A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sábado, outubro 11, 2008

    Falei do chilique de Luiz Carlos Barreto a respeito dos festivais nos comentários do texto abaixo e não consigo deixar de comentar agora o "manifesto anti-nudez no cinema" (ou uma grande cena de ciúme em público?) de Pedro Cardoso. Entre as muitas posições discutíveis no texto dele, há exageros ("pornografia que percebo presente na quase totalidade da produção audiovisual mundial, e na brasileira especialmente") e limitações ("a dramaturgia, que é arte de contar histórias, busca oferecer ao público um pensamento, e não uma sensação"), além de acusações (que podem até ter fundamento, mas não servem para generalizar) e ofensas. Entre estas, a de que "diretores e roteiristas" sofrem de "voyeurismo" e "desfunção (sic) sexual" e "impingem cenas macabras" aos atores (mas os atores não lêem os roteiros antes? Não se discutem estes pontos com o diretor? Que vitimização do ator é essa?). Aliado a tudo isso, declarações estapafúrdias ("Quem quer a nudez do outro, é porque tem problemas com a sua própria"). Curiosamente, ao final ele toca em um ponto mais interessante e pertinente, a atuação das pessoas que ele chama de "amestradores de atores". Também concordo quando ele fala que os atores devem fazer apenas o que querem, dentro de seu ofício (é claro que nenhum ator deve ser vítima de assédio ou qualquer outro tipo de covardia, assim como nenhum profissional deve sofrer abusos no ambiente de trabalho _e olha que já vi muita gente sofrendo...). E não me oponho de forma alguma a ele ter exposto o que pensa e sente. O que temo é que tais palavras possam exercer sobre o audiovisual brasileiro e o seu público uma influência nefasta, que o infantilize e o "encareteie" ainda mais. Porque é este o grande câncer que carcome a arte atualmente (não é à toa que várias pessoas ficaram perturbadas com a carta de uma leitora do Guia da Folha na qual ela reclamava de ter visto o trailer do novo filme do Mojica). Aliás, recomendo a leitura dos parágrafos 2, 3 e 4 deste texto de Andrea Ormond e também o início do seu texto anterior, no qual ela cunha o perfeito neologismo "sociochanchada"." Update: dois dias depois de eu ter escrito este texto, a Ilustrada publicou matéria de capa sobre a polêmica. Inácio Araújo escreveu um belo texto, do qual peço licença para reproduzir o parágrafo final: "Toda essa história é tão cheia de elementos estranhos, incompreensíveis, truncados, entreditos, que parece uma ficção mal alinhavada, sombriamente retrógrada, destinada a funcionar como lance de marketing, a serviço não se sabe do que ou de quem." Update 2: Laerte, excelente como sempre, publicou um "anti-cartum" que aparentemente faz menção à polêmica.

    Enfim, eu não vejo nada de mais na nudez (sou simpático ao naturismo e acho bonitos os corpos _e não precisa necessariamente ser de gente "jovem e sarada") e mesmo na pornografia (que, sim, tem algo de muito triste _mas também não sou contra a tristeza), que já foi defendida por grandes artistas. Mas se alguns atores, que realmente ficam numa situação de grande vulnerabilidade e exposição quando trabalham (mas os roteiristas e diretores também ficam, embora não tenham seus corpos registrados), não se sentem à vontade com a nudez, bastaria recusar papéis que a exijam, não? Cardoso acusa diretores e roteiristas de "voyeurismo" _mas o que há de mal no voyeurismo? Todo espectador de cinema não é um voyeur?

    Como diretor, eu nunca gostaria de colocar nenhum ator ou atriz numa situação constrangedora ou que venha gerar arrependimento no futuro; mas também acho que o ator ou a atriz deva ter a capacidade de se despir (sem trocadilho) de seus pudores na hora em que for interpretar (e vocês já imaginaram "Falsa Loura" sem a nudez de Rosanne Mulholland ou "O Céu de Suely" sem a nudez de Hermila Guedes ou "A Dama do Lotação" sem a nudez de Sônia Braga ou "Rio Babilônia" sem a nudez do travesti na cena com o Jardel Filho, entre muitos outros exemplos? Pode haver algo gratuito, constrangedor e pornográfico em muitos filmes, mas não em exemplos como esses, e não acredito que todos devam pagar pelos pecados de poucos); e caso ele/ela (de novo, sem trocadilho) não seja capaz, caso seja limitado(a) neste aspecto, que não aceite o papel. Mas que não se inicie uma campanha nefasta pela pudicícia (não em seu belo sentido de "honra feminina") ainda maior do nosso cinema (ou do gosto do público médio _ou de 'classe média"?), que anda massacrado pelo "bom gosto" burguês (odeio esta palavra, mas aqui ela cabe direitinho), pelo politicamente correto e pela incapacidade da "geração Prozac" de lidar com a vida. Um pouquinho mais de maturidade, por favor! E, principalmente, um pouquinho menos de frescura! (E imaginem aqui um "porra!" dito de boca cheia pelo Pereio.)

    ***

    Depois desse intróito, parece até adequado começar por "Como Consolar Viúvas", pornochanchada (na recente entrevista que Carlo Mossy deu a Jô Soares, este _que também dirigiu uma, "O Pai do Povo"_ brincou que a pornochanchada não tinha nada de... chanchada) que José Mojica Marins assinou como J. Avelar em 1976. A assinatura sob pseudônimo dá a entender que ele não tinha muito orgulho da fita, e realmente ela está muitíssimo aquém de seus clássicos. Mesmo assim, dá para ver, em alguns momentos (nos planos que abordam o sobrenatural, com direito a distorções de imagem), a marca do autor. Outra comédia que tem a ver com sexo (o Pedro Cardoso provavelmente morderia os cotovelos do Selton Mello de tanta raiva ao saber do projeto de website dos heróis do filme) é "Ligeiramente Grávidos", o segundo longa de Judd Apatow (o anterior foi "O Virgem de 40 Anos"), produtor e roteirista de cinema e TV que deu uma força para gente do nível de Jim Carrey e Ben Stiller _ou seja, é um nome central na comédia norte-americana há pelo menos uns 15 anos. E é impressionante a evolução neste filme, que é muito engraçado, mas também muito sutil, cheio de emoção, com personagens de carne e osso e uma trilha sonora cheia de canções famosas. O filme tem 2h15, ou seja, é bem pouco conciso (como o anterior), mas não é nem um pouco cansativo. Seth Rogen, Katherine Heigl, Paul Rudd e todos os amigos do protagonista (batizados com os nomes dos atores) estão ótimos. A cena em que o protagonista chama "Doze É Demais" (ou seria sua seqüência?) de um "filme doente", porque faz piada com uma grande responsabilidade, resume tudo.

    Mas vamos voltar para nossa linha do tempo, que está no início dos "revolucionários" anos 1960. À época ainda pipocavam obras que continuavam a seguir a linha dos filmes de gângsters que desembocaram no noir: é o caso de "Underworld U.S.A.", de Samuel Fuller, e de "The Rise and Fall of Legs Diamond", de Budd Boetticher. O primeiro, chamado por aqui de "A Lei dos Marginais", é uma história bastante simples de crime e vingança. O destaque é mesmo a crueza habitual de Fuller ao retratar a covardia e a violência: homens brutais não pensam duas vezes em ferir e matar _de preferência, mulheres e crianças primeiro. O segundo volta à Lei Seca e acaba parecendo uma homenagem a títulos como "Public Enemy", "Scarface" e, indo bem mais atrás no tempo, ao pioneiro "The Great Train Robbery", de Edwin S.Porter. Curiosamente, um texto no Imdb associa a interpretação de Ray Danton (que não me chamou muito a atenção, a não ser pelo fato de ele ser parecido com o David Schwimmer, o Ross de "Friends" _ele encerrou a carreira como diretor de TV, em séries como "O Incrível Hulk", "Mike Hammer" e "Magnum") ao padrão que logo seria adotado por Sean Connery como James Bond. É um dos primeiros filmes de Warren Oates, mas quem chama a atenção mesmo é Elaine Stewart, que parece até a encarnação da Jessica Rabbit, de tão gostosa _mas que não aparece pelada, para alívio de muitos atores.

    Outros filmes me lembraram as notícias da atualidade no país do Tio Sam. Foi curioso ver "Advise & Consent" (1962), de Preminger, em um momento em que o legislativo norte-americano está em evidência, devido à quebradeira dos bancos e esse aprova-não-aprova de uma lambança para consertar outra maior. Mas o filme, chamado por aqui de "Tempestade sobre Washington", é a adaptação de um romance que por sua vez se inspirou em uma série de personalidades políticas dos EUA em anos bastante turbulentos (e quais não são?) de Guerra Fria e mccarthismo. E o que a princípio parece apenas um filme que mostra algumas intrigas ao redor da nomeação de um secretário de Estado acaba adentrando por caminhos inesperados e bastante ousados. É estranho que Henry Fonda abra os créditos, já que ele praticamente faz uma ponta; do grande elenco (que tem Walter Pidgeon, Gene Tierney, Franchot Tone e até o crédito para a voz de Frank Sinatra), quem se destaca são Burgess Meredith e, especialmente, Charles Laughton, incrível _foi seu último filme, infelizmente; ele morreu em dezembro daquele ano. E "The Intruder" (1962), um impressionante filme de Roger Corman, considerado por muitos o seu melhor (não é de estranhar que tenha sido um dos seus poucos fracassos de bilheteria), entra de sola na "América profunda" para futucar a questão do racismo _não só muita gente está duvidando da eleição de Obama, à frente nas pesquisas, como já surgiram piadinhas mil a respeito do tempo de sobrevida dele caso adentre a Casa Branca (sem trocadilho); já o comparam tanto a Kennedy... Mas, no filme, William Shatner está absolutamente fantástico como o incitador do preconceito em uma pequena cidade sulista _é um dos vilões mais sórdidos, covardes e desprezíveis já filmados. A câmera é bastante ousada.

    E diante da sensacional história das boates de Buenos Aires que estavam sorteando próteses de silicone para suas freqüentadoras (por meio da qual fiquei sabendo que, lá, estas nobilíssimas partes do corpo feminino se chamam "lolas") me vem a lembrança de "Lola", o primeiro longa de Demy, dedicado a Max Öphuls (realmente, a câmera dança para lá e para cá, mas sem o mesmo rigor do homenageado). Anouk Aimée está exageradíssima, mas não tenho certeza se a culpa é dela ou se a sua personagem o exigia. O filme é todo luminoso (poucas vezes vi tanto branco, tanta luz estourando e tantos personagens na contra-luz como aqui), e o final agridoce em uma história sem vilões tem, ao mesmo tempo, um quê de crueldade e outro de alegria. Também da França veio uma grande e inesperada decepção: "Jules et Jim". O filme todo é, diferentemente do que eu esperava de Truffaut, muito gélido e distante de seus personagens: a primeira metade é frenética demais (dá a impressão de que o romance do qual o filme foi adaptado era tão ruim que ele correu com a história), e a segunda é morosa e repetitiva, sempre sem muita emoção. O melhor momento, de longe, é Moreau cantando "Le Tourbillion". Muito pouco para um filme tão comentado. Melhor é "Il Posto", de Ermanno Olmi, que mostra o percurso de um jovem que termina o ensino médio e, por necessidades familiares, tem de arranjar um emprego em Milão. Sua entrada no mundo corporativo, essa armadilha que até hoje captura muita gente (e não sai barato ser livre), é retratada com distância e sobriedade. Apesar de algum senso de humor, o filme é bastante deprimente _como tinha de ser. O destaque é a bela Loredana Detto, em seu único filme _ela acabou casando com o diretor, que deve tê-la guardado só para ele; vai que ele tinha medo de que ela acabasse trabalhando num filme do Ivan Cardoso ou do Selton Mello...

    Muitíssimo diferente de "Jules et Jim" nessa questão da emoção é "Too Late Blues", o segundo longa de Cassavetes (um filme "hollywoodiano", de estúdio, feito do outro lado do país _ou seja, uma porção de experiências novas para seu diretor. Impressionante a intensidade das personagens (o que certamente mina o naturalismo do filme _mas quem liga para o naturalismo no cinema? Para o naturismo, sabemos que o Pedro Cardoso liga) de Bobby Darin, Stella Stevens (que é incapaz de ficar feia, mesmo com o cabelo molhado ou a maquiagem borrada _além disso, é provavelmente sua melhor atuação), Everett Chambers (em seu único filme como ator _trabalhou principalmente como produtor) e até mesmo Cliff Carnell (que parece um Lee Marvin grandalhão e, assim como Seymour Cassel, trabalhava também na equipe de fotografia "da pesada"). E no Reino Unido temos outro filme de grande impacto: "The Innocents", de Jack Clayton.Considerada a melhor adaptação de "The Turn of the Screw", de Henry James (tenho o livro há mais de dez anos e só após ter visto este filme fiquei com vontade de lê-lo), é impressionante como a tensão é construída lentamente, até nos levar a um dos finais mais terríveis e desconcertantes. A fotografia de Freddie Francis em scope é primorosa, e Deborah Kerr está memorável _mas quem rouba a cena são as crianças, Pamela Franklin (em seu primeiro filme, de uma carreira que durou uns 20 anos _resolveu se aposentar) e Martin Stephens (em um de seus últimos trabalhos _ acabou se tornando arquiteto).

    Outro trabalho impactante é "Khaneh Siah Ast" (que pode ser traduzido como "A Casa É Preta"), único filme da poeta iraniana Forugh Farrokhzad, que morreu poucos anos depois, em um acidente, ainda jovem). É um documentário de 20 minutos sobre uma casa de leprosos, ou seja, não é difícil imaginar que as imagens sejam impressionantes (lembrou-me como Pasolini foi feliz em retratar o leproso em sua obra-prima, "O Evangelho Segundo São Mateus"). A montagem, também da diretora, é incrível. E finalmente chegamos à obra-prima do período: "Madre Joana dos Anjos", talvez o filme mais conhecido de Jerzy Kawalerowicz (morto em dezembro do ano passado). É uma história de possessão demoníaca na Polônia do século XVII _mas não se trata de um filme de terror, embora alguém possa até dizer que é uma espécie de precursor de "O Exorcista" (é inspirado numa história real, que Ken Russell também adaptaria em seu "The Devils", de 1971, que ainda não vi). A belíssima fotografia em preto-e-branco e a simplicidade dos cenários remetem ao anterior "A Paixão de Joana D'Arc" e ao posterior "Andrei Rublev", além dos filmes de Bergman; a decupagem, os enquadramentos e a montagem são próximos da perfeição, e o casal de protagonistas, Mieczyslaw Voit (fantasticamente "duplicado" em uma cena, sem que seus duplos ocupem o mesmo plano _trocam-se subjetivas) e Lucyna Winnicka (a mulher do diretor, belíssima _e a exemplo de Ingrid Bergman em "The Bells of St. Mary's", sequer mostra os cabelos), está brilhante em todos os planos. Certas cenas com as freiras endiabradas lembram uma espécie de musical distorcido. Entusiasmado por este trabalho, fui atrás do filme imediatamente anterior do diretor, "Pociag" (que ganhou em inglês o título "Night Train"), por ter lido que seria o seu melhor. Não é. É um "thriller de trem", mas a história da busca pelo assassino fica em segundo plano, já que mostrar as personagens é mais importante para o diretor. O resultado é um filme que fica um tanto em cima do muro, perdendo a oportunidade de ir até os limites _com exceção da cena de captura do assassino, que é ótima.

    E a série da vez foi a segunda temporada de "The Tudors", protagonizada por Henrique VIII (boa atuação de Jonathan Rhys Meyers). Esta é o inverso da anterior: se a primeira mostrava a ascensão de Ana Bolena, esta enfoca sua queda (com uma dignidade admirável). E com ela fecha-se um ciclo (embora uma terceira temporada esteja prevista para o ano que vem, que seria a última com Meyers). Como era de esperar, o clima fica mais pesado, há menos humor e muito menos sexo; a primeira metade é cansativa, porque o objetivo do protagonista é fixo, e sua obsessão torna-se difícil de suportar. Mas temos no esmero da produção e em um grande elenco de apoio (destaques para Natalie Dormer, Henry Cavill, Jeremy Northam e para a participação especial de Peter O'Toole, como o papa Paulo III) os grandes trunfos desta série _que, no entanto, fica distante de outra grande série de época, "Roma". Seria muito bom se a série, após a saída de Meyers, mantivesse a qualidade e enfocasse os reinados de "Bloody" Mary e Elisabeth _de preferência, com mais "pornografia", por que não?

    P. S.: Foi só eu ler o discurso do Pedro Cardoso para eu ter uma idéia para um curta erótico, inspirado em uma foto e em duas pinturas.

    P. P. S: Começou a Mostra! (...) E daí?

    Na platéia