A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sábado, agosto 31, 2002

    Um Dia Muito Especial

    O veteraníssimo diretor italiano Ettore Scola parece ser capaz de ir ao céu e ao inferno. Ele consegue fazer bons filmes, como o recente “Concorrência Desleal” (sem falar em clássicos como “Nós Que Nos Amávamos Tanto”), mas também lixos absurdamente horrorosos, como “O Baile”, sério candidato ao título de pior filme de todos os tempos, empatado com, urgh, “Se7en”... Até “Plano 9 do Espaço” e o monstruoso “O Incrível Homem Que Derreteu” são melhores...

    Mas “Um Dia Muito Especial” é um desses filmes de dar gosto. Não chega a ser uma obra-prima, mas é uma daquelas obras capazes de não apenas encantar pela sua beleza intrínseca, mas passar uma mensagem fundamental para a humanidade, a da tolerância.

    Falando em tolerância, assisti a este filme com um baita de um sono, em uma tarde de domingo, mascando o chiclete oferecido pela funky mama Vanessa, que não fica nada a dever em termos de totosice para a Sophia Loren, uh yeah.

    E a Sophia Loren é realmente o grande destaque do filme. Apesar de já estar meio veiaca, a Vera Fischer da Itália bate um bolão com o meu alter ego Marcello Mastroianni, aqui um pouquinho menos histriônico do que em outros filmes.

    Então vamos falar do enredo: na transição entre as décadas de 30 e 40, Loren é uma dona de casa cheia de filhos e com um marido que não lhe dá atenção (para não dizer que a chifra sem grandes culpas). Vive em uma vizinhança de Roma onde também mora o radialista interpretado por Mastroianni, demitido injustamente, apenas por ser homossexual.

    Quando Hitler visita a Roma de Mussolini, toda a população vai em massa saudar o desgraçado do führer. Ou melhor, quase toda, porque Loren, apesar de querer ir à festa, tem de ficar cuidando da casa, e o velho Mastrô não é trouxa de ir babar ovo para os fascistas. É neste contexto que eles se encontram e passarão um dia juntos, se conhecendo (bastante, eu diria), se entendendo e se desentendendo.

    O legal é que o filme é simples, filmado em apenas uma locação, com dois grandes atores e, apesar de tudo isso, trata-se de uma obra puramente cinematográfica, sem teatralidade em excesso. Forma e conteúdo caminham de mãos dadas e não tropeçam um no outro...

    Nota: 9/10

    terça-feira, agosto 27, 2002

    O Escorpião de Jade

    As duas ou três pessoas que lêem este site há algum tempinho já devem saber que sou um grande fã do Woody Allen, aquele carinha esquisito que se engraçou com a filha adotiva da mulher (agora ex, lógico) e que vive reclamando que, apesar de ser um americano (mais especificamente, um novaiorquino) típico, fã de jazz, de beisebol, de pizza de peperoni e de loiras peitudas, seus filmes fazem muito mais sucesso na Europa do que na terra do Titio Samuel.

    Talvez seja por isso que o velho Woody esteja novamente fazendo comedinhas descompromissadas, como é o caso deste “The Curse of the Jade Scorpion”. Para ser curto e grosso: apesar de ser muito superior a algumas de suas velhas comédias, como “Bananas”, “O Dorminhoco” e “Love and Death”, “O Escorpião de Jade” não faz jus a outros trabalhos do diretor _e não me refiro apenas às suas obras mais metidas a Bergman, mas a ótimos filmes cômicos, como “Broadway Danny Rose” e o sensacional “Tiros na Broadway” (só para mencionar o que têm “Broadway” no título).

    OK, reconheço que estou pegando um pouco pesado, mas eu penso assim mesmo: quanto maior o gigante, maior a queda. Não vou aliviar a barra de alguém que já fez tanta coisa boa, como o Woody, e que agora nos oferece um filme apenas razoável.

    Em “Jade Scorpion”, novamente Allen volta à década de 40, período em que vários de seus mais de trinta filmes são ambientados. Seu personagem é C. W. Briggs, um veterano investigador de uma companhia de seguros que se sente ameaçado quando uma executiva, interpretada por Helen Hunt (aquela de “Mad about You”), torna-se sua superior na firma (e amante do chefe, encarnado pelo Dan Aykroid) e ameaça seu trabalho.

    Após um jantar onde os personagens de Allen e Hunt são hipnotizados, o mágico força o primeiro, por meio de um comando pós-hipnótico, a assaltar os cofres das casas mais ricas da cidade, para em seguida tentar resolver os crimes que ele próprio cometeu. A partir daí, tudo se torna bastante óbvio...

    O grande trunfo da bagaça são os diálogos (além da sempre boa trilha sonora, outro tradicional ponto forte de seus filmes). Allen usa e abusa de suas conhecidas tiradas, embora aqui o humor físico também apareça, especialmente nas cenas em que Briggs está sob o efeito do comando pós-hipnótico. Fora isso, o destaque mesmo é a hmmfrstprbslupr Charlize Theron, que está uma coisa de louco como a milionária femme fatale típica do noir. Agora, vamos esperar por “Hollywood Ending”...

    Nota: 6,5/10

    sábado, agosto 24, 2002

    Minority Report – A Nova Lei

    Já que estávamos mesmo discutindo as traduções de títulos de filmes para o português, o que vocês acham dessa mania de não mais traduzi-los, mas adotar o original e apenas adicionar uma frase em nossa língua? Tal artifício deve ser usado apenas em filmes cujo nome verdadeiro seja mais fácil, como foi o caso de “Ghost” (que aqui na plantação de inhame recebeu o complemento blérgh “Do Outro Lado da Vida”), ou também em trambolhos de difícil pronúncia, como este “Mainóridi Uripórti”? Vamos ensinar inglês para um povo que mal sabe portuguese? Zzzzzzz...

    Bom, neste momento você já deve ter lido trintocentos textos sobre o mais recente filme do recém-formado cineasta-oscarizado-tiopatilionário Steven Spielberg, o bondoso e idoso Spielby. Então vamos poupar tempo e espaço e apenas registrar algumas poucas impressões, para que possamos nos dedicar ao suco sangüíneo deste site: os comentários, yeah.

    Além dos filmes anteriores de Spielby (especialmente “Inteligência Artificial”, que também retrata uma sociedade no futuro), são referências básicas outras obras inspiradas na ficção de Philip K. Dick, como “Blade Runner” e “O Vingador do Futuro” (ambos bem bons _sem falar que o segundo tem Sharon Stone e a inesquecível mulher de três petchos), e, de certa forma, o “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, o fabuloso Kuby...

    Mas uma interpretação do futuro nos filmes ou nos livros dificilmente chama minha atenção. Não que eu ache que “o futuro a Deus pertence” ou algo do tipo, mas é que os interesses básicos dos seres humanos são perenes. Vestuário, arquitetura, tecnologias mil... é tudo perfumaria, no fundo.

    Poço (sorry...), a história de um policial norte-americano que trabalha em um sistema revolucionário (e ainda experimental) de combate ao crime, tornando-se vítima dele ao ser acusado de um crime que não cometeu... opa, pera aí. John Anderton, o personagem de Tom “agora usando aparelho” Cruise, foi acusado de um crime que está para acontecer... Isso porque o Departamento Pré-Crime, onde o protagonista trabalha, registra possíveis assassinatos, graças à ação de três jovens chamados de “precogs”. Esses precogs ficam imersos em um líquido e “sonham” com homicídios. Eles fornecem o nome da vítima, do assassino e o horário do crime, e cabe aos policiais descobrir o local e impedir o ato malévolo.

    A sinuca de bico em que Anderton se meteu acaba servindo a um outro grande clichê das questões relacionadas ao tempo (não apenas em obras de ficção, mas também em textos religiosos, filosóficos etc.): o futuro não está predeterminado, ele é construído pelas suas atitudes. Chupa, Calvino, o caroço da azeitona!

    No geral, a obra agradou à crítica, embora não falte gente para declarar em alto e bom barulho que o Spielby não é mais aquele, olha o filme dele... Eu gostei, a ponto de relevar a propaganda descarada de uma famosa loja de panos supervalorizados... See you later!

    Nota: 8,5/10

    segunda-feira, agosto 19, 2002

    Um Corpo Que Cai

    Tem aula melhor de cinema do que assistir a um filme como este? Sem comentários...

    Foi puro acaso: cheguei em casa, 22h do dia 1º de agosto, liguei a TV no Telecine Classic e ouvi aquela maravilhosa trilha do Bernard Herrmann (acho que só perde em popularidade para a de “Psicose”) e ver “Vertigo” estampado na tela. Certas alegrias são bastante simples.

    Mas confesso que “Um Corpo Que Cai” nunca foi o meu Hitchcock preferido, apesar de ser considerado por muitos seu melhor e mais complexo filme. Realmente o diretor britânico está em seu período mais brilhante, mas eu sempre preferi “Janela Indiscreta”, talvez não apenas por questões afetivas (afinal, foi o primeiro Hitch que eu vi, em vídeo, quando tinha 9 anos)...

    Esta versão de “Vertigo” é a tal da “cópia restaurada”. Não tenho informações detalhadas sobre o processo de restauração e não sei se ocorreu alguma espécie de adição (ou de corte) no filme. Chamou mesmo a minha atenção a vivacidade das cores, especialmente nas cenas internas, como a do restaurante, onde a personagem de James Stewart vê a de Kim Novak pela primeira vez.

    Mas vamos à história, para quem não conhece: Stewart é um detetive que descobre sofrer de acrofobia ao perseguir um bandido pelos telhados de San Francisco _e, por causa disso, um policial perde a vida. Traumatizado, decide abandonar a profissão, quando é contratado a contragosto por um velho e rico amigo, para investigar um estranho caso. Sua mulher, interpretada por Novak, estaria, de alguma forma, possuída pelo espírito de uma ancestral, que havia se suicidado décadas antes.

    A mulher muda o modo de se vestir, de se pentear, visita constantemente um museu onde há uma pintura da ancestral (obviamente o quadro se parece muito com Novak) e um hotel onde ela vivia. E diz não se lembrar do que faz durante as tardes. O marido diz acreditar que ela está realmente possuída pelo espírito e que corre risco de vida. Stewart é cético, mas acaba se envolvendo. E o óbvio acontece: ele se apaixona pela mulher _ou melhor, este detalhe é importante: pela imagem da mulher.

    Vou parar por aqui, para não estragar as surpresas de quem ainda não viu este filme (já basta o título em português, aiai). Claro que não dá para analisá-lo a fundo sem revelar o enredo, mas não é este o meu propósito. Basta saber que o enredo é, sim, bastante complexo (ainda mais para um filme hollywoodiano), o que pode desencorajar algumas pessoas na primeira hora do filme, mas, assim que os mistérios começam a ser revelados (bem antes do final da história, como é de praxe na obra do velho mestre do suspense)... acredite, é muito bom.

    Apenas mais algumas observações: a voz de James Stewart é horrível. Coitado dele. Mesmo assim, é lógico que é melhor assistir ao filme com o som original. E Kim Novak, apesar de biscoitésima, não me convence muito como a loira da vez _prefiro mil vezes Tippi Hedren e, especialmente, Grace Kelly (ai, ai)... Mas não é por causa desses detalhes que você vai deixar de mergulhar no filme, ora. Ah, minha cena preferida é aquela no parque das sequóias, quando Novak mostra a Stewart as linhas do tempo no caule de uma árvore milenar, lembrando como a vida humana é efêmera...

    Nota 10/10

    sexta-feira, agosto 16, 2002

    Cidade de Deus

    Caralho, caralho, caralho.

    Acabei de ver “Cidade de Deus”, filme de Fernando Meirelles (co-diretor do razoável “Domésticas”) e Kátia Lund, produzido pelo Walter Salles, exibido em Cannes com um certo furor e que estréia por aqui no próximo dia 30, e estou besta. O filme é muito bom.

    “CDD” é o novo “Pixote”. Esqueça os traficantes chefiados pelo Murilo Clonício em “Orfeu” e os universitários-guerrilheiros quarentões de “O Que É Isso, Companheiro?”: há muito tempo não se fazia no Brasil um filme tão realisticamente violento. Sério, “CDD” deixa no chinelo muito policial americano.

    E o que é esse Leandro Firmino da Hora, que interpreta o Zé Pequeno? O cara está apavorante, fez um trabalho fantástico, merecedor de prêmio. O Douglas Silva, que faz o Dadinho (Zé Pequeno quando garoto, talvez ainda mais aterrador), também está sensacional, assim como o Phelipe Haagensen, que faz o Bené, o “bandido gente boa” e melhor amigo do Zé Pequeno.

    A maioria dos atores vem de favelas e tinha pouca ou nenhuma experiência prévia. Dizem que os diálogos não foram decorados, o que ajudou no tom realista da obra. Matheus Nachtergaele, o único ator carimbado e tarimbado entre os protagonistas, fica até ofuscado (e talvez tenha sido esta a sua intenção), o que não acontece com Seu Jorge (sim, aquele que cantava no Farofa Carioca), que interpreta Mané Galinha.

    Mas espera aí, vamos com calma: adaptado do livro de Paulo Lins, o filme conta a história de uma turma de moradores da Cidade de Deus, periferia braba do Rio (nenhum cartão postal da cidade aparece no filme, ulalá). Ora, nos anos 60 o governo do Estado joga um monte de famílias desabrigadas em um lugar onde não tem asfalto, luz, escolas, lazer, emprego etc., e queriam que desse em quê? A ascensão do tráfico, das guerras de gangues, do aliciamento de crianças (e de policiais) para o crime é mostrado de forma até didática _é preciso lembrar que os personagens são inspirados em figuras reais. Até imagens verdadeiras de Sérgio Chapelin apresentando o “Jornal Nacional” em 1979 são usadas...

    Diferentes formas de filmagem, de fotografia e de edição são empregadas, mas o filme, com mais de duas horas de duração, flui numa boa. A trilha sonora é bem legal (tem James Brown e Raul Seixas), os cenários, figurinos, a reconstituição de época etc., mas o que se destaca mesmo é o carisma da molecada. Mais uma amostra de que talento pode ser encontrado em todos os lugares.

    Outra coisa que me chamou a atenção foi a reação da platéia, formada em sua maioria por jovens abastados: várias risadas fora de hora (embora existam, sim, momentos verdadeiramente engraçados). Será que o filme vai apenas distrair a elite ou chamará a atenção dos brasileiros para a violência que se desdobra há décadas debaixo de nossos narizes? Não perca.

    Nota: 9/10

    terça-feira, agosto 13, 2002

    8 Mulheres

    Tenho uma certa implicância (mais uma) com filmes adaptados de peças teatrais. Claro que de vez em quando pintam obras-primas, como o “MacBeth” de Polanski, o “Othello” de Orson Welles, “A Primeira Página” de Billy Wilder e muitos outros. Mas quando a coisa se limita a um simples teatro filmado... tsc, tsc.

    É o caso deste “8 Mulheres”, assistido, no Espaço Unibancool, com a (insira seu adjetivo preferido aqui _mas olha o respeito) Vanessa, somente porque “Pantaleão e as Visitadoras” estava com lotação esgotada. Merde.

    Dirigido por François Ozon (que também fez “Sob a Areia”, o qual não vi), traz no elenco oito atrizes francesas de variado calibre _a quase mitológica Catherine Deneuve à frente_, e um ator que sequer tem uma fala. Isso mesmo, a mulherada domina o filme, urru (lembra um pouco outra peça ainda mais famosa, "A Casa de Bernarda Alba", de Federico García Lorca).

    Que, surpreendentemente, é um musical. Um musical-whodunit-cômico-erótico-surrealista-etc. Os gêneros se misturam de forma não muito convincente, atiraram para tudo quanto é lado e acertaram pouca coisa.

    Eu nunca tinha visto uma platéia tão indisciplinada no Espaço Unibancool. Gracejos generalizados foram ouvidos durante todo o filme, especialmente na hora em que entravam os videoclipes das oito atrizes _sim, uma música para cada uma.

    Ambientada nos anos 50, a trama mistura crime, lesbianismo, comédia “screwball”... arre. Basicamente, o “homem da casa” é assassinado, a comunicação com o exterior de sua mansão está cortada, uma das damas é a culpada e todas escondem algum segredinho. Clichês dignos de “A Noite das Brincadeiras Mortais”...

    As atrizes não são ruins: Deneuve, Isabelle Huppert, Fanny Ardant (a cara da Narcisa “Ai Que Loucura”), Firmine Richard, Ludivine Sagnier e Danielle Darrieux, (como a véia que de repente abandona a cadeira de rodas, nonsense), estão bem, mas o destaque vai para a gostosura, ulalá, de Emmanuelle Béart _a empregada loira_ e de Virginie Ledoyen, a morena de “A Praia”. Mas a direção as deixou extremamente caricatas, para um filme que não se define como uma comédia.

    As músicas, apesar de comporem, junto com a cenografia e os figurinos de cores berrantes, as partes mais trash do filme _o que ajuda a sair do estereótipo de pretensioso que vitima parte do cinema francês, mas dá ao mesmo um ar de inconseqüência exagerada_, são boas (especialmente as letras). Recomendo “Papa T'Es Plus Dans le Coup”, a mais engraçadinha. E chega.

    Nota: 6/10

    sexta-feira, agosto 09, 2002

    A Soma de Todos os Medos

    Quando eu me mudei para Votuporanga, em 1982, a cidade, então bem menor do que hoje, tinha quatro salas de cinema: as duas do Cine Votuporanga, na Praça da Matriz; a do Cine Central, na rua Pe. Isidoro C. Paranhos; e a do Cine São Bento, gigantesca (800 lugares), com balcão e tudo, na rua Itacolomi, em frente à praça de mesmo nome.

    Passaram-se vinte anos, a cidade cresceu muito e agora temos... apenas uma das salas do Cine Votuporanga funcionando. E mal.

    Então é 18 de julho, e faz um calor de lascar _dizem que faz frio em São Paulo. O Caderno Livre do Diário de Votuporanga afirma que “A Soma de Todos os Medos” passa às 20h30 (as outras sessões são de “Spirit – O Corcel Indomável”, às 19h, e “O Ataque dos Clones” às 22h20). Na Masol, a distribuidora de revistas da cidade, onde ficam os displays dos filmes em cartaz, afirmam o mesmo. Na frente do cinema, os horários batem. E eu chego às 20h30... apenas para encontrar a bilheteria fechada e ouvir de um funcionário que o filme vai começar às 21h.

    Isso é só uma pequena amostra de como a situação do cinema local está deteriorada. E tenho de dar graças por ainda existir uma sala de cinema funcionando na minha cidade, mesmo que aos trancos e barrancos.

    Ir ao Cine Votuporanga é pra mim uma questão de honra. Vou por ideologia mesmo, porque a idéia de que a cidade possa perder sua última sala de cinema soa criminosa. Então, depois de dar uma volta pelas redondezas, volto ao local para conferir o mais novo filme inspirado na obra do escritor Tom Clancy _que também inspirou o célebre videogame “Rainbow Six” e mais uma cacetada de coisas.

    Ao entrar na sala, sente-se de cara o inebriante budum da famigerada pipoca de microondas sabor bacon na manteiga diet. No som ambiente (cadê o Ibama?) rola a fitinha do chileno (ou peruano, sei lá) da praça, reinterpretando com sua flautinha andina sucessos inesquecíveis como “Immortality”, “Hotel California” e, ulalá, “Careless Whisper”... Sim, é uma cena dantesca, como se dizia nos folhetins novecentistas.

    Em vez de trailers, temos slides mostrando os imóveis e a equipe da Unimed _porque é ela quem paga a conta de luz do cinema, aliás, quem tem carteirinha da Unimed entra de graça nas segundas e terças, se não estou enganado... E, durante a projeção, temos de fazer vista grossa para as bruscas trocas de rolo e a certa demora no enquadramento e no acerto do foco... Mas, enfim... tudo pelo cinema? Bom, a inteira custa R$ 4...

    E eis que já passamos da metade do texto e eu mal falei do filme em questão... Em “A Soma de Todos os Medos”, Ben Affleck interpreta Jack Ryan, o mesmo personagem de Harrison Ford em “Perigo Real e Imediato”. Envolvido em uma missão da CIA, ele tem de evitar a guerra entre EUA e Rússia (ãhn, ainda esse tema?), provocada por um estratagema sinistro de neonazista malévolo. Então lá vai o futuro Demolidor salvar as pátrias, apesar de não ser nenhum Rambo...

    Não dá pra falar muito do filme sem melar o barato de quem ainda não viu. Trata-se de um thriller político convencional, como deve-se esperar de uma obra inspirada em Clancy (que também deu origem a “Caçada ao Outubro Vermelho”). Mas o filme cresce depois de sua metade, o enredo até que mostra-se interessante, embora típico do romanção best-seller americano _mas muito distante de quando Coppolão resolveu adaptar um certo romance de Mario Puzo...

    No final das contas, um filminho típico de Tela Quente, apesar de não ser um grande abacaxi. Mas espera aí, que o buraco é mais embaixo: a CIA tem um departamento de relações públicas que anda cada vez mais ativo, dando assessoria para projetos como o deste filme e o da série “The Agency”... Pra quem acha que cinema americano não tem valor estratégico ou político (pra não dizer que é uma arma, instrumento de dominação cultural mesmo), basta lembrar do destaque dado à presença do Colin Powell em uma das últimas edições do Oscar...

    Nota: 7/10

    Na platéia