A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, dezembro 03, 2004

    Má Educação / Labirinto de Paixões / Thriller - A Cruel Picture

    Ah, vida noturna, eu sou a borboleta mais vadia na doce flor da tua hipocrisia.

    Eu, não, o Almodóvar. Vocês sabem que a Pedrucha anda bem falada por aí há muito tempo, mas "consagração", mesmo, só vem quando você ganha um Oscar, não? Ou dois. Agora, se "La Mala Educación", tão aguardado quanto "Tudo Sobre Minha Mãe" e "Fale com Ela", também será "consagrado" como eles, só o tempo dirá. Mas bastante gente está apostando que não (mentira, estou chutando, sou quase que completamente alheio ao Oscar _aliás, acho premiações em geral um saco, parece corrida de cavalo).

    Não chega a ser um filme ruim, muito menos um Almodóvar especificamente ruim; é um Pedrucha típico, ou seja, bom. Mas não é espetacular como "Carne Trêmula" nem tinha necessidade de ser. O interessante, mesmo, a respeito de "Má Educação", é que ele sedimenta uma tendência observada em "Fale com Ela": Pedrucha está se concentrando mais nos homens (será que isso é mesmo digno de nota?). Tirando a mãe do personagem do Gael e uma outra que praticamente só é citada, cadê a mulherada do filme? Ah, saudades de "Ata-me", "Kika", "Tacones Lejanos" (mentira, não gostei nada deste último)...

    Na verdade, a grande expectativa a respeito deste filme seria um suposto anticatolicismo espanhol, algo talvez buñuelesco, mas passamos bem longe disso (também, é covardia querer comparar Almodóvar a Buñuel...). Essas denúncias de pedofilia por parte de padres (algo que deve existir desde o australopithecus) que andaram movimentando os noticiários nos dias sem muito assunto dá muito pano pra filme, mas Pedrucha escolhe o caminho de se concentrar mais nas personagens do que nas situações. Em meio a tudo isso, temos o melhor do filme, uma versão de "Moon River" cantada por um garotinho.

    O oposto (na verdade, mais ou menos oposto) disso encontramos em seu segundo longa, "Laberinto de Pasiones" (1982), que vi no novo e bastante melhorado Belas Artes (antigo Belas Bostas), na companhia da srta. Ana e, pela primeira vez, do venerável Chico. Aqui, sim, temos o mais que saudável escracho generalizado: uma personagem ninfomaníaca chamada Sexília, uma garota que transa com o pai, um seqüestrador (o velho Antonio Banderas, antes de ser velho) que se apaixona pelo cara que deveria seqüestrar etc. _incluindo a própria Pedrucha, que aparece em dois momentos sensacionais, dirigindo uma sessão de fotos (ele faria algo parecido em "Matador") e cantando um tecnopop fuleiro e executando uma dancinha ridícula, usando brincos e maquiagem típicas dos anos 80, além de um sorriso que parece ser uma ode à idiotia.

    O filme é sem-vergonha no melhor sentido do termo, desde a cena inicial, que mostra subjetivas de dois personagens analisando uma parte bem especial da anatomia masculina, até uma velha gag típica de comédias populares, bem no estilo "Os Trapalhões", que termina na escatologia. Em suma, uma delícia politicamente incorreta, que arrancou inúmeras gargalhadas do público. Isso sim é que é filme, uma comédia realmente engraçada, sem se deixar afetar pelo nefasto "bom gostismo". É claro que Almodóvar não precisa retroceder (retroceder?) ao seu estilo de mais de 20 anos, mas também não precisava ter feito um filme tão pouco impactante quanto "Má Educação". E ainda vem nos falar de paixão, né, dona Pedrucha?

    Agora, "Thriller - En Grym Film", visto na Sessão Dupla do Comodoro desta semana, é um caso impressionante, porque único: foi a primeira vez (até onde me lembro _minha memória é quase tão fraca quanto minha carne) que vi planos fechados de sexo explícito (incluindo sexo anal e ejaculação) em um filme, digamos, "narrativo" (sei que existem os tais "pornô com história", mas é claro que isso deve ser enganação _apesar do meu apreço e do meu interesse pela pornografia, confesso que meu conhecimento desta cinematografia é muitíssimo pequeno, justamente por a imensa maioria desses filmes me parecer um tremendo de um lixo industrial, pura perda de tempo). E, mais impressionante ainda: apesar de fortes, as cenas não são apelativas (muitíssimo pelo contrário, são plenamente justificadas).

    "Thriller...", produção sueca de 1974, assinada por Alex Fridolinski, pseudônimo do também produtor, roteirista e ator (na verdade, ele só faz uma pontinha como vendedor de cachorro-quente) Bo Arne Vibenius (que, entre outras coisas, foi assistente de direção de Ingmar Bergman na obra-prima "Persona", mas anda afastado do cinema há muito tempo), é, sim, um filme cruel. Mas é bom, muito melhor do que eu esperava. É o filme que Quentin Tarantino deu para Daryl Hannah estudar, antes da filmagem de "Kill Bill". Conta a loira que, após vê-lo, falou, embasbacada, para o Taranta: "Quentin, você me mandou ver um filme pornô!". Ao que o lépido cineasta cinéfilo teria replicado: "Sim, mas um BOM pornô!". É, nosso amigo Quentin é um pândego...

    Mas, como já disse, "Thriller" (também conhecido por um título muito melhor, "They Call Her One Eye" _além de também ter sido lançado nos EUA como "Hooker's Revenge") não é um filme pornô. As cenas de sexo não são nem um pouco eróticas, mas cruéis, como adianta o título da obra. É a história de uma garota que, quando criança, foi estuprada por um velho nojento e, em conseqüência do trauma, ficou muda (genial; personagens sem voz, ainda mais com alguma parte do corpo faltando, têm tudo a ver com cinema, assim como anões e albinos _ainda vou fazer um filme protagonizado por um anão albino mudo e caolho, que, claro, será enterrado no final). Ao crescer, é seqüestrada, forçada a se viciar em heroína e a se prostituir. Como se isso tudo não bastasse, Tony, o homem que fez o diabo com a jovem, ainda fura um de seus olhos (esta cena também é explícita e, dizem, foi feita com um cadáver) e acaba levando os pais da garota a cometerem suicídio.

    OK, já deu para ter uma idéia de como o filme é dogão. O que a Noiva de Uma Thurman passa é fichinha perto do calvário da caolha Frigga/Madeleine (interpretada pela Christina Lindberg, belíssima atriz que participou de mais de 15 filmes no início dos 70 _aparentemente, todos com apelo erótico, a julgar pelos títulos_ e que reencarnou a assassina caolha mais de vinte anos depois, numa participação especial na comédia de humor negro chamada "Sex, Lögner & Videovåld"). E é aí que se justificam as cenas de sexo, que mostram a degradação cotidiana da protagonista de maneira exemplar. Já as cenas com drogas são bem mais brandas (pra dizer a verdade, são poucos os momentos em que vemos as seringas). Paralelamente, vemos, após a caolha ficar órfã, seu treinamento em diversas modalidades de combate que serão necessárias para ela empreender sua vingança: caratê, armas de fogo, direção ofensiva (sim, ofensiva) etc. Tudo isso narrado de forma absolutamente fascinante, com poucos diálogos e umas subjetivas bastante boas.

    As coisas pioram sensivelmente quando a vingança começa: a caolha (que tem figurinos espetaculares _a começar pelos tapa-olhos de diferentes cores, que combinam com as roupas, inclusive um sobretudo preto que lembra muito os da Trinity em "Matrix") persegue seus sádicos clientes e, no meio tempo, dá cabo de assassinos profissionais e de policiais. Algumas cenas de morte (todas em câmera lentíssima) são caricatas, mas há bons momentos em que a alteração da velocidade da imagem funciona lindamente, como quando voa uma arma da mão de um policial e de quando eles cospem sangue. Agora, nada nos prepara para a vingança final contra Tony... Não é à toa que o Tarantino adora este filme. Mas eu prefiro muito mais o Russ Meyer...

    P. S. Falando na Sessão do Comodoro, fui ver, pela primeira vez no cinema, alguns filmes de Carlos Reichenbach, que passaram no CCSP. Infelizmente, não consegui ver tudo o que queria, mas diante de "Filme Demência", "Garotas do ABC" e "Lilian M., Relatório Confidencial", já dá para ver com clareza que estamos falando de um autor cinematográfico. Pode-se detestar os filmes (nem é esse o caso), mas não dá para negar que se tratam de obras de expressão pessoal, e não de produtos comerciais _e isso já é garantia de respeito. Apesar de eu não ter gostado de algumas coisas (em especial, da falta de naturalidade da apresentação dos diálogos _é evidente demais que os atores estão atuando de acordo com um roteiro, e não vivendo suas personagens, problema que é especialmente visível em "Garotas...", já que nos outros dois, que me agradaram bem mais, a artificialidade é bastante justificada... Em "Lílian...", por exemplo, é feliz a falta de sync na dublagem), durante vários momentos tive a clara consciência de estar diante de construções imagéticas extremamente refinadas, cinema com C maiúsculo. Claro que os filmes poderiam ser melhores (e esse "melhores", claro, é algo totalmente subjetivo), mas aí não seriam filmes de Carlos Reichenbach.

    P. P. S. Gosto muito quando um filme divide opiniões de forma radical. "Contra Todos", longa de estréia de Roberto Moreira, professor de roteiro na ECA-USP, está sendo bastante elogiado, quando não está sendo tratado com asco. Assisti-lo não foi, de forma alguma, uma experiência desagradável ou desinteressante. Se a aparente displicência do uso da câmera de vídeo é mesmo aparente ou não, nem me importa muito; o que me incomodou e continua incomodando é o roteiro, não na maneira como é estruturado, mas em seu conteúdo: todos os personagens precisam ser violentos, promíscuos, traíras? Nenhuma possibilidade de redenção? Enfim, pelo menos, os atores (em especial o pai e a filha) estão bem. Salve-se quem puder!

    P. P. P. S. Falando em violência, escandalizem-se com as terríveis "Avaianas de Pau". Isso me lembrou tanto da minha infância...

    P. P. P. P. S. OK, o último: para quem ainda não enjoou do Orkut e não só gosta como sabe escrever, visitem Contos Tontos. O nome já diz quase tudo...

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