhes foi possível: fazendo filmes de baixo orçamento, com produção independente.
Romero entrou para a história por causa deste “Night of the Living Dead”, lançado em 1968. O forte é a inventividade de alguns planos, além da fotografia em p&b e de algumas sacadas do roteiro: pra começar, o protagonista é negro (não gosto de entrar na questão racial, mas os próprios americanos gostam de lembrar que só foram dar Oscar de melhor ator/atriz para blacks há pouquíssimo tempo); pra terminar, o final, irônico (e narrado apenas com fotografias still), é muito legal. Os pontos fracos, como era de esperar, estão nas caracterizações dos mortos (conseguem ser ainda piores do que os clássicos filmes de monstros dos anos 30, que imortalizaram figuras como Boris Karloff _citado por Jack Nicholson no making of de “O Iluminado”_, Bela Lugosi e Lon Chaney Jr.) e na pobreza das atuações. Mas, pelo menos, é bem melhor do que o horroroso “Dia dos Mortos”, terceira (a segunda eu não vi, a quarta está a caminho) parte da série dos defuntos, feito no meio dos anos 80... Mas Romero não fez apenas terror, é recomendável explorar outros filmes do cara.
As qualidades e os defeitos de “The Evil Dead” (estréia em longas de Sam Raimi, cuja obra-prima ainda é “Um Plano Simples”, que traz a melhor atuação de Billy Bob Thornton), filmado em 1979, mas lançado apenas em 1982, são praticamente os mesmos de “Night of the Living Dead”. Se os atores (encabeçados pelo grande canastrão Bruce Campbell) são péssimos, e os “defeitos especiais”, podríssimos, Raimi realiza um filme invulgar, já experimentando com movimentos de câmera que seriam sua marca em obras posteriores suas e dos irmãos Coen _sim, Joel Coen trabalhou na edição deste filme. Isso se confirmaria em “Uma Noite Alucinante 2”, refilmagem de “A Morte do Demônio” (eu adoro este título) lançada em 1987, feita com muito mais dinheiro e um toque mais humorístico (que seria exagerado em “Army of Darkness”, terceiro longa da série). E olha que Raimi já declarou ter vontade de fazer “The Evil Dead 4”, além de a famosa revista “Fangoria” ter revelado que o personagem Ash deverá aparecer na continuação (é, tavam esperando o quê?) de “Freddy vs. Jason”...
(Mais) um parêntese: tenho um amigo que detesta este tipo de filme, porque os considera sérios e, para ele, filme trash que se preze não pode se levar a sério (a exemplo do sensacional curta-metragem universitário “Night of the Living Bread”, de 1990, onde pães de fôrma assassinos aterrorizam uma pequena cidade). Mas eu creio que quem leva estes filmes a sério é ele; se você assiste a eles com o intuito de se divertir, comendo pipoca e bebendo com os amigos, fazendo arruaça e rachando de rir, seu dia está ganho. Sem falar que é admirável a vontade desses caras de fazer cinema, com pouco dinheiro, conforto, glamour ou medo do ridículo, chamando os amigos para dar a cara pra bater também. E olha só onde o Raimi está agora, dirigindo blockbusters legais como “Homem-Aranha”, além de já ter filmado com Gene Hackman, Sharon Stone, Leonardo DiCaprio e Russell Crowe, para citar apenas “Rápida e Mortal”. Ah, se o nosso Zé do Caixão tivesse tido um destino parecido...
Falando em Freddy, Jason, Chucky e outros bichos feios (os 80 ainda veriam a refilmagem de “A Noite dos Mortos Vivos”, também com um toque pastelão _até Michael Jackson na fase “Thriller” é citado), quem deu a partida neste gênero de terror adolescente tão satirizado em “Pânico” e “Todo Mundo em Pânico” (cuja terceira parte será dirigida por David Zucker e trará Leslie Nielsen e Charlie Sheen) e cia. foi John Carpenter, com seu “Halloween” (cujo título original era “The Babysitter Murders”, urgh), de 1978, considerada a produção independente mais lucrativa da história _teria custado US$ 230 mil e lucrado cerca de US$ 50 milhões. Taí o filme que estabeleceu todos os clichês do gênero: começa com um assassinato, efetuado por um personagem incógnito, pra “esquentar” (um prólogo antológico, com câmera subjetiva); as vítimas são mocinhas (e seus namorados, depois que eles trepam); o assassino é praticamente imortal; as seqüências pululam (parece que o nono exemplar da série pinta no ano que vem...).
Mas não é que o filme é legal? Pelo menos este primeiro exemplar da série, já que não vi os outros (alguém aí viu “Christine, o Carro Assassino”, também inspirado em Stephen King? Sempre ouvi falar bem deste filme, assim como de “Assalto à 13ª DP”, considerado uma mistura de “A Noite dos Mortos Vivos” com “Onde Começa o Inferno” _ou “Rio Bravo”_ e umas pitadas de “Os Pássaros”). Carpenter (que também é músico e costuma compor os temas principais de seus filmes) conta bem a história do pimpolho Michael Myers, que foge do hospício para atormentar Jamie Lee Curtis (a filha de Tony Curtis e Janet Leigh, gostooosa, estreava aqui no cinema). O que chama a atenção é a falta de sensacionalismo barato; os (poucos) assassinatos estão longe de ser sangrentos ou chocantes (na verdade são bem sutis), e a narrativa é bem-sucedida ao contruir o clima de suspense.
Mas quem se mostra mestre em construir um clima de tensão com classe, sem apelar para monstros ou tripas, é o velho Kuby, que, obviamente, está a anos-luz dos outros três abordados neste texto. Além de todo o savoir faire do barbudo (algumas de suas características, como o excelente uso da trilha sonora _Bártok, Penderecki, Ligeti etc._, essencial nesse tipo de filme, a montagem fantástica _poucas imagens são tão aterradoras quanto aquelas menininhas sinistras_ e o uso de steady-cam, então ainda uma novidade, estão lá), “The Shining”, de 1980, traz um grande diferencial em relação aos outros filmes citados neste texto: um elenco de primeira.
E não se trata apenas de um Jack Nicholson literalmente infernal (nem o Jim Carrey consegue fazer aquelas expressões faciais); Shelley Duvall, a eterna Olívia Palito, é perfeita para choramingar incessantemente e fazer cara de pavor; Danny Lloyd, o garotinho, está muito bem, considerando sua idade; e o figura Scatman Crothers (que, no making off dirigido pela Vivian Kubrick _aquela menininha que aparece atendendo o videofone em “2001”_, se debulha em lágrimas ao falar do filme) também dá conta do recado. Adicionem a isso tudo um cenário sensacional, acrescido de tomadas aéreas belíssimas (dizem que algumas sobras delas teriam sido aproveitadas no final de “Blade Runner”, no final), da mulher pelada mais aterrorizante da história do cinema (ela parece um E. T.) e de alguns pequenos clichês do gênero, como um local construído sobre um cemitério indígena, a existência de crimes anteriores em situações semelhantes, um garotinho com poderes paranormais e o uso de um machado... para você aprender de vez que muito trabalho e pouca diversão fazem de Jack um garoto bobão.
P. S. Nada a ver com terror: abaixo, seguem dois trechos polêmicos de palestras de Jean-Luc Godard, realizadas em 1980, para que vocês concordem ou discordem...
“‘O Desprezo’ não pode dar uma idéia do cinema, só uma idéia _foi o que tentei fazer_ de certos personagens de cinema, e acho-o menos desonesto, por exemplo, do que o filme de Truffaut, que procura fazer as pessoas dizerem: ‘É assim que acontece no cinema’; e os espectadores... não entendem nada, mas ficam satisfeitos de verem confirmada a sua idéia; não entendem nada e acham que é assim que as coisas acontecem, quando não foi assim, absolutamente, que se passou no filme ‘A Noite Americana’. Quanto a mim, rompi completa e definitivamente com Truffaut, em parte por uma questão de dinheiro. Mas, no momento em que lhe lembrei essa questão de dinheiro que havia entre nós, disse-lhe que tinha assistido ao seu último filme e que, entre todos os planos, havia um que faltava: era um plano em que eu o vira entrar num restaurante de Paris, de braço dado com Jacqueline Bisset, enquanto estava rodando o filme. Dado o filme que ele fez, isso não tinha importância, já que era por isso que tinha feito o filme. Nem todos os planos dele com Jacqueline Bisset estavam ausentes do filme, ao passo que ele não se importara em inventar histórias sobre outros personagens. Ele não me respoundeu. Não temos mais relações. Mas, justamente, não é por acaso que ‘A Noite Americana’ obteve o Oscar de melhor filme estrangeiro; pois, na verdade, é um filme tipicamente americano. (...) Mas, ao mesmo tempo, penso que recompensaram esse filme porque ele disfarçava bem, fazendo crer que revelava o que pode ser o cinema: um truque mágico do qual não se compreende nada e, ao mesmo tempo, que mostra simultaneamente um mundo muito agradável e desagradável... o que faz com que as pessoas fiquem satisfeitas em não fazer parte dele e, ao mesmo tempo, encantadas por pagar regularmente cinco dólares para ir ver um filme. (...) O que há de desonesto no filme de Truffaut é que ele não mostra como contrata o pessoal: por que contrarou Jean-Pierre Léaud... Truffaut só mostra a si mesmo numa cama de solteiro _que ele já não tem_ e depois sobrepõe a palavra ‘cinema’, o que, mesmo para mostrar que ele está pensando no cinema, é de uma estupidez incrível. (...) A verdadeira vida de François Truffaut seria um filme muito bonito e que custaria terrivelmente caro. Porque sua carreira foi das mais estranhas. (...) Ele se deixou arrebatar pelo cinema, tornou-se tudo o que detestava.”
“Fui assistir a ‘Contatos Imediatos de Terceiro Grau’, e o que eu queria ver era o contato imediato do terceiro grau. Pois bem, a gente não o vê; o filme termina justamente naquele momento. Eu qualificaria isso de ‘covarde’, se fosse preciso qualificá-lo. Há aí toda uma covardia de quinze milhões de dólares... Analfabetos? Não, analfabetos, não. Spielberg pretende ser um homem culto; saiu de uma universidade. Esse é o cinema que se ensina nas universidades. Mas, bem... se eu tivesse algo a lhe dizer, seria: ‘Bom, isso não é muito corajoso’... E não é muito corajoso porque, se ele encontrasse um E. T., não saberia o que lhe dizer. Enquanto eu, de minha parte, teria muitas coisas a lhe dizer, por ser eu mesmo um E. T. Mas ele, é o cúmulo... Não podemos sequer chamá-lo de covarde. Melhor chamá-lo de escroque. Ao mesmo tempo, admiro realmente sua habilidade, uma bela trapaça de quinze milhões de dólars que rende oitenta... Essas coisas sempre me deixam boquiaberto; pois há também muito trabalho, a sua maneira. Por isso não lhe posso querer mal. O que não lhe perdôo é que não conte as coisas como se deve.”