A gruta é mais extensa do que a gruta

    follow me on Twitter

    sábado, fevereiro 12, 2005

    Closer - Perto Demais / Menina de Ouro

    Vou pescar sua alma e lutar...

    Querido bloguinhu: há cerca de cinco anos, fui transferido da editoria de Ciência da Folha de S. Paulo para a Ilustrada, para escrever sobre... teatro. Fiz umas reportagens aqui e acolá, entrevistei gente do porte de Paulo Autran e tal, até que, perto de completar um mês na nova função, fui atirado aos leões: tive de escrever uma matéria de capa, com chamada para uma página inteira. Para quem acha que estou sendo dramático demais, a parada era a seguinte: Otávio Frias Filho, diretor de redação do jornal e filho do dono, é dramaturgo; portanto, acompanha com grande interesse tudo o que sai sobre teatro no jornal de sua família. E, se um de seus empregados escreve alguma besteira numa matéria de capa sobre teatro, está praticamente assinando sua carta de demissão (bom, se é verdade, não sei; foi o que me disseram os colegas mais experientes _felizmente, eles só me contaram esta história depois que a matéria foi publicada e eu continuei no emprego... Mas confesso que nunca entendi nem compartilhei deste pavor todo que a maioria dos meus colegas sentia).

    Mas por que é que estou contando esta história desinteressante neste rincão esquecido por Deus, tanto tempo depois? Ah, é porque a peça em questão era "Mais Perto", como foi batizada a montagem brasileira de "Closer", dirigida por Hector Babenco (que fez uma pausa no complicado processo de adaptar "Estação Carandiru", de Drauzio Varella, para o cinema) e estrelada por José Mayer, Renata Sorrah, Marco Ricca e Guta Stresser... Então, para fazer minhas entrevistas (além dos citados, também falei com o cenógrafo Gringo Cardia e com o autor da peça, Patrick Marber), é claro que tive de ler a peça primeiro e... bem, na época, achei um belo texto, com diálogos razoavelmente bem escritos, personagens razoavelmente interessantes, clichês razoavelmente clichezentos e tal. Sim, eu gostei bastante, embora não concordasse com Mayer, que dizia considerar Marber muito melhor do que Mamet...

    Aí eu vi o espetáculo (um grande sucesso em dezenas de países, inclusive nos EUA, onde o próprio Marber dirigiu a versão que foi para a Broadway), e não achei mais tão boa quanto no papel. Cinco anos depois, revejo-a em forma de filme, dirigido por Mike Nichols (que, poucos sabem, é alemão), um cara com experiência em levar o teatro para o cinema. E a coisa piorou ainda mais.

    Piorou em grande parte por causa do elenco: Jude Law e Julia Roberts estão tremendamente inadequados, e são ainda mais prejudicados por pegarem os dois personagens mais fracos da peça; Clive Owen se encaixa bem como o médico Larry, e Natalie Portman surpreende no papel de Alice, não por ser uma performance espetacular (pelo contrário, ela transforma Alice em uma menina chorona e chatinha, em vez da grande personagem trágica, "larger than life", que o texto original de Marber delineava), mas por não se limitar a ser um picolé de chuchu, aquele jeito Marisa Monte de ser. Guta Stresser fez o papel de modo bem melhor nos palcos brasileiros, embora a Portman seja infinitamente mais gostosa _que pecado ela ter pedido para o Nichols cortar as cenas de nudez, que desserviço à arte, tsc, tsc...

    Mas o que me deixou chateado mesmo foi a alteração criminosa do final (quem não viu o filme, pule este parágrafo). Marber se acovardou e retirou do roteiro o grande fecho trágico da peça, que a tornava um ciclo incontornável; no original, Alice morre atropelada (em circunstâncias parecidas com a da primeira cena da peça e do filme), e só ficamos sabendo sua identidade verdadeira (e identificamos o momento em que ela, pela única vez, se "desnudou" e falou a verdade) quando Dan e Anna se reencontram. O final que Nichols filmou é infinitamente mais broxante, perneta, oco. Cagaram na saída. Mas o resto do filme também é chatinho... É, acho que "Closer" dá mesmo um belo livro.

    Mudando da água para o vinho: que filme profundo e bonito o nosso velho amigo Clint realizou. É difícil falar de "Million Dollar Baby", porque palavras não vão chegar nem perto de expressar a beleza ao mesmo tempo discreta e evidente desta obra. O que posso dizer é que é uma alegria ver um filme que não tenta te fazer de idiota, que é sincero e honesto ao conquistar a complexa proeza da simplicidade. Clint Eastwood é uma raridade, nesse mundo cheio de prestidigitadores sem talento.

    E o cara é tão bom que deixa os outros brilharem: Hilary Swank prova de uma vez por todas que é boa atriz (basta darem a ela uma personagem interessante para interpretar), mas a grande surpresa da película é Morgan Freeman; normalmente detestável, não é que ele finalmente conseguiu fazer um trabalho decente? O que é que uma boa direção e um bom roteiro não fazem, hein? Saí do cinema até achando merecida a indicação para o Oscar de melhor ator coadjuvante...

    "Menina de Ouro" deu a Clint Eastwood o Globo de Ouro de direção, enquanto "O Aviador" ganhou o prêmio de melhor filme de drama. Acho um tremendo de um saco ficar discutindo premiações, embora seja algo meio inevitável. Vou ver o filme do Scorsa na semana que vem, o próximo texto deverá ser sobre ele, aí a gente discute se o filme da "Mo Cuishle" (o correto é "mo chuisle", ninguém é perfeito) é mesmo imbatível ou não. Porque parece tremendamente difícil que "The Aviator" o supere... embora isso não queira dizer nada em relação ao Oscar, estamos mais do que carecas de saber que o prêmio não costuma fazer justiça. Então, inté.

    P. S. Arthur Miller era fodão. Não só entrou para a história como um dos maiores dramaturgos americanos no século XX, mas casou com a Marilyn. E escreveu a também complexa obra-prima "Os Desajustados", um filme que o Clint deve admirar...

    P. P. S. Falando em Marilyn (também uma menina de ouro), vamos ler o que alguns de seus diretores falaram dela? Os textos são retirados do livro "Afinal, Quem Faz os Filmes" ("Who the Devil Made It"), de Peter Bogdanovich. Comecemos com Fritz, the Lang:

    "...não foi fácil trabalhar com Marilyn Monroe (...). Ela possuía uma combinação muito peculiar de timidez e incerteza (...), mas ela sabia exatamente o efeito que produzia nos homens. (...) Devido à sua timidez, ela ficava muito assustada em ir para o estúdio _sempre se atrasava. Não sei por que ela não conseguia se lembrar das suas falas, mas sou perfeitamente capaz de compreender a zanga de todos os diretores que trabalharam com ela, pois certamente por sua causa o trabalho se atrasava. Mas ela respondia bem."

    Agora, Howard, the Hawks:

    "No caso de Monroe, quanto mais se insistisse, melhor ela ficava. (...) Monroe só se assustava em aparecer _tinha grande complexo de inferioridade_, eu tinha pena dela. (...) Por exemplo, quando a pusemos para cantar, por duas ou três vezes ela tentou fugir do estúdio de gravação. Tivemos de agarrá-la e segurá-la para que não saísse. E, na verdade, Marilyn cantava bastante bem (...). Ela estava assustada, isso é tudo _e, quando se assustava, não conseguia trabalhar direito."

    Finalmente, George of the Cukor:

    "Marilyn não tinha confiança em si própria. Para ela, era muito difícil se concentrar, não acreditava que fosse tão boa quanto era. Ela se preocupava com tudo e fazia muito bem as coisas muito difíceis. Às vezes, distraía-se muito e não conseguia fazer uma representação sustentada, o que nos obrigava a filmar pedaço a pedaço; outras vezes, ficava tão nervosa que tínhamos de filmar fala por fala. Mas a sua mágica era tamanha que, quando tudo era montado, parecia que ela tinha dito as falas todas de uma vez. Ela era uma personalidade cinematográfica de verdade _uma verdadeira rainha do cinema. (...) Ela gerava excitação. Ava Gardner também faz isso."

    Nenhum comentário:

    Na platéia