A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, janeiro 14, 2005

    Peões / Entreatos / Meu Tio Matou um Cara

    Oito horas, e de pé. E de pé na fila, ônibus lotado. Duas horas em pé ou sentado.

    Estamos aqui mais para falar de cinema do que de política (embora a política, no fundo, esteja praticamente em toda a parte). Desconsidero totalmente opiniões do tipo "o projeto do PT não passa de ascensão social" ou afins, que andei lendo por aí, em especial a respeito de "Entreatos". Não torço nem pra clube de futebol, muito menos pra partido político. Se nem quando eu era do movimento estudantil, trabalhava na UNE e estava envolvido em política até os lóbulos auriculares eu sequer cogitei me filiar a uma sigla (não dizem que jornalista não tem amigos? Pois jornalista não deve ter é partido)...

    O que interessa, aqui, é a experiência de ter ido ao Espaço Unibanco no domingo passado para ver os novos filmes dos documentaristas Eduardo Coutinho e João Moreira Salles (este último tem a sorte de ser o dono da sala, senão...). No geral, as mais de três horas e meia passaram voando. Ambos os filmes são muito bons e deveriam ser vistos por muita gente. Mas não gente chata como o cara que se sentou ao meu lado em "Entreatos" e ficou xingando o Lula a cada vez que ele aparecia na tela (não que qualquer presidente não mereça ser xingado, mas não numa sala de cinema, certo?)...

    "Peões" é, disparado, o melhor filme do Coutinho que já vi. O itinerário da equipe do filme é muito claro e deixa-se seguir gostosamente. Os depoimentos são concisos e muito bem montados (um avanço imenso em relação a "Edifício Master", que se perdia em alguns excessos) e, por meio dos mesmos, é traçada uma linha muito evidente (talvez a clareza cristalina seja a grande qualidade da obra): entende-se perfeitamente o que uniu todas aquelas pessoas que falam para a câmera. São histórias importantes, que merecem ser contadas. Felizmente, nenhum depoimento se destaca muito mais do que os demais.

    O engraçado é que, quando eu assistia à última entrevista, na qual um ex-operário perguntava a Coutinho "O senhor já foi peão?" (o cineasta respondeu que não), eu pensei: "Ainda bem que eu nunca fui peão, como meu pai e meus avôs foram...". Aí, na saída, encontrei um velho colega da Ilustrada, Valmir Santos, que me disse: "Lembra de quando a gente trabalhava na Folha? A gente era peão também, não era?". Pensei bem e respondi: "É, a gente era". Peão com diploma e falando língua estrangeira, mas P-E-Ã-O.

    E muito difícil dizer se "Entreatos" é melhor do que "Peões" ou vice-versa. Ambos me parecem muito importantes, mas o filme de Salles (que, ultimamente, anda acertando mais do que o seu irmão mais velho, bandeado para a ficção com ares documentais) me deixou mais entretido, graças à graça de seu personagem principal.


    É, mais de dois anos de governo, algumas decepções naturais (e outras não muito) e tal, pode ficar difícil para muitos botar as coisas em perspectiva (até porque política é paixão que nem futebol, é muito raro entabular uma discussão de alto nível a respeito) e lembrar do contexto no qual o filme foi feito. Goste-se ou não de Lula, sua eleição foi histórica, o que faz do filme de Salles um clássico instantâneo.

    Agora, voltando ao ponto: por pior que Lula seja como político ou como pessoa (e conhecemos muitos bem piores do que ele), como personagem, ele é sensacional. Riquíssimo, divertido, carismático, às vezes até emocionante; mas o principal: ele nunca, nunca é chato. Seja contando histórias da época de peão, tripudiando sobre adversários como José Serra (como nas cenas da gravata e do telefonema de reconhecimento de derrota) e Fernando Henrique Cardoso (que "não bebe um gole" _aliás, é impressionante como muita coisa que depois virou notícia já aparecia ali, como as rinhas de galo do Duda Mendonça) ou interagindo com o povão, Lula é sempre uma figura (já não me lembro quem foi que disse: "Não sei como é que vai ser o governo desse cara, mas que vai ser engraçado, vai"). Se era mesmo a melhor opção para a presidência do Brasil, não interessa a mínima (não neste texto, pelo menos). Mas não adianta eu escrever um livro sobre o filme: tem que ver. Você vai, não vai?

    Dando uma aliviada, uma boa opção para uma matinê é o terceiro longa de Jorge Furtado, que desenvolve uma interessante carreira cinematográfica fazendo filmes meio "adolescentes" (bem, "O Homem Que Copiava" foge um tanto deste perfil). Mas o curioso é notar que, especialmente neste caso, se trata de filme de roteirista, mais do que filme de diretor. O grande destaque de "Meu Tio..." são os diálogos (pouco naturais, muito teatrais, nada a ver com "Elefante"), não os planos (exceto alguns muito felizes, como o de Lázaro Ramos, ainda melhor do que em "O Homem...", comemorando uma liberdade injustificada). O filme também é conciso, divertido e esperto, o que já está pra lá de bom (especialmente se lembrarmos de quanta porcaria nacional foi despejada no cinema em 2004 _não é á toa que a bilheteria de filmes brasileiros despencou, apesar de o maior lixo do ano, "Cazuza...", tenha vendido bem). Agora, espetacular mesmo é a Deborah Secco (digitando o sobrenome da moça, acabei pegando a tecla do lado e saiu Sexxo)... Sabiam que eu nunca tinha reparado que ela era gostosa? Só me lembro dela molecota em "Confissões de Adolescente"... Duvido que o Furtado vá virar o Truffaut brasileiro, mas considerando o que ele fez com a Luana Piovani (que pessoalmente não é lá essas coisas) e com a DB na tela... Uh!

    P. S. Agora que eu já limpei a baba, deixo aqui os meus parabéns para o Aílton Monteiro, que ganhou (merecidamente, a meu ver _especialmente pelas atualizações quase diárias, a exemplo do que costumavam rolar por aqui quando este blog, o primeiro a se dedicar exclusivamente ao cinema no Brasil, até onde eu sei, era jovem) o Quepe do Comodoro de melhor blog de cinema. Cheguei ao Cinesesc, no dia 5 de janeiro, bem na hora em que o nome dele estava na tela. Foi legal. Quase tão legal quanto "Profondo Rosso" (1975), filme de Dario Argento, o pai da mulher dos meus sonhos. Estrelado pelo David Hemmings de "Blow-Up" (traz também a Clara Calamai de "Ossessione", longa de estréia do Visconti) e com uma câmera bastante (mas apropriadamente) movimentada (e muitos zooms), é muito bem decupado, com uma direção de arte fantástica e belos enquadramentos. Além da criatividade e da competência na criação de climas de suspense (a cena em que Hemmings toca piano em seu apê, enquanto é espreitado pelo assassino, é ótima), Argento tem um grande senso de humor (seja voluntário ou involuntário), e "Profondo Rosso" é diversão pura (infinitamente melhor do que "O Jogador de Cartas", que passou dublado na Mostra), quem perdeu que vá atrás.

    P. P. S. E já que falamos em política, vai aí um trechinho de "Pequeno Cinema Antigo", ensaio de Paulo Emilio Salles Gomes, datado de 1969:

    "O que houve de mais interessante no gênero falado e cantado foram os filmes-revistas de atualidade política. (...) Mas nenhum desses filmes teve o êxito financeiro e artístico de 'Paz e Amor'. Exibida mais de mil vezes, a partir de março de 1910, e saudada por toda a imprensa, essa produção de Auler, filmada por Alberto Botelho, foi a primeira verdadeiramente a se enquadrar no gênero de filme-revista, focalizando as principais figuras e acontecimentos político-sociais. Com roteiro e versos de José de Patrocínio Filho, o filme mal poupa o presidente Nilo, que aparece sob o transparente pseudônimo de El Rei Olin. Já Rui Barbosa e Hermes da Fonseca surgem como tais, disputando a principal personagem feminina, a Presidência. Outras personagens femininas como a Imprensa, a Banda Alemã e a Viúva Alegre têm atuação destacada como símbolos da sociedade de então, ao lado de Compadre Xícara e Pagé-Acioly, reconhecidos imediatamente como os políticos Pires Ferreira e Nogueira Acioly. A ação era conduzida por Tibúrcio da Anunciação, personificação do matuto que 'A Careta' tornara popularíssimo: chega o herói para conhecer o Mundo da Lua, então sob o governo do Rei Olin. Como cicerone, é-lhe oferecida a Imprensa, que ele recusa por ser essa senhora sabidamente faladeira e venal. Quem o acompanha então nas aventuras é Mussiú Baboseira, em quem o público imediatamente reconhece o poeta-profeta Múcio Teixeira. Terminava o filme com uma apoteose ao Minas Gerais (...)."

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