Taxi Driver / Maratona da Morte / Desafio no Bronx / Assassinos por Natureza
Eu pensei que, um dia, tudo fosse mudar. Me enganei, mentira, como vou suportar? Sem você, menina, já não posso viver. Sinto falta, lembro dos momentos legais.“Taxi Driver” é um desses filmes que, para mim, são míticos. Porque eu ouço falar dele desde criança _ou seja, para mim, ele sempre existiu. E, realmente, seu sucesso e sua perenidade indicam uma qualidade quase imaterial, como se o filme não fosse apenas um filme.
E olha que, quando eu o vi pela primeira vez, achei um Scorsese ainda embrionário (é o quinto longa que ele assina sozinho), menor do que muitos de seus sucessores, além de ter me incomodado com a narrativa, que então considerei um tanto frágil, não só pelo uso da voz over (crianças, não digam “narração em off”, é feio), mas também pela movimentação de câmera, e com a tosquice dos (d)efeitos especiais na famosa cena em que Travis Bickle enfrenta os exploradores de Iris (talvez porque, apesar de ser um filme de baixíssimo orçamento, ele foi feito com tanto capricho e competência técnica que não aparenta falta de recursos), a prostituta de 12 anos interpretada pela Jodie Foster aos 12 anos. Mas, após revê-lo, o filme se mostra um trabalho cuidadosíssimo de narrativa (o uso da câmera lenta é primoroso), já que o anti-herói que protagoniza algumas semanas tensas de uma primavera nova-iorquina é o filtro através do qual vemos uma história incrível se desenrolar.
“Taxi Driver” (ganhador da Palma de Ouro em Cannes, em 76 _o Oscar foi perdido para “Rocky – Um Lutador”), se for para resumir, é um filme sobre a solidão. Travis está distante da família, não tem amigos nem namoradas. Supõe-se que ele seja um veterano do Vietnã e que retornou de lá com sérias cicatrizes psicológicas. Ele não consegue dormir e demonstra enorme desajuste social (não é à toa que ele leva Cybill Shepherd, “fria e distante, como as outras”, para ver um filme pornô). Sua busca desesperada, a princípio, se limita a preencher seus dias e noites, o que ele faz atrás do volante de um táxi, regado a bebida e pílulas. Mas, em pouco tempo, isso não basta: ele precisa fazer algo com sua vida (apesar de “estarmos todos fodidos”, como diz o Wizard de Peter Boyle _o pai da série "Everybody Loves Raymond"), precisa fazer diferença, precisa limpar todo o lixo à sua volta. Aí, ele se rebela.
De Niro (recém-alçado ao posto de estrela _havia recebido um Oscar de coadjuvante por “O Poderoso Chefão 2”_, foi tirar licença de taxista e, entre as viagens para a Itália, onde trabalhava no “Novecento” de Bertolucci, dirigia táxis em NY) está excelente, assim como o resto do elenco principal _até o próprio Scorsa (discípulo de Roger Corman, de quem falaremos em breve), que faz uma aparição estilo Hitchcock na cena em que Betsy é introduzida (no bom sentido), manda muito bem como um passageiro com dor de corno. O roteiro de Paul Schrader (a quem Scorsa conheceu por intermédio de De Palma) virou até letra de música do Clash, mas a melhor coisa de “Taxi Driver”, para mim, ainda é a imortal trilha sonora (baseada nos sopros, e não nas cordas) de Bernard Herrmann, que morreu na véspera de Natal de 1975, logo após tê-la composto.
Antes de passarmos para o próximo filme, duas coisinhas. Um: o moicano de De Niro é peruca. Dois: não se esqueça de que você é tão saudável quanto sente que é.
Também de 76, “Maratona da Morte” une novamente John Schlesinger (morto em julho deste ano) a Dustin Hoffman, que interpreta um historiador aspirante a maratonista, cuja família é marcada por tragédias. Mas o que chama a atenção, neste filme de violência crua, mas nunca sensacionalista, nem é seu enredo, em particular, mas o modo como a história é narrada (além da interpretação brilhante de Laurence Olivier). Corajosamente, o costumeiro didatismo hollywoodiano é deixado de lado, e só vamos entender como os vários personagens se relacionam com o tempo. Hoje, provavelmente, um grande estúdio forçaria o diretor a mudar tudo, deixando tudo mais mastigadinho para o público da era “Matrix”.
Voltemos rapidinho a De Niro, que estreou na direção de longas em 1993, filmando a peça autobiográfica de Chazz Palminteri, que interpreta Sonny, o bandido gente boa. A história gira em torno do tema da paternidade: de um lado, De Niro quer que seu filho Calogero cresça sem se envolver com os gângsteres do bairro; de outro, Palminteri “adota” o garoto e o introduz no mundo da contravenção. Parece babaca, mas é um ponto de partida fantástico _e o de chegada também, já que ambos se complementam ao formar o caráter do garoto. Só que De Niro não é Scorsese (nem Leone), e o que poderia ter sido um grande filme sobre NY é apenas um bom filme (o que, convenhamos, não é pouco), cujo senso de humor deriva, em grande parte, da ótima trilha sonora, baseada nos grupos de doo-wop. Ah, e prestem atenção na cena do velório, com De Niro e Joe Pesci. Talento não-desperdiçado.
Para acabar, avancemos um ano e vamos de Oliver Stone, um cara que labutou anos como roteirista (“O Expresso da Meia-Noite” de Parker, “Conan, o Bárbaro”, de Millius, “Scarface”, de De Palma, “O Ano do Dragão”, de Cimino etc.) para se consagrar como diretor ao encarar o Vietnã (onde, dizem, Stone serviu e até ganhou medalha) com “Platoon”, além de enfocar os presidentes JFK e Nixon em longas (sem falar naquele lixo que é “The Doors”, urgh).
Mas polêmica mesmo ele causou com “Natural Born Killers”, baseado num argumento do então aspirante a diretor-estrela Quentin Tarantino. Eu o vi no cinema, e, realmente, o filme causava impacto, mas, principalmente após “Pulp Fiction”, o longa de Stone se mostra como uma tentativa dúbia de criticar a indústria do espetáculo (da qual o próprio Stone faz parte).
Ainda sob uma certa influência de “The Doors” (Stone já foi preso mais de uma vez por porte de maconha e de haxixe _vou resistir à tentação de chamá-lo de Oliver Stoned), “Assassinos por Natureza” evoca um clima psicodélico de butique (ah, se fosse o Ken Russell) e descamba num psicologismo rasteiro, do tipo “papai me estuprou, então virei bandida”, ao contar a história de Mickey e Mallory, casal que mata a família e vai ao cinema. Daí temos, numa estética de desenho animado, misturado a projeções mil, cores saturadas alternadas a cenas em preto-e-branco, muitas imagens subliminares sem um pingo de sutileza, piadinhas sem graça com Charles Manson e uma arrogante depreciação da mídia arrogante, personalizada pelo personagem Wayne Gale. Até mesmo Tommy Lee Jones (que, curiosidade inútil, nasceu exatamente no mesmo dia que Stone) é desperdiçado _mas parece que foi intencional a adoção de personagens tão rasos, como se o diretor se vingasse da indústria que só faz porcaria ao fazer outra porcaria (neste caso, eu até respeito o filme um pouco mais). De bom mesmo, só a trilha sonora, em especial o meu velho amigo Leonard Cohen...
P. S. Mais De Niro: meio a contragosto, vi “A Máfia Volta ao Divã”, sem ter visto o primeiro filme da série. É uma droga _só não é completa porque De Niro sabe ser um ótimo ator cômico. Os primeiros 30 minutos do filme valem só por causa dele. Depois, nem o homem salva.
P. P. S. Se ninguém quis comentar sobre “Noite Vazia”, no texto aí debaixo, nem vou me alongar ao falar de “As Amorosas” (1967). Aqui, Khouri já encontra o caminho que trilharia por boa parte do resto de sua carreira: o graaande Paulo José interpreta o famoso personagem Marcelo, que tem Lilian Lemmertz como irmã (a pequena Júlia aparece). Quem também participa são os Mutantes, ainda adolescentes, executando a trilha sonora de Rogério Duprat. A cópia em DVD está ruim, os problemas técnicos abundam, mas o filme vale muito a pena. E até entendo que os cinemanovistas tenham considerado o Khouri um cineasta pequeno burguês, mas as questões que ele levanta continuam atuais _e eu até acho arrogância dizer que tais questões são pequeno burguesas, embora elas possam esperar mais do que a fome...
P. P. S. Não percam “Narradores de Javé”, quando estrear. O filme da simpaticíssima Eliane Caffé, que venceu o Festival do Rio, é cinema popular e digno. Vale muito a pena conferir a atuação de José Dumont como Antonio Biá. Voltaremos a ele em breve.