A gruta é mais extensa do que a gruta

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    terça-feira, janeiro 04, 2005

    Reinado de Terror / Pueblerina

    Ah... Hora de trabalhar, trabalhar.

    Ué, mas isso é jeito de começar um ano, falando de um filme com um título tão macabro quanto "Reinado de Terror"? E olha que, se 2004 até que foi bem bom, 2005 promete ser melhor ainda (ou será que eu sou otimista demais?)...

    Na verdade, o que me faz abrir 2005 com "Terror in a Texas Town" (ah, o título original já deixa mais claro o gênero do filme...) é o fato de este curto (80 minutos) faroeste assinado pelo grande Joseph H. Lewis (mais conhecido pela obra-prima "Gun Crazy", filme que teria inspirado o famoso "Bonnie & Clyde" de Arthur Penn) e lançado em 1958 ser um imenso alento para quem ama o cinema. E tudo por causa de uma palavrinha mágica: originalidade.

    Ora, o filme já começa (e termina) com um duelo entre um pistoleiro e um pescador nórdico que empunha um arpão de caçar baleias (!!!). Tanto eu quanto meu pai (que já viu muitos filmes na vida), que assistia à obra comigo no mês passado, aqui em casa, comentamos que se tratava de algo inédito, único (até onde nós vimos) na história do cinema. É inspirador.

    Inspirador não só porque incute a importância de pelo menos tentar, como artista, fazer algo minimamente ousado e original, sem medo de parecer ridículo por desprezar a verossimilhança, mas também porque o filme simplesmente é muito bom, mesmo tendo sido feito com baixíssimo orçamento, considerado, portanto, como um "filme B".

    Em "Terror..." não há inconseqüência nem comicidade involuntária: a história do sueco interpretado por Sterling Hayden (também o vi recentemente no hoje clássico "Johnny Guitar", de Nicholas Ray, que, apesar de muitíssimo bom, me decepcionou um tanto) é trágica, o bandido fabulosamente interpretado por Nedrick Young é crudelíssimo (e sua relação com o chefe me lembra imensamente a de Henry Fonda e seu chefe em "Era uma Vez no Oeste" _será que o Leone viu o filme de Lewis?), e coadjuvantes fascinantes (como o vizinho mexicano e seu filho) preenchem todo o filme. Lewis constrói climas com uma maestria fantástica, fica difícil de acreditarmos nos próprios olhos. Mas a gente acredita, e gosta.

    Voltando um pouco mais no tempo (1949) e nos deslocando um pouquinho mais para o sul, encontramos "Pueblerina", o único filme que consegui ver na mostra (ocorrida no ano passado, no CCSP _eu recomendei que vocês fossem...) dedicada a Emilio "Indio" Fernandez, imensa figura do cinema mexicano, amigo de fé do John Huston e parceiro de Gabriel Figueroa.

    Também trágico, mas muito mais voltado para o melodrama do que o filme de Lewis, o filme combina certo romantismo dos faroestes americanos mais antigos com a valorização do folclore mexicano, receita que garantia o sucesso da fita. O drama do herói, um homem que volta à sua cidade após anos na prisão, por ter matado um amigo que estuprou (e engravidou, é claro) sua amada, não é mole; para piorar tudo, ele descobre que sua mãe morreu, que sua amada enlouqueceu e que os irmãos do homem que matou, os fazendeiros mais ricos da região, não o deixarão em paz de modo algum. Desgraça pouca é bobagem.

    Mas, assim como a implausibilidade funciona lindamente em "TTT", o exagero melodramático também não deixa "Pueblerina" cair no ridículo. Os olhos marejados das personagens não provocam risos (ou asco, considerando algumas novelas mexicanas que as TVs abertas adoram exibir), mas envolvem o espectador num drama muitíssimo bem conduzido. E a fotografia de Figueroa, aliada à tenacidade de Fernandez, fazem maravilhas até com o clima: a cena de duelo final (ora, faroeste sem cena de duelo no finalzinho perde muito a força, como ocorre no recente "Pacto de Justiça", de Kevin Costner, uns bons dez minutos mais longo do que devia) aproveita de forma brilhante a disposição das nuvens no céu, sem truques de computador, gerando um efeito quase milagroso. São de cineastas como Lewis e Fernandez que o cinema precisa, é isso o que queremos para 2005 e além.

    P. S. Alfred Hitchcock, que teria se casado virgem aos 25 anos e se mantido fiel até a morte, mostra que era um velhinho bem sem-vergonha, na célebre entrevista à François Truffaut:

    "Quando trato das questões de sexo na tela, não esqueço que, mesmo aí, o suspense comanda tudo. Se o sexo é espalhafatoso demais e óbvio demais, acabou-se o suspense. O que é que me dita a escolha de atrizes louras e sofisticadas? Procuramos mulheres de alta classe, verdadeiras damas, mas que no quarto se tornarão putas. A pobre Marilyn Monroe tinha o sexo estampado em todo o rosto, como Brigitte Bardot, e isso não é muito fino. (...) O sexo não deve ser exibido. Uma moça inglesa, com seu jeito de professora primária, é capaz de entrar num táxi com você e, para sua grande surpresa, arrancar a sua braguilha. (...) As mulheres conseguem suportar a vulgaridade na tela, contanto que não seja exibida por pessoas de seu próprio sexo."

    Ainda no assunto sexo, falando de "Vertigo":

    "Há outro aspecto, que chamarei de 'sexo psicológico', e que é, aqui, a vontade que anima esse homem de recriar uma imagem sexual impossível; para dizer as coisas simplesmente, esse homem quer se deitar com uma falecida, é pura necrofilia. (...) Todos os esforços de James Stewart para recriar a mulher são mostrados, cinematograficamente, como se ele procurasse despi-la em vez de vesti-la. E a cena que eu sentia mais profundamente era quando a moça voltava, despois de ter tingido de louro o cabelo. James Stewart não fica totalmente satisfeito, porque ela não prendeu os cabelos num coque. O que isso significa? Significa que ela está quase nua diante dele, mas ainda se nega a tirar a calcinha. Então James Stewart mostra-se suplicante, e ela responde: 'OK, tudo bem', e volta para o banheiro. James Stewart espera. Espera que, desta vez, ela volte nua, pronta para o amor."

    P. P. S. Falando em Alfred, este também é o nome do prêmio organizado anualmente por Chico Fireman. Em sua segunda edição, é a segunda vez que participo como votante. Seguem, a quem interessar possa, meus votos deste ano (é importante lembrar que eu vi apenas 39 dos filmes em competição, então é claro que, se alguma injustiça aberrante foi cometida, isso se deve ao fato de eu ainda não ter visto tudo...):


    Filme do ano: "Elefante"
    Direção: Gus van Sant, por "Elefante"
    Ator: Bill Murray, por "Encontros e Desencontros"
    Atriz: Maria Bethânia, por "Os Doces Bárbaros"
    Roteiro original: "Elefante"
    Roteiro adaptado: "Homem-Aranha 2"
    Ator coadjuvante: Lúcio Mauro, por "Redentor"
    Atriz coadjuvante: Irma P. Hall, por "Matadores de Velhinha"
    Elenco: "Igual a Tudo na Vida"
    Filme brasileiro: "Narradores de Javé"
    Filme de estréia: "Na Captura dos Friedmans"
    Fotografia: "Kill Bill Vol. 1"
    Montagem: "A Vila"
    Direção de arte: "Kill Bill Vol. 1"
    Figurinos: "Kill Bill Vol. 1"
    Maquiagem: "A Paixão de Cristo"
    Música (trilha sonora instrumental): "Kill Bill Vol. 1"
    Disco (trilha sonora - coletânea): "Matadores de Velhinha"
    Canção (canção original): "Come, Let Us Go Back To God" ("Matadores de Velhinha")
    Sonoplastia: "Shrek 2"
    Efeitos visuais: "Homem-Aranha 2"
    Cena do ano: Homem-Aranha sendo carregado no trem
    Pior filme: "Cazuza - O Tempo Não Pára"

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