A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, janeiro 28, 2005

    Alexandre / Eureka / Sobre Café e Cigarros

    Alexandre conquistou o Egito e a Pérsia, fundou cidades, cortou o nó górdio, foi grande; se embriagou de poder, alto e fundo, fundando o nosso mundo, foi generoso e malvado, magnânimo e cruel; casou com uma persa, misturando raças, mudou-nos terra, céu e mar, morreu muito moço, mas antes impôs-se do Punjab a Gilbraltar.

    Sabem qual a coisa que mais impressionou o público que assistia a "Alexandre" comigo, no final de uma quarta-feira quente, em uma sala lotada com capacidade para quase 300 pessoas? O logotipo de uma das produtoras do filme, que traz uma onda gigante ("Tsunami! Tsunami!", foi o comentário geral). De resto, o povão só se manifestou mesmo com risinhos de escárnio toda vez em que alguma mínima sugestão de homoerotismo pintava na tela (o que é triste, detestável etc.; depois acham ruim quando eu falo que homofobia é coisa de viado _ou melhor, enrustido invejoso...).

    Mas fato é que foram três horas que custaram a passar. Não, o filme não é um lixo; na verdade, é capaz de figurar entre os melhores do Oliver Stone (mas não sou eu quem vai estabelecer tal ranking)... o que não quer dizer muita coisa. O problema é que fazer um filme sobre Alexandre, o Grande, é mesmo uma tarefa muito difícil, justamente por causa da (relativa, sempre relativa) grandeza do personagem (ora, nem o Kubrick conseguiu fazer seu Napoleão...). Os estudos a respeito de Alexandre e de toda a cultura helênica são numerosos e profundos e, ouvindo de quem sabe bem mais do que eu a respeito, Stone e sua equipe até que fizeram um bom trabalho (embora o filme precisasse mesmo ser mais extenso ou, pelo menos, ter suas três horas usadas com mais concisão).

    Só que a "seriedade" com que Stone encara seu personagem acabou comprometendo seu filme, que não se assume integralmente como espetáculo ao mesmo tempo em que não o abandona por completo, saindo-se mal no processo (com a louvável exceção da batalha na Índia, onde até câmera lenta e alterações na fotografia funcionam, e muito bem). Querem que eu fale muito sério (apesar de me divertir de antemão, sabendo que tem gente que vai achar absurdo)? Até as devidas revisões, "Tróia" é melhor. Bem melhor como um todo, apesar de todos os pesares.

    Outro probleminha, claramente notável no filme: "Alexandre", apesar de não ter nada de "teatral" (adjetivo meio besta quando usado em relação ao cinema _ainda mais porque, em geral, as pessoas não sabem direito o que isso significa), narra muito mais por meio de palavras do que por imagens (o que, talvez seja até para o bem, porque Stone é mesmo mais um homem de letras do que de imagens). Falando em imagens, vamos logo ao principal: Rosario Dawson. Colossais, mesmo. Angelina Jolie (com aquele sotaque "Casamento Grego") merece prêmio por Melhor Insinuação de Mamilos. Agora, o resto: Colin Farrel não está tão ruim como andam dizendo (não creio que ele seja tão inadequado assim, embora quem seria capaz de passar maior "grandeza"? Não me venham falar em DiCaprio...). Val Kilmer está muito bom como Filipe da Macedônia, mas coadjuvante de respeito mesmo é Bucéfalo. Ganhou do Corcel Negro! No fim, até que valeu a tentativa, mas "Alexandre" está muito distante de ser uma obra-prima.

    Filme maior do que "Alexandre", não poderia ser menos "épico"; apesar de suas mais de três horas e meia de duração, "Eureka" (2000), do jovem e prolífico Shinji Aoyama (que o dirigiu, escreveu, montou e compôs a trilha sonora) é um drama intimista quase que totalmente em sépia. Se estes meros atributos já são suficientes para interessar a alguns e assustar a outros, o filme interessa mesmo por Aoyama demonstrar uma mestria imensa ao lidar com as imagens; já no primeiro plano a gente percebe a força de certo cinema japonês que o Tarantino tanto quis capturar em certos momentos de seus "Kill Bill".

    Embora, diferentemente de uma obra-prima como "Harakiri", este rigor não seja mantido durante toda a obra, Aoyama-san demonstra grande segurança na direção, dominando uma arte meio esquecida entre muitos cineastas de hoje: saber narrar com imagens, de forma poética e pouco óbvia. Um plano de um sapato boiando num rio pode ser muito mais eloqüente do que uma fala que expressasse o mesmo fato; aqui (e em outros momentos) a gente vê claramente um toque de mestre. Mais claramente: esses japas são foda, né?

    Depois de dois grandalhões, vamos dar uma relaxada e falar de um pequenininho: Jarmusch, com "Coffee and Cigarettes", coletânea de curtas feitos ao longo de quase 20 anos que acabaram se entrelaçando, resolver dar uma desencanada. Despretensioso (embora tenha gente que ache que é muita pretensão querer ser despretensioso), não empolga, embora faça rir, e muito. De bônus, presenças de gente como Bill Murray (que estará no próximo filme do diretor, contracenando com Sharon Stone _Julie Delpy, Tilda Swinton, Chloë Sevigny e Jéssica Lange lhes farão companhia), Roberto Benigni, Steve Buscemi, Lee Marvin (em uma pintura, mas o homem tá lá) e outros atores meio "cult", além de músicos como o conhecido Tom Waits (o curta em que atua com Iggy Pop foi premiado em Cannes), os White Stripes e RZA e GZA, do Wu-Tang Clan. Mas o destaque mesmo é o curta em que a bela Renée French folheia um catálogo de armas ao som de "Crimson and Clover"; é o mais bem decupado e visualmente inventivo, sem blablablá. Se ele não tivesse um certo prestígio, será que teria gerado algum comentário? Long live Joe Strummer!

    Mas o curioso, especificamente para mim, foi ver como os curtas de Jarmusch me lembraram de um curta de... bem, de minha autoria (que foi exibido ano passado no MIS, não lembro se comentei por aqui). Podem vomitar à vontade, mas a verdade é que eu também fiz um curta no qual duas pessoas estão conversando e bebendo em uma mesa até que um terceiro personagem vem interferir, usando o mesmo esquema de master shot/plano/contraplano. Só que eu não fumo (não só porque sou alérgico, mas principalmente porque acho feio, deselegante _quem é que liga pra saúde?) nem bebo café (por aversão à possibilidade de dependência química), então fiquei mesmo é com cerveja e batatas fritas... Um almoço um pouco mais saudável, não?

    P. S. Falei em toque de mestre em "Eureka", filme que me deu certa saudade de uma época em que os cineastas ainda sabiam contar uma história por meio de imagens. Assim como é facilmente observável em Hitchcock, os filmes sonoros de Fritz Lang conseguem conservar esta fantástica habilidade. Em "You Only Live Once" (1937), além do grande tema de Lang (homem x destino, carregado de certo misticismo), vemos cenas fantásticas inseridas na narrativa, como a que mostra um escritório de um editor de jornal, que aguarda o resultado do julgamento de Henry Fonda para saber qual manchete de capa usará... Não é muito mais interessante do que se estivéssemos na sala do tribunal? Custa ter um pouquinho de criatividade? Assistam e aprendam...

    P. P. S. Falando no Hitch e nessa questão de buscar formas interessantes de narrar visualmente, vai aqui um trechinho de sua famosa entrevista a François Truffaut, no capítulo em que eles discutem "Janela Indiscreta" (que eu tinha em DVD e me foi roubado, de dentro de minha própria casa):

    "É sempre a questão de escolher o tamanho das imagens em função dos objetivos dramáticos e da emoção, e não simplesmente com a finalidade de mostrar o cenário. (...) Para mim, é essencial me servir sempre de elementos ligados aos personagens ou aos lugares, e sinto que negligencio alguma coisa quando não os utilizo. (...) Para mim, o pecado capital de um roteirista é, quando se discute uma dificuldade, escamotear o problema dizendo: 'Justificaremos isso com uma linha de diálogo'. O diálogo deve ser um ruído entre outros, um ruído que sai da boca dos personagens e cujos atos e olhares contam uma história visual."

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