A gruta é mais extensa do que a gruta

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    segunda-feira, outubro 25, 2004

    Super-Homem: o Filme / Super-Homem 2: A Aventura Continua / Super-Homem 3

    Quem sabe o Super-Homem venha nos restituir a glória, mudando como um deus o curso da história, por causa da mulher.

    (Eu ia citar "Super-Homem, cascateiro, só faz força no banheiro", mas achei que era muita sacanagem e que seria mais propício citar os famosos versos do Ministro Gegê _isso não tem nada a ver com o fato de eu ter projeto inscrito no MinC.)

    Aconteceu tudo meio que simultaneamente: um dos meus irmãos comprou o pacote com os três DVDs dos primeiros filmes da série (ficaram com vergonha do quarto, é?); Quentin Tarantino, via Bill, cita o imenso Jules Feiffer filosofando sobre a questão da identidade secreta do pioneiro super-herói da DC; Christopher Reeve finalmente encontra a paz. Tudo conspirou para que eu revisse estes filmes e para que este texto pintasse por aqui (em vez do texto que se dedicaria exclusivamente aos filmes exibidos na última ótima Sessão Dupla do Comodoro, que ganha um honorável P. S.).

    Os dois primeiros filmes da série (que, na verdade, formam um pacote: a maioria dos profissionais envolvidos foram contratados pelos produtores para dois filmes, ainda no meio dos anos 70), eu sempre via na Globo, dublados; o terceiro, estreou no Brasil via SBT ("Cinema em Casa", lembra?). Até que faz sentido, pois são projetos totalmente diferentes. Minhas opiniões a respeito deles eram também bastante diferentes, antes desta revisão. Eu gostava mais da segunda parte e desprezava a terceira, o que, por enquanto, felizmente mudou.

    Do início: é interessante observar como essa ânsia pelos blockbusters estava em alta na segunda metado dos anos 70. O provável culpado é o então jovem Spielberg e seu fantástico "Tubarão" (que vi recentemente num DVD de edição caprichadíssima). "Super-Homem", não à toa, acaba tendo muito a ver com "Guerra nas Estrelas" (cuja caixa com os episódios 4, 5 e 6 meu irmão também comprou, o que indica que eles pintarão por aqui mais cedo ou mais tarde _provavelmente mais tarde...).

    O primeiro filme tem um grande (e caríssimo) bônus, que é Marlon Brando. Que nem está tão bom assim como Jor-El, que mais parece um cruzamento de Cid Moreira com Walmor Chagas, mas que, enfim, está lá. Gene Hackman também não é de se jogar fora, mas... jogaram. Seu Lex Luthor, tão terrível nos quadrinhos (isso quando o roteirista não o é), aqui vira um vigaristinha
    meio babaca, fanfarrão e cercado de asseclas que ou são incompetentes ou não muito fiéis (fórmula que se repetirá no terceiro filme da série). Sobra Glenn Ford, numa participação pequena, mas digna, no melhor trecho do longa: a adolescência de Clark Kent em Smallville (que, nos quadrinhos, costumava ser chamada, adequadamente, de Pequenópolis _ah, os tempos em que globalização não era um termo corrente e "Superman" se escrevia "Super-Homem"...).

    O filme piora muito quando Reeve aparece, mas não é culpa dele. Acho que ninguém poderia imaginar alguém melhor do que ele para o papel. Reeve conseguia vestir aquele figurino ridículo e... bem, ficar ridículo, mas ele dava ao Super-Homem um ar tão cândido que... tá, ficava ainda mais ridículo. O que quero dizer é que a trama do filme, após os anos de formação de Clark Kent, é fraca, tirando a relação Super-Homem/Lois Lane/Clark Kent, que é um achado e é, em geral, bem conduzida (mas não muito bem conduzida).

    Inesquecível mesmo são cenas como o primeiro vôo de Super-Homem e Lois Lane (o texto dito por Margot Kidder, a Courtney Love dos anos 70, é muito bonito) e o mundo girando ao contrário, suficientes para que o projeto, dirigido por Richard "A Profecia" Donner, fosse um sucesso e se tornasse um clássico entre os blockbusters.

    O segundo filme segue no mesmo tom, apesar da inesperada troca de diretores (saiu Donner, entrou Lester _sim, aquele que fazia filmes com os Beatles). Mas, agora, o Super-Homem finalmente tem rivais à altura: o trio de vilões que seu pai Brandão tinha mandado para a Zona Fantasma. Para complicar tudo, Lois fica sabendo a verdade sobre a relação entre Super-Homem e Clark Kent (temática que foi retrabalhada pelo Sam Raimi em seus "Homem-Aranha" _quando é que vão começar a chamar de "Spider-Man", hein?). Mas sabem que eu achei o filme meio chatim? Sei lá, mil coisas...

    Surpreendentemente, o terceiro filme me agradou bem mais do que eu esperava. Lester finalmente assume o comando e dá ao filme a sua cara: vira uma comédia bem sem-vergonha (não exatamente no mau sentido), repleta de situações rocambolescas e inverossímeis. Lester não leva o enredo a sério, o que é um tremendo trunfo num filme desse tipo. E não só isso: praticamente todo o universo de seus antecessores é desprezado (por exemplo, não aparece a Fortaleza da Solidão), mas apenas superficialmente: Robert Vaughn encara um novo tipo de criminoso multimilionário (a diferença é que ele não era um fugitivo como Luthor), Lana Lang toma o lugar de Lois Lane como par romântico (Kidder só faz uma ponta, bastante irônica mas coerente com os rumos da série) e Richard Pryor é o assecla atrapalhado _infelizmente, muito mais sem graça do que Ned Beatty (é, Gene Wilder sempre foi o fodão da dupla). A melhor piada, mesmo, é a da loira que finge ser burra, mas é inteligentíssima, lê e discute Kant...

    Desta vez, o destaque é mesmo Reeve, que pode mostrar melhor seus dotes de ator. A caracterização do Super-Homem como um babaca (após ser exposto a uma kryptonita de meia-tigela) ficou muito bem feita: ver o maior herói do mundo apagando a tocha olímpica, desentortando a Torre de Pisa e mandando ver no Red Label (é por isso que ele gritava "great scotch" no desenho dos
    Super-Amigos? _que, por sinal, também saiu em DVD, credo) com amendoim são ótimas sacadas do roteiro. Outro fator interessante é ver, no filme, já alguma discussão a respeito da ameaça dos hackers e do avanço da informática no cotidiano das pessoas (a própria Atari foi contratada para criar animações do Super-Homem para o filme, com direito à trilha sonora do Pac Man e tudo). Ah, e Lester não deixa de incluir uma música dos Beatles, como se assinasse, sutilmente, seu trabalho... Vale a pena "reever". Para o bar e avante!

    P. S. Falando no Ministro Gegê, acabei vendo o documentário "Doces Bárbaros" (1976), de Jom Tob Azulay. E é aqui que documentário vira documento: na época, talvez não fizesse muito sentido ver o registro desta turnê , mas, hoje, ela se converte num pequeno tesouro, ao nos mostrar como era boçal o Brasil dos anos 70 (como se o de hoje também não o fosse, mas não é isso que vamos discutir aqui _ou vamos?). À parte as músicas (algumas, impressionantes, como as sumida "Pássaro Proibido", numa boa interpretação de Caetano Veloso, e a linda "O Seu Amor", que destaca a voz de Gal Costa), há momentos interessantíssimos, como praticamente todo o episódio em torno da prisão de Gilberto Gil (hilário, hilário) por posse da "erva maldita" e uma entrevista tensa dada Maria Bethânia a um repórter provocador. Bethânia, por sinal, é e sempre foi a personalidade mais interessante do grupo; seria tremendamente agradável passar uma tarde conversando com ela, penso. Ou mesmo só ficar do lado dela, sem falar nada, olhando pro seu bigode. Melhor do que discutir fenomenologia com o Caetano.

    P. P. S. México lindo! Infelizmente não pude ver muitos filmes da bela mostra que o CCSP fez da obra de Emílio "Índio" Fernandez, mas só o "Pueblerina" valeu a pena. Além do espetáculo à parte que é a fotografia em p&b do Gabriel Figueroa, há um enredo fortíssimo e boas atuações... Uma espécie de "Casablanca" mexicano, ouso dizer. Ah, se todo dramalhão mexicano fosse assim...

    Falando em México lindo, vi hoje, na Mostra, o novíssimo "Temporada de Patos", de Fernando Eimbcke. Também em p&b (não entendi o porquê), mas bem chocho. Teatral pra burro, vale como tentativa de realizar filme de baixo orçamento, mas faltou ousar... Em contrapartida, tem um sensacional senso de humor, é fresco, tem boa trilha sonora e também tira uma onda com os Beatles. Só faltou mulé pelada.

    P. P. P. S. E falando em pelada, a Sessão Dupla do Comodoro, sob responsabilidade de Carlos Reichenbach, é um programa imperdível para quem mora em São Paulo e gosta de cinema. Infelizmente, o perderei quase sempre, porque é num horário desgraçado de ruim. Que tal fazermos uma campanha para mudá-la para sábado? Será que o Cinesesc deixa? Bom, mas valeu a pena ter furado os compromissos para ir ver "O Quarto Homem" (o melhor Verhoeven que vi até hoje) e "No Vale das Deusas Acromegálicas" (boa tradução para "Beneath the Valley of the Ultravixens"), do grande e recém-falecido Russ Meyer, em quem me inspirei para dirigir o meu primeiro curta-metragem mais, digamos, "sério". Se bem que nem sei se "sério" é realmente a palavra...

    quarta-feira, outubro 06, 2004

    Kill Bill Vol. 2

    Please, don't let me be misunderstood.

    A única certeza que tenho é a de que não tenho certeza de nada _ou melhor, nem disso eu tenho certeza...

    Digo isto (que poderia ser dito de forma geral, mas...) porque, como aconteceu com "Dogville", ainda não consegui ter uma posição solidamente formada a respeito do projeto "Kill Bill" (por isso que é tão legal eu ter esta oportunidade de discutir o filme com todos vocês que, sabe-se lá por que, passam por aqui). Assisti ao primeiro volume no cinema, como tem de ser _apesar de o filme, gravado num CD-R por um dos meus irmãos, estar à minha disposição para ser visto neste computador que agora uso para encher esta tela de letrinhas. E o sentimento foi de certa euforia, uma coisa gostosa _que nem sempre a gente sente ao ver um filme e que não tem preço.

    Engraçado, apesar de ter gostado do primeiro volume (mesmo tendo-o considerado o pior Tarantino até agora), não posso dizer que fiquei extremamente ansioso para ver a continuação. Não tive o menor ímpeto de procurar ver o filme, apesar de ter tido a oportunidade de fazê-lo. Não era nem um pouco penoso, para mim, esperar meses, até o então longínquo outubro (já é outubro? Puxa...) para saber como a história termina. Sim, eu tenho sangue de monge.

    Mesmo assim, não é que fui ver o "Vol. 2" numa pré-estréia (não, não agüento acordar cedo para as cabines de imprensa nem tenho mais tempo ou muita vontade de freqüentá-las), num sábado à noite (não freqüento salas comerciais nos fins de semana, o preço é um roubo), numa sala que ainda não conhecia (o Kinoplex Itaim, mais um típico templo comercial paulistano "preibói", como diz o JG _aliás, a sala é do veterano grupo Severiano Ribeiro...)? Pois, após assisti-lo, saí meio decepcionado, achando-o apenas "legalzinho", não muito mais do que isso. A verdade é que o filme não causou em mim o impacto do primeiro volume.

    Aí, com duas concepções conflitantes na cabeça ("a parte 1 é melhor", vinda do coração, e "não dá para comparar, são duas metades do mesmo filme", do cérebro), resolvi encarar o maldito CD-R com a primeira parte. Foi o primeiro longa-metragem que vi no computador, e a experiência foi terrível. O filme ficou um lixo! Perdeu totalmente sua capacidade de impacto, sua beleza, seu poder. Lamentável, mesmo.

    Agora, a segunda parte da obra cresce. Estou ligeiramente tentado a revê-la, caso entre em cartaz no cinema vizinho, o que constituiria outra experiência inédita para mim: a de pagar duas vezes para ver um mesmo filme (até porque, na pré-estréia, fui obrigado a me sentar longe demais da tela, o que me deixou muito irritado _nunca me sento depois da terceira ou quarta fileira, em geral). Taí uma das virtudes do Tarantino: seus filmes são bons de serem revistos. "Pulp Fiction" eu vi duas sessões seguidas, em 1995, depois revi o filme várias vezes em vídeo; "Cães de Aluguel" eu tenho em DVD e vejo sempre que dá vontade. O raro "Jackie Brown", considerado por muitos o melhor, só vi uma vez no Telecine, depois nunca mais. "Kill Bill Vol. 1" despencou na revisão, talvez por causa da péssima qualidade que o computador oferece.

    Por enquanto, o que fica, de "Kill Bill", é que, antes de tudo, trata-se do primeiro filme épico (e francamente de ação) dirigido pelo Taranta, baseado numa mescla de filmes de lutas marciais com western spaghetti _Tarantino homenageia, no primeiro volume, os primeiros; na seqüência, os últimos, representados por nomes óbvios como Sergio Leone e Sergio Corbucci, além de Lucio Fulci (este, mais lembrado por filmes de terror bem sangrentos). Interessante é a montagem subordinada à música (a trilha sonora é capital nos filmes de Tarantino, e é no quinto capítulo de "Kill Bill" que ela é usada de maneira mais irônica: durante o combate com os Crazy 88s, toca o roquinho "Nobody But Me", transbordando empáfia, e, nos momentos que antecedem a luta com O'Ren-Ishii, toca Santa Esmeralda...), a estereotipia das personagens (as sobrancelhas do Pai Mei de Gordon Liu arrancaram gargalhadas da platéia, Daryl Hannah está, mais uma vez, "pretty cool", e o Budd de Michael "Mr. Cool" Madsen mostra-se bem diferente do que o aperitivo fornecido na primeira parte sugeria), a participação de uma ex-estrela da filmografia do diretor numa ponta minúscula, praticamente impossível de identificar (a exemplo do que ocorreu em "Pulp Fiction" com Steve Buscemi; a bola da vez é Samuel L. Jackson) e o fato de não existirem heróis (a polícia, quando aparece, chega tarde demais e é boçal ao máximo). Aliás, o Bill de David Carradine, com direito a língua presa e tudo, também quebra as expectativas construídas no primeiro volume, assim como Tarantino dribla aqueles que pensavam que o filme poderia ter um final imprevisível. Invertendo aquele velho ditado: alguém, no final, tinha que se dar bem. Quase que o cinema imita a vida...

    P. S. "Perdidos na Noite" ("Midnight Cowboy", 1969), de John Schlesinger, é interessante justamente por ser mais focado na força dos personagens do que na do enredo (como, aliás, é o caso de "Kill Bill"). Jon Voight e Dustin Hoffman (mas especialmente o primeiro) estão excelentes; a narrativa, cheia de flashbacks que contam pedaços da vida de Joe Buck (que "was there to fuck") e que são maravilhosamente montados, é soberba, e a trilha sonora é simplesmente inesquecível, apesar de a repetição dos temas parecer excessiva. Um belo clássico moderno, em mais de um sentido.

    P. P. S. Como passou "Hatari!" na Bandeirantes (que está dando um pau na Globo em termos de filmes clássicos exibidos com som original e legendas), no domingo passado, vai aí o último trecho que separei do livro do Merten, que fala deste imenso diretor que foi Howard Hawks:

    "Por mais famoso que seja Ford, não são poucos os críticos que pensam que Hawks, nascido um ano depois, foi ainda maior. Idolatrado pela crítica francesa, Hawks disse que o expressionista Josef Von Sternberg, criador do mito de Marlene Dietrich, gostava de transformar a anedota em epopéia. Ele, pelo contrário, transformava a epopéia em anedota. É uma boa definição do seu projeto de cinema. Hawks realizou o modelo acabado da screwball comedy dos anos 1930: 'Levada da Breca', com Cary Grant e Katharine Hepburn; com 'Scarface', de 1932, inventou o filme de gângsteres; com 'À Beira do Abismo', com Humphrey Bogart como Philip Marlowe, fez um clássico noir definitivo. Pelo número reduzido de westerns que fez, Hawks não deveria ser páreo para Ford, mas com 'Rio Vermelho' ele criou nada menos que o épico do capitalismo."

    P. P. P. S. Voltando a Tarantino e a "Kill Bill", segue um interessante trecho de uma entrevista do diretor (cuja íntegra eu já forneci o link neste texto, a quem interessar possa):

    "About Kage no Gundan for a bit. There's like multiple sequel shows. You know, Kage no Gundan 1, 2, 3, 4. Every time they did a new series it was always a different Hattori Hanzo. It was set a little further in history. Hattori Hanzo number three, Hattori Hanzo number four. It just kept on going down. So now Sonny Chiba is playing Hattori Hanzo one hundred and still continuing that character. Now the thing about this is that, the audience doesn't need to know any of this. I'm very much a believer that if you're creating your own universe and your own mythology, you can have no question unanswered. But here's the thing: I don't have to answer the questions to you the audience. You just need to know I know the answer. I can tell you the whole story of how Hattori Hanzo ended up in Okinawa and why he didn't make a sword for 30 years, and who the bald guy is. I can tell you that. I don't have to tell you this during the watching of the movie, but you need to know how large this world is. This is how much I'm going to tell you now, and what I don't tell you, you can figure out. You can make up your own things. I know what's going to happen with Nikki (Vivica A. Fox's daughter). She will grow up and she will seek her revenge. I could go backwards. Once we get all done with this, we're talking about the concept of doing a couple of prequels with maybe Production IG just doing full-on animation. You know, the origin of Bill for instance. But I could do it with any of the characters. As far as actually continuing the story? Again, I don't know about shooting this in live-action or animation or writing it as a paperback, who knows? But it would be every ten years. Right now, The Bride is 30. The next one would be at 40. The last one would be ten years later when she's 50."

    Na platéia