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    quinta-feira, dezembro 18, 2008

    No dia e hora de uma coisa sem a menor importância (era a final de um campeonato de futebol), algo muito mais legal acontecia na sala BNDES da Cinemateca de São Paulo: a sessão com curadoria de Carlos Reichenbach que terminava com "Nas Duas Almas" (antecedido de trabalhos de Daniel Chaia, Inácio Araújo, do Carlão e de João Callegaro). Fico muito feliz ao me dar conta de que, a cada vez que vejo o vídeo do Vebis, ele me agrada mais. E como ele avisou nos comentários do texto anterior, Daniel Caetano escreveu sobre ele (segue um trecho): "Os atores são ótimos, a montagem tem movimento, as situações são boas e, sobretudo, Nas Duas Almas apresenta personagens de verdade mesmo: com aquelas figuras totalmente rockabillies, ele transparece um clima gostoso de cotidiano, de carinho por todas aquelas coisas que mostra. Por aí já dá pra entender por que o Inácio o comparou com o Sol Alaranjado, mas o filme do Vébis tem uma certa nonchalance, um jeito relax de ser, tem um humor sem melancolia, meio gozador mesmo: aqueles personagens são estranhos, mas são gente como a gente, oras." É muito bom ver o curta ser apreciado por quem entende do riscado e não está elogiando porque é amigo do diretor. E mesmo que não fosse um comentário positivo, esse feedback é essencial para repensarmos sempre nossos trabalhos.


    ***


    A obra-prima da vez é "This Sporting Life", de Lindsay Anderson (mais conhecido por "If...", do qual tenho ótimas lembranças, mas me parece menor do que este). Richard Harris, em um de seus primeiros fimes, como o durão jogador de rúgbi Frank Machin, está brilhante, numa atuação digna de um Brando; sua co-estrela Rachel Roberts também está ótima. A história, contada de maneira fragmentada, com muitos flashbacks e flashforwards (estilo que ainda hoje é considerado moderno e ousado), atinge picos de emoção em várias cenas, mas o filme passa longe do dramalhão. Uma gema do cinema inglês que merecia ser mais reverenciada, inclusive por este texto (não ter tempo para escrever comentários que prestem é uma pena).


    Outro dos melhores filmes desta leva também é feito na Inglaterra: "Bunny Lake Is Missing", de Preminger, não segue à risca o romance que adapta e combina preto-e-branco, cinemascope e planos longos com muita movimentação de câmera. A idéia foi reaproveitada de certa forma em pelo menos um filme, com a Jodie Foster, que ainda não vi. Olivier abre os créditos, mas a protagonista é mesmo Carol Lynley, ótima _Keir Dullea (mais famoso por seu papel em "2001: Uma Odisséia no Espaço") e Martita Hunt também se destacam, mas quem rouba todas as cenas em que aparece é Noel Coward, com uma personagem impagável, mas que não tem importância alguma para a história! Também não entendi o destaque dados aos Zombies, já que a banda aparece (até demais, é bem artificial) apenas pela TV em um pub e depois na trilha sonora.


    Bem aquém destes estão alguns filmes de terror que reúnem grande elenco, tendo à frente Vincent Price. O primeiro é bom: "Tales of Terror", dirigido por Corman, traz três histórias baseadas em contos de Edgar Allan Poe (o próximo livro que lerei em casa _sempre leio outro fora de casa_ é justamente suas obras completas) num belo cinemascope colorido. É despretensioso, leve, bem-feito (com muitos efeitos criativos) e muito gostoso de assistir. Há um ótimo momento, o hilário duelo de degustação de vinhos entre Price (engraçadíssimo) e Peter Lorre. Também aparecem Basil Rathbone e Debra Paget (em seu penúltimo filme). O outro, "The Comedy of Terrors" , penúltimo filme do grande Jacques Tourneur (literalmente em fim de carreira), volta com Vincent Price, Peter Lorre e Basil Rathbone, com a adição de Boris Karloff e das beldades Joyce Jameson e Beverly Powers _assinando com o grande nome Beverly Hills_, além do gato Rhubarb. Mas o filme não é engraçado nem assusta _ou melhor, deslumbra. O terceiro filme de terror visto é de outra cepa (e também minha única visita ao Japão neste texto): "Kaidan", que Kobayashi fez entre seus dois filmes mais conhecidos, traz quatro histórias de espíritos. As duas primeiras são as mais simples e previsíveis (por terem sido muito imitadas?). A terceira, a mais longa, também tem ritmo lento como as antecedentes, mas é a mais grandiosa (a cena da batalha naval é fantástica). A última é a mais curta e enigmática. Todas adequadamente jogam o naturalismo para as cucuias, com aquele cuidado típico das grandes produções japonesas. Keiko Kishi (a mulher da neve) e Michiyo Aratama (a primeira esposa da primeira história) são os destaques do elenco, que também tem Tatsuya Nakadai e Takashi Shimura. Um grande filme, mas bem longe da maravilha que foi o anterior "Seppuku" (que disputa com "Meninos de Tóquio" o posto de melhor filme japonês em minha ronin opinião).


    Faroestes também pintaram por aqui: o melhor é "Invitation to a Gunfighter", um dos últimos dos menos de dez filmes dirigidos por Richard Wilson (que foi assistente de Orson Welles). De baixo orçamento, é do meu subgênero predileto, desses sem índios nem cavalaria, mas enfocando injustiças em uma pequena cidade. Yul Brynner (talvez em seu melhor papel? Nunca fui muito com a careca dele) e George Segal estão ótimos, mas quem se destaca é Janice Rule _Pat Hingle também faz um bom vilão. Cenas surpreendentes não faltam, assim como boas falas. O final não deixa de ser ótimo, mesmo sendo folhetinesco e um tanto convencional. Também encarei o "Cheyenne Autumn", cujo nome no Brasil, "Crepúsculo de uma Raça", fiquei sabendo graças ao Ailton. É o antepenúltimo filme de Ford, feito após o pândego "Donovan's Reef", e uma longa superprodução em 70mm com direito a "overture", "intermission" e "entr'acte". Aqueles planos abertos maravilhosos não são o suficiente para fazer deste um dos maiores do diretor, mas ainda assim é um grande filme, com um elenco estelar e um posicionamento simpático aos índios e crítico à obediência cega dos militares. Quando Richard Widmark começa a narrar o filme, a voz lembra demais John Wayne. Há uma seqüência bem-humorada e estranha na qual James Stewart interpreta um Wyatt Earp cômico, muitíssimo diferente do clássico e trágico Earp de Henry Fonda. "Minnesota Clay", se não me engano, é dos primeiros spaghetti de Corbucci, que já tinha dirigido uns 20 filmes (pepluns de Maciste e outros). Cameron Mitchell interpreta um pré-Django _mas em vez das mãos arrebentadas, o drama de Clay é a perda da visão _suas subjetivas com trucagens são uma delícia. Mas não é apenas isso que fazem deste filme uma diversão garantida para fãs do gênero. E Ethel Rojo é um destaque como a interesseira Estella. E aqui no Brasil, creio que podemos considerar um western "A Hora e a Vez de Augusto Matraga". Segundo filme de Roberto Santos, obviamente ambicioso ao adaptar o último e possivelmente o melhor conto de "Sagarana" (li há tanto tempo...). Leonardo Villar é absolutamente brilhante, e Joffre Soares também segura a peteca, assim como Flavio Migliaccio. A religiosidade estranha de Matraga é muito bem trabalhada, e há planos curiosos, como aquele em que ele olha uma mulher passando e, em vez de fazer um comentário mais comum ele manda: "Todos os anjos do céu tinham de ser mulher"; em outro plano, ele se dirige ao "capeta", mas olha para o céu! Santos filma bem cenas de ação e experimenta com subjetivas e outros posicionamentos de câmera inusitados. Tomara que seja restaurado _a cópia que vi, gravada do Canal Brasil, não estava nada boa.

    Outro dos melhores filmes da vez veio de um diretor que sempre acho interessante: Pasolini "Gaviões e passarinhos", que começa em um tom de comédia (com os créditos cantados) que nem sempre se manterá, une Totò em um de seus últimos filmes e Ninetto Davoli praticamente estreando (assim como a vestal Femi Benussi, que teria uma carreira farta em comédias eróticas e gialli). Não há propriamente uma história, mas uma série de referências a outros filmes do diretor, formando um painel bastante abrangente de suas obsessões. As cenas dos frades evangelizando os pássaros são fantásticas. Mesmo sem concordar com todas as idéias de Pasolini e sem me entusiasmar por todos os seus filmes, tenho por ele um respeito imenso: era um verdadeiro artista, corajoso e honesto. Falando em "viadage" (para irritar o Veloso e o Bento XVI), dá para dizer que "My Hustler" é um dos filmes menos chatos de Andy Warhol? Com pouco mais de uma hora, é composto por duas seqüências (estou me despedindo do trema) feitas de planos muito longos, de 15 minutos ou mais: a primeira, a melhor, traz a câmera girando sobre seu próprio eixo e enfocando um michê loiro na praia, enquanto, na casa de uma bicha ricaça e escrota, ela, uma amiga e outro michê disputam para ver quem vai ficar com o loiro, a quem observam; na segunda, os mesmos personagens dialogam num banheiro, e os três supracitados tentam convencer o loiro a ficar com eles. Não sei se o diálogo foi improvisado, mas é ótimo; os atores, aparentemente não-profissionais, estão todos muito bem.

    Outro destaque é novamente Godard, desta vez com "Masculin féminin: 15 faits précis". Feito logo após "Pierrot Le Fou", também escancara bastante o posicionamento político do diretor e é saturado de informação, ao mesmo tempo em que mantém acesa a chama da cinefilia, o bom humor, o erotismo e a ironia. Chantal Goya ilumina a tela com sua beleza e suas canções alegres, e Jean-Pierre Léaud traz seu carisma habitual de garoto abobalhado e pretensioso, esta figura tão comum e universal. Outro clássico, mas não tão bom, é "Um Dia, um Gato", do tcheco Jasny, é uma dessas fantasias infantis malucas e belas que acabam se tornando clássicos. Um gato mágico, quando tira seus óculos, faz as pessoas ficarem coloridas de acordo com suas personalidades ou estados de espírito: obviamente, trata-se de inventivo e caprichado espetáculo visual. Dá para dizer o mesmo do superior "Les Parapluies de Cherbourg": Após "Lola", do qual este não deixa de ser uma continuação (Marc Michel repete seu personagem), Demy retorna com outra história agridoce de amor, no qual não existem vilões (e abundam marinheiros numa cidadezinha). Mas desta vez o filme é em cores, os diálogos estão na forma de canções (música de Michel Legrand, não tem erro), há Catherine Deneuve com 20 aninhos e, novamente, muita grua, muito travelling etc. Demy ainda faria sua obra-prima a seguir: "Les Demoiselles de Rochefort".

    Ainda nos musicais, voltamos a George Sidney em "Bye Bye Birdie", chamado por aqui de "Adeus, Amor": adaptação de um espetáculo da Broadway, satiriza a histeria provocada pelos astros da música (aqui, o alvo é Elvis, com quem, Sidney trabalharia em breve em "Viva Las Vegas _mas ao ver Ed Sullivan e aquelas adolescentes loucas na platéia é impossível não lembrar do estrago que os Beatles fariam um ano depois). O filme praticamente lançou Ann-Margret e Dick Van Dyke (e Janet Leigh não faz feio dançando). As canções são clássicas. E sobrou, para finalizar a seção "ampliando o repertório", "Perdidos no Kalahari", o antepenúltimo filme de Cy Endfield: não empolga muito no início, mas, à medida em que a tensão entre as personagens, vítimas de um pouso forçado (após uma impressionante cena de vôo por entre uma nuvem de gafanhotos) em pleno deserto sul-africano cresce, o filme cresce junto _graças ao instinto de sobrevivência exacerbado da personagem de Stuart Whitman, que infelizmente parece ter razão ao afirmar que a maioria das pessoas é como ele. A beleza e sensualidade de Susannah York também ajuda. O final é bastante cruel e violento, como a natureza. Oscar de melhor ator coadjuvante para o babuíno.

    ***

    De novo, volto à década atual. Acabei de ver um dos filmes mais badalados do ano, "WALL-E", de Andrew Stanton, projeto esboçado ainda no início dos anos 1990 _prefiro o seu anterior "Procurando Nemo" (gosto bastante de "Robôs", que não é da Pixar, mas este é melhor e muito diferente). Entre as inovações estão o longo tempo sem diálogos e o uso de trechos em "live action" (expressão que acho bem estranha), inclusive com cenas do "Hello, Dolly!" de Gene Kelly. A qualidade da animação é impressionante, especialmente nas cenas que se passam na Terra. O problema do filme é que seu início é de longe a melhor parte _quando EVE aparece, as coisas começam a degringolar, para piorarem bem mais quando WALL-E deixa o planeta. Não é estranho quando um dos melhores trechos do filme é não o seu final, mas os créditos finais? Uma animação bem mais humilde, mas também boa, é "Hoodwinked", chamado por aqui de "Deu a Louca na Chapeuzinho" (título bem anos 80). Eu me pergunto a partir de qual idade as crianças curtem essas animações irônicas que explodiram após o sucesso de "Shrek". Este, o primeiro longa em animação produzido pelos Weinstein, é bem escrito e tem algumas boas personagens, como o esquilinho pilhado e o bode caipira e hippie que tem 1.001 chifres para diferentes ocasiões. E o elenco tem Anne Hathaway, Glenn Close, Chazz Palminteri, Andy Dick, Jim Belushi e o rapper Xzibit. A animação 3-D está longe de ser das melhores _o que não é de estranhar, já que não é uma produção de grande orçamento.

    Outro filme que superou minhas parcas expectativas é "Kiss Kiss Bang Bang", o único filme dirigido por Shane Black, mais conhecido por ser o roteirista da série "Máquina Mortífera". É uma pequena pérola de humor negro ambientada na "freaky" L.A., embora a freqüente quebra da quarta parede encha um pouco o saco, interrompendo. Fazia tempo que um filme não me arrancava tão boas gargalhadas _os diálogos são excelentes. Michelle Monaghan, fantástica, rouba o filme de Robert Downey Jr. e Val Kilmer. Já Jason Reitman, filho de Ivan, começou a ser mais notado como diretor com "Obrigado por Fumar" (depois ele fez "Juno", que deve ter tido mais sucesso e deve ser pior), que também deu uma levantada na carreira do Aaron Eckhart. É mais ácido (mas não muito) do que engraçado (a não ser pelas cenas com Adam Brody e Rob Lowe, ótimos). Tem um grande elenco, mas o conjunto não passa muito de "pouco acima da média" (porque a média é baixa). E também pintou por aqui "Layer Cake", a estréia na direção de Matthew Vaughn, produtor dos dois primeiros longas de Guy Ritche, adaptando um romance. Ele faz um filme sério, sóbrio, sem muita frescura e sem muita grandeza. Diversão bastante esquecível, mas com um bom final. Daniel Craig, ironicamente, antecipa aqui algo de James Bond. É uma pena que Sienna Miller não apareça mais.

    Falando em mulher gostosa, "Matroesjka's" (chamado internacionalmente de "Matrioshki"), é uma série belga de 2005 que foi recomendada pelo Carlão. Não me animei tanto quanto ele _talvez a dublagem em espanhol tenha atrapalhado.

    ***


    P.S. Vale a pena ver a seqüência que gerou a melhor foto de 2008 publicada no Estadão.


    P.P.S. Como os nobres freqüentadores desta bodega já perceberam, coloquei lá em cima a geringonça (minha tradução para "gadget") que permite seguir este blog (já que nunca aprendi a mexer com RSS). Como as atualizações são parcas e esporádicas devido à falta de tempo, pode ser uma boa para as duas ou três pessoas quem têm vontade de acompanhá-las.


    P.P.P.S. Feliz tender com pêssegos e molho de damasco para todos! Passarei a festa no noroeste selvagem, mergulhado numa piscina.

    No texto que vem: "O Que Terá Acontecido a Baby Jane?" e outros filmes.

    sábado, outubro 11, 2008

    Falei do chilique de Luiz Carlos Barreto a respeito dos festivais nos comentários do texto abaixo e não consigo deixar de comentar agora o "manifesto anti-nudez no cinema" (ou uma grande cena de ciúme em público?) de Pedro Cardoso. Entre as muitas posições discutíveis no texto dele, há exageros ("pornografia que percebo presente na quase totalidade da produção audiovisual mundial, e na brasileira especialmente") e limitações ("a dramaturgia, que é arte de contar histórias, busca oferecer ao público um pensamento, e não uma sensação"), além de acusações (que podem até ter fundamento, mas não servem para generalizar) e ofensas. Entre estas, a de que "diretores e roteiristas" sofrem de "voyeurismo" e "desfunção (sic) sexual" e "impingem cenas macabras" aos atores (mas os atores não lêem os roteiros antes? Não se discutem estes pontos com o diretor? Que vitimização do ator é essa?). Aliado a tudo isso, declarações estapafúrdias ("Quem quer a nudez do outro, é porque tem problemas com a sua própria"). Curiosamente, ao final ele toca em um ponto mais interessante e pertinente, a atuação das pessoas que ele chama de "amestradores de atores". Também concordo quando ele fala que os atores devem fazer apenas o que querem, dentro de seu ofício (é claro que nenhum ator deve ser vítima de assédio ou qualquer outro tipo de covardia, assim como nenhum profissional deve sofrer abusos no ambiente de trabalho _e olha que já vi muita gente sofrendo...). E não me oponho de forma alguma a ele ter exposto o que pensa e sente. O que temo é que tais palavras possam exercer sobre o audiovisual brasileiro e o seu público uma influência nefasta, que o infantilize e o "encareteie" ainda mais. Porque é este o grande câncer que carcome a arte atualmente (não é à toa que várias pessoas ficaram perturbadas com a carta de uma leitora do Guia da Folha na qual ela reclamava de ter visto o trailer do novo filme do Mojica). Aliás, recomendo a leitura dos parágrafos 2, 3 e 4 deste texto de Andrea Ormond e também o início do seu texto anterior, no qual ela cunha o perfeito neologismo "sociochanchada"." Update: dois dias depois de eu ter escrito este texto, a Ilustrada publicou matéria de capa sobre a polêmica. Inácio Araújo escreveu um belo texto, do qual peço licença para reproduzir o parágrafo final: "Toda essa história é tão cheia de elementos estranhos, incompreensíveis, truncados, entreditos, que parece uma ficção mal alinhavada, sombriamente retrógrada, destinada a funcionar como lance de marketing, a serviço não se sabe do que ou de quem." Update 2: Laerte, excelente como sempre, publicou um "anti-cartum" que aparentemente faz menção à polêmica.

    Enfim, eu não vejo nada de mais na nudez (sou simpático ao naturismo e acho bonitos os corpos _e não precisa necessariamente ser de gente "jovem e sarada") e mesmo na pornografia (que, sim, tem algo de muito triste _mas também não sou contra a tristeza), que já foi defendida por grandes artistas. Mas se alguns atores, que realmente ficam numa situação de grande vulnerabilidade e exposição quando trabalham (mas os roteiristas e diretores também ficam, embora não tenham seus corpos registrados), não se sentem à vontade com a nudez, bastaria recusar papéis que a exijam, não? Cardoso acusa diretores e roteiristas de "voyeurismo" _mas o que há de mal no voyeurismo? Todo espectador de cinema não é um voyeur?

    Como diretor, eu nunca gostaria de colocar nenhum ator ou atriz numa situação constrangedora ou que venha gerar arrependimento no futuro; mas também acho que o ator ou a atriz deva ter a capacidade de se despir (sem trocadilho) de seus pudores na hora em que for interpretar (e vocês já imaginaram "Falsa Loura" sem a nudez de Rosanne Mulholland ou "O Céu de Suely" sem a nudez de Hermila Guedes ou "A Dama do Lotação" sem a nudez de Sônia Braga ou "Rio Babilônia" sem a nudez do travesti na cena com o Jardel Filho, entre muitos outros exemplos? Pode haver algo gratuito, constrangedor e pornográfico em muitos filmes, mas não em exemplos como esses, e não acredito que todos devam pagar pelos pecados de poucos); e caso ele/ela (de novo, sem trocadilho) não seja capaz, caso seja limitado(a) neste aspecto, que não aceite o papel. Mas que não se inicie uma campanha nefasta pela pudicícia (não em seu belo sentido de "honra feminina") ainda maior do nosso cinema (ou do gosto do público médio _ou de 'classe média"?), que anda massacrado pelo "bom gosto" burguês (odeio esta palavra, mas aqui ela cabe direitinho), pelo politicamente correto e pela incapacidade da "geração Prozac" de lidar com a vida. Um pouquinho mais de maturidade, por favor! E, principalmente, um pouquinho menos de frescura! (E imaginem aqui um "porra!" dito de boca cheia pelo Pereio.)

    ***

    Depois desse intróito, parece até adequado começar por "Como Consolar Viúvas", pornochanchada (na recente entrevista que Carlo Mossy deu a Jô Soares, este _que também dirigiu uma, "O Pai do Povo"_ brincou que a pornochanchada não tinha nada de... chanchada) que José Mojica Marins assinou como J. Avelar em 1976. A assinatura sob pseudônimo dá a entender que ele não tinha muito orgulho da fita, e realmente ela está muitíssimo aquém de seus clássicos. Mesmo assim, dá para ver, em alguns momentos (nos planos que abordam o sobrenatural, com direito a distorções de imagem), a marca do autor. Outra comédia que tem a ver com sexo (o Pedro Cardoso provavelmente morderia os cotovelos do Selton Mello de tanta raiva ao saber do projeto de website dos heróis do filme) é "Ligeiramente Grávidos", o segundo longa de Judd Apatow (o anterior foi "O Virgem de 40 Anos"), produtor e roteirista de cinema e TV que deu uma força para gente do nível de Jim Carrey e Ben Stiller _ou seja, é um nome central na comédia norte-americana há pelo menos uns 15 anos. E é impressionante a evolução neste filme, que é muito engraçado, mas também muito sutil, cheio de emoção, com personagens de carne e osso e uma trilha sonora cheia de canções famosas. O filme tem 2h15, ou seja, é bem pouco conciso (como o anterior), mas não é nem um pouco cansativo. Seth Rogen, Katherine Heigl, Paul Rudd e todos os amigos do protagonista (batizados com os nomes dos atores) estão ótimos. A cena em que o protagonista chama "Doze É Demais" (ou seria sua seqüência?) de um "filme doente", porque faz piada com uma grande responsabilidade, resume tudo.

    Mas vamos voltar para nossa linha do tempo, que está no início dos "revolucionários" anos 1960. À época ainda pipocavam obras que continuavam a seguir a linha dos filmes de gângsters que desembocaram no noir: é o caso de "Underworld U.S.A.", de Samuel Fuller, e de "The Rise and Fall of Legs Diamond", de Budd Boetticher. O primeiro, chamado por aqui de "A Lei dos Marginais", é uma história bastante simples de crime e vingança. O destaque é mesmo a crueza habitual de Fuller ao retratar a covardia e a violência: homens brutais não pensam duas vezes em ferir e matar _de preferência, mulheres e crianças primeiro. O segundo volta à Lei Seca e acaba parecendo uma homenagem a títulos como "Public Enemy", "Scarface" e, indo bem mais atrás no tempo, ao pioneiro "The Great Train Robbery", de Edwin S.Porter. Curiosamente, um texto no Imdb associa a interpretação de Ray Danton (que não me chamou muito a atenção, a não ser pelo fato de ele ser parecido com o David Schwimmer, o Ross de "Friends" _ele encerrou a carreira como diretor de TV, em séries como "O Incrível Hulk", "Mike Hammer" e "Magnum") ao padrão que logo seria adotado por Sean Connery como James Bond. É um dos primeiros filmes de Warren Oates, mas quem chama a atenção mesmo é Elaine Stewart, que parece até a encarnação da Jessica Rabbit, de tão gostosa _mas que não aparece pelada, para alívio de muitos atores.

    Outros filmes me lembraram as notícias da atualidade no país do Tio Sam. Foi curioso ver "Advise & Consent" (1962), de Preminger, em um momento em que o legislativo norte-americano está em evidência, devido à quebradeira dos bancos e esse aprova-não-aprova de uma lambança para consertar outra maior. Mas o filme, chamado por aqui de "Tempestade sobre Washington", é a adaptação de um romance que por sua vez se inspirou em uma série de personalidades políticas dos EUA em anos bastante turbulentos (e quais não são?) de Guerra Fria e mccarthismo. E o que a princípio parece apenas um filme que mostra algumas intrigas ao redor da nomeação de um secretário de Estado acaba adentrando por caminhos inesperados e bastante ousados. É estranho que Henry Fonda abra os créditos, já que ele praticamente faz uma ponta; do grande elenco (que tem Walter Pidgeon, Gene Tierney, Franchot Tone e até o crédito para a voz de Frank Sinatra), quem se destaca são Burgess Meredith e, especialmente, Charles Laughton, incrível _foi seu último filme, infelizmente; ele morreu em dezembro daquele ano. E "The Intruder" (1962), um impressionante filme de Roger Corman, considerado por muitos o seu melhor (não é de estranhar que tenha sido um dos seus poucos fracassos de bilheteria), entra de sola na "América profunda" para futucar a questão do racismo _não só muita gente está duvidando da eleição de Obama, à frente nas pesquisas, como já surgiram piadinhas mil a respeito do tempo de sobrevida dele caso adentre a Casa Branca (sem trocadilho); já o comparam tanto a Kennedy... Mas, no filme, William Shatner está absolutamente fantástico como o incitador do preconceito em uma pequena cidade sulista _é um dos vilões mais sórdidos, covardes e desprezíveis já filmados. A câmera é bastante ousada.

    E diante da sensacional história das boates de Buenos Aires que estavam sorteando próteses de silicone para suas freqüentadoras (por meio da qual fiquei sabendo que, lá, estas nobilíssimas partes do corpo feminino se chamam "lolas") me vem a lembrança de "Lola", o primeiro longa de Demy, dedicado a Max Öphuls (realmente, a câmera dança para lá e para cá, mas sem o mesmo rigor do homenageado). Anouk Aimée está exageradíssima, mas não tenho certeza se a culpa é dela ou se a sua personagem o exigia. O filme é todo luminoso (poucas vezes vi tanto branco, tanta luz estourando e tantos personagens na contra-luz como aqui), e o final agridoce em uma história sem vilões tem, ao mesmo tempo, um quê de crueldade e outro de alegria. Também da França veio uma grande e inesperada decepção: "Jules et Jim". O filme todo é, diferentemente do que eu esperava de Truffaut, muito gélido e distante de seus personagens: a primeira metade é frenética demais (dá a impressão de que o romance do qual o filme foi adaptado era tão ruim que ele correu com a história), e a segunda é morosa e repetitiva, sempre sem muita emoção. O melhor momento, de longe, é Moreau cantando "Le Tourbillion". Muito pouco para um filme tão comentado. Melhor é "Il Posto", de Ermanno Olmi, que mostra o percurso de um jovem que termina o ensino médio e, por necessidades familiares, tem de arranjar um emprego em Milão. Sua entrada no mundo corporativo, essa armadilha que até hoje captura muita gente (e não sai barato ser livre), é retratada com distância e sobriedade. Apesar de algum senso de humor, o filme é bastante deprimente _como tinha de ser. O destaque é a bela Loredana Detto, em seu único filme _ela acabou casando com o diretor, que deve tê-la guardado só para ele; vai que ele tinha medo de que ela acabasse trabalhando num filme do Ivan Cardoso ou do Selton Mello...

    Muitíssimo diferente de "Jules et Jim" nessa questão da emoção é "Too Late Blues", o segundo longa de Cassavetes (um filme "hollywoodiano", de estúdio, feito do outro lado do país _ou seja, uma porção de experiências novas para seu diretor. Impressionante a intensidade das personagens (o que certamente mina o naturalismo do filme _mas quem liga para o naturalismo no cinema? Para o naturismo, sabemos que o Pedro Cardoso liga) de Bobby Darin, Stella Stevens (que é incapaz de ficar feia, mesmo com o cabelo molhado ou a maquiagem borrada _além disso, é provavelmente sua melhor atuação), Everett Chambers (em seu único filme como ator _trabalhou principalmente como produtor) e até mesmo Cliff Carnell (que parece um Lee Marvin grandalhão e, assim como Seymour Cassel, trabalhava também na equipe de fotografia "da pesada"). E no Reino Unido temos outro filme de grande impacto: "The Innocents", de Jack Clayton.Considerada a melhor adaptação de "The Turn of the Screw", de Henry James (tenho o livro há mais de dez anos e só após ter visto este filme fiquei com vontade de lê-lo), é impressionante como a tensão é construída lentamente, até nos levar a um dos finais mais terríveis e desconcertantes. A fotografia de Freddie Francis em scope é primorosa, e Deborah Kerr está memorável _mas quem rouba a cena são as crianças, Pamela Franklin (em seu primeiro filme, de uma carreira que durou uns 20 anos _resolveu se aposentar) e Martin Stephens (em um de seus últimos trabalhos _ acabou se tornando arquiteto).

    Outro trabalho impactante é "Khaneh Siah Ast" (que pode ser traduzido como "A Casa É Preta"), único filme da poeta iraniana Forugh Farrokhzad, que morreu poucos anos depois, em um acidente, ainda jovem). É um documentário de 20 minutos sobre uma casa de leprosos, ou seja, não é difícil imaginar que as imagens sejam impressionantes (lembrou-me como Pasolini foi feliz em retratar o leproso em sua obra-prima, "O Evangelho Segundo São Mateus"). A montagem, também da diretora, é incrível. E finalmente chegamos à obra-prima do período: "Madre Joana dos Anjos", talvez o filme mais conhecido de Jerzy Kawalerowicz (morto em dezembro do ano passado). É uma história de possessão demoníaca na Polônia do século XVII _mas não se trata de um filme de terror, embora alguém possa até dizer que é uma espécie de precursor de "O Exorcista" (é inspirado numa história real, que Ken Russell também adaptaria em seu "The Devils", de 1971, que ainda não vi). A belíssima fotografia em preto-e-branco e a simplicidade dos cenários remetem ao anterior "A Paixão de Joana D'Arc" e ao posterior "Andrei Rublev", além dos filmes de Bergman; a decupagem, os enquadramentos e a montagem são próximos da perfeição, e o casal de protagonistas, Mieczyslaw Voit (fantasticamente "duplicado" em uma cena, sem que seus duplos ocupem o mesmo plano _trocam-se subjetivas) e Lucyna Winnicka (a mulher do diretor, belíssima _e a exemplo de Ingrid Bergman em "The Bells of St. Mary's", sequer mostra os cabelos), está brilhante em todos os planos. Certas cenas com as freiras endiabradas lembram uma espécie de musical distorcido. Entusiasmado por este trabalho, fui atrás do filme imediatamente anterior do diretor, "Pociag" (que ganhou em inglês o título "Night Train"), por ter lido que seria o seu melhor. Não é. É um "thriller de trem", mas a história da busca pelo assassino fica em segundo plano, já que mostrar as personagens é mais importante para o diretor. O resultado é um filme que fica um tanto em cima do muro, perdendo a oportunidade de ir até os limites _com exceção da cena de captura do assassino, que é ótima.

    E a série da vez foi a segunda temporada de "The Tudors", protagonizada por Henrique VIII (boa atuação de Jonathan Rhys Meyers). Esta é o inverso da anterior: se a primeira mostrava a ascensão de Ana Bolena, esta enfoca sua queda (com uma dignidade admirável). E com ela fecha-se um ciclo (embora uma terceira temporada esteja prevista para o ano que vem, que seria a última com Meyers). Como era de esperar, o clima fica mais pesado, há menos humor e muito menos sexo; a primeira metade é cansativa, porque o objetivo do protagonista é fixo, e sua obsessão torna-se difícil de suportar. Mas temos no esmero da produção e em um grande elenco de apoio (destaques para Natalie Dormer, Henry Cavill, Jeremy Northam e para a participação especial de Peter O'Toole, como o papa Paulo III) os grandes trunfos desta série _que, no entanto, fica distante de outra grande série de época, "Roma". Seria muito bom se a série, após a saída de Meyers, mantivesse a qualidade e enfocasse os reinados de "Bloody" Mary e Elisabeth _de preferência, com mais "pornografia", por que não?

    P. S.: Foi só eu ler o discurso do Pedro Cardoso para eu ter uma idéia para um curta erótico, inspirado em uma foto e em duas pinturas.

    P. P. S: Começou a Mostra! (...) E daí?

    Na platéia