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    quarta-feira, novembro 11, 2009

    História e violência


    O tempo anda escasso e as idas ao cinema, raras (e cada vez menos estimuladas pelo festival da projeção digital porca que assola o país). Mas muito de vez em quando surge a combinação "título apetitoso em película". E o mais recente deles foi o tão comentado e esperado "Inglorious Basterds", sobre o qual vinha lendo boatos há muito _nenhum que me preparasse para o que eu ia ver e ouvir. Depois do desvio proporcionado por um projeto muito específico (o "Death Proof" de "Grindhouse", de um diretor extremamente consciente e sobre o qual é uma futilidade dizer que se trata do pior de sua carreira _ aliás, é especialmente triste ele não ter sido exibido comercialmente nas salas brasileiras, porque é o filme de Tarantino que formalmente mais clama por exibição nos cinemas e em película), ele volta ao estilo depurado e límpido (alguns diriam gélido, como também dizem de Kubrick na fase em cores) que inaugurou em "KillBill", nos quais a influência estética de Sergio Leone está mais explícita do que nunca.

    Como não quero nem posso me alongar muito, evito pisar em terreno batido (embora seja bom registrar as gargalhadas que proporcionou a cena em italiano). Mas não posso deixar de destacar algo que pelo menos dois amigos falaram (entre eles Ailton e Vebis, se não me engano), o de que o filme é bastante econômico em locações. As cenas são longas e boa parte delas é resolvida com personagens sentadas à uma mesa (algo que sempre me chama a atenção quando vejo um Tarantino): o diálogo climático de Landa com LaPadite; o reencontro de Landa e Shoshanna; o entrevero com o major alemão na taverna; a negociação do fim da guerra entre Landa e Raine (curioso que isso me lembra bastante de "A Volta do Regresso" e um outro projeto meu não filmado, uma ficção científica; com certeza é caso de amor pela palavra, também bem evidente em Manoel de Oliveira).

    Outra coisa que me chamou a atenção foram as referências ao passado americano de extermínio de índios (Raine se diz descendente de nativos, é apelidado de "Apache" e diz que serão cruéis com os nazistas e que por causa dessa crueldade eles serão temidos) e de escravização dos negros, em um filme no qual os americanos (judeus, em especial) são os heróis, apesar de "bastardos" e "inglórios". E os nazistas, com exceção dos altos mandatários baseados em personagens reais, são mostrados sempre de maneira"humana": um oficial se recusa a trair seus companheiros e é morto da forma mais grotesca (uma bela cena, por sinal); outro está na taverna comemorando o nascimento do filho; e mesmo Hans Landa tem seus momentos.

    O elenco só merece elogios, assim como Tarantino, que costuma valorizar o trabalho de seu atores. Muito já se falou de Christoph Waltz e de Brad Pitt, então vale a pena destacar o impressionante trabalho de Eli Roth como o "Urso Judeu": ele está apavorante e, ao executar a vingança máxima com uma metralhadora na mão (planos valorizados pela câmera lenta), desfere um olhar de puro ódio que é uma coisa linda de filmar. Mas minha cena preferida nem é a mais comentada, na fazenda francesa, mas a da sala de projeção, com Daniel Brühl eMélanie Laurent representando seus países e com algo de Romeu e Julieta.

    Outro que conseguiu me arrastar até o paraíso duvidoso (e que me agradou mais que o do Tarantino) foi "Public Enemies", no qual Michael Mann manipula o mito dos gângsters da Depressão, alterando boa parte da história, mas investindo na reconstituição de época. Guarda uma certa distância das personagens, dando um breve recorte na vida delas _ ou seja, sem dar uma de Scorsese e recorrer a flashbacks para explicar o comportamento das mesmas. Coloca a fórceps, como é costumeiro em muitas produções americanas, uma história de amor (e como havia feito em "Miami Vice"). Foi feliz na escolha do elenco; além do óbvio destaque para Depp (DiCaprio era a escolha original), brilhante nas expressões faciais, vale a pena citar nominalmente Stephen Graham (de "Snatch"), como "Baby Face" Nelson, e Stephen Lang, que fecha o filme. E há uma cena fantástica (quiçá a do ano), aquela em que o bandido adentra tranquilamente o último lugar onde ele deveria estar. Curioso que, na sessão lotada, a plateia reagia com risos sempre que o Brasil era mencionado como possível destino de fuga do bandido...

    Também voltei a uma sala de cinema (pela primeira vez na Pompeia 10, a sala de luxo, com poltronas excelentes e até um bar) graças à Mostra, mas, apesar de o filme (um japonês) não ser ruim (também não era nenhuma maravilha), foi absurdamente revoltante ter pagado R$ 18 para ver uma projeção digital vagabunda _ valeria a pena se fosse aquelas exibições de vídeos grátis no CCSP e olhe lá. Se for assim, baixo da internet e vejo em casa, infelizmente. Não dá para aceitar um desrespeito desses com o consumidor. E eu assinei sim o manifesto que está rolando por aí contra a má qualidade da projeção nos cinemas. Mas infelizmente desconfio de que não vai dar em nada _ a não ser na derrocada do público nas salas, esperem para ver.

    Em casa, vi o "Låt den rätte komma in" (2008) ou "Deixe Ela Entrar", aquele do vampirinho andrógino e castrado. Não é ruim, mas também não achei tudo isso, não.

    ***
    Além das projeções porcas, violência e história parecem ser os temas deste texto. Um dos filmes vistos no longo intervalo entre publicações,curiosamente, é um dos famigerados "shockumentaries" de Gualtiero Jacopetti e Franco Prosperi, os mesmos de "Mondo Cane" e "Africa Addio": é "Addio Zio Tom" (1971), uma produção mais rica e bem cuidada que reconstitui "a saga dos escravos africanos na América", como diz mais ou menos o oficial alemão na cena da taverna em "...Barterds". O filme, que retrata de forma meio enciclopédica esse capítulo do capitalismo, é obviamente desagradável e revoltante, mas o interessante é constatar a relação dele com o movimento Black Power (que seduziu de Godard e John Lennon, para ficar apenas nos brancos) e também o fato de que uma produção desse tipo infelizmente só era possível numa era em que o politicamente correto não era a praga que é hoje. O filme chega a resvalar no exploitation, mas, curiosamente, me soou bastante sério.Também entra nessa seara (mas sem a parte exploitation, infelizmente) o "Z" (1969) de Costa-Gavras, que filma, em francês, a história real do assassinato do político grego Gregoris Lambrakis, sem nunca citar nomes. É também desagradável e revoltante (no que me lembrou um western), que retrata com clareza a radicalização política dos anos 60, que infelizmente contaminou o mundo inteiro.

    A violência mais óbvia não dá as caras em "La Prise de Pouvoir par Louis XIV" (1966), tida como a obra-prima de Rossellini na TV. Que o diretor é um santo, já sabemos não é de hoje. Então não é surpresa que venha dele algo tão brilhante, com direção de arte e fotografia de primeira (cada enquadramento é uma pintura). Mas o destaque é o enfoque dado ao modo como Luís XIV conseguiu concentrar seu poder manipulando nobreza, burguesia, igreja, familiares e o povo. E também sua reconstrução da vida de tão fascinante personagem, mostrando como ela dormia, comia, governava, construía Versalhes (será que vou conhecê-lo?) e se divertia. Como se não bastasse, ainda consegue inserir na trama uma personagem de ficção, o inesquecível D'Artagnan de Dumas!

    E o curta "The War Game" (1962), o primeiro filme dirigido pela atriz sueca Mai Zetterling, é a coisa mais aflitiva que vejo em um bom tempo (principalmente porque eu sofro de vertigem). Sem diálogos e universal, não envelheceu nada (a não ser que, no mundo "politicamente correto" de hoje, no qual moças não podem usar vestido curto, arma na mão de criança, só se for de verdade). Já "Point Blank" (1967), um dos primeiros filmes de John Boorman, é fascinante como quase não há história: o protagonista (quase sem humanidade e profundidade psicológica) se move por uma ganância estúpida, vê à sua frente apenas o seu objetivo e nada mais, sem refletir sobre nada nem se importar com nada, enfrentando um inimigo de nome genérico, sem rosto. Tudo é descartável e as ações não trazem consequências _ a personagem de Lee Marvin está morta, é uma alucinação? A violência é deliciosa. Los Angeles é um paraíso horrível, San Francisco é Alcatraz. E há uma citação muito engraçada ao Brasil, com um extra explicando a um americano o significado da expressão "Deus é brasileiro", falando que quer dizer que os brasileiros não precisam trabalhar porque as coisas caem do céu! Dizem que o elogiado "O Troco", com Mel Gibson, é um remake, mas deve ser muito diferente, não?

    Também ando mergulhando muito no confortável (porque me lembra a infância, sessões de sábado à tarde e o clássico"Bang-Bang à Italiana") western spaguetti, com os resultados irregulares de sempre. O melhor é "Il Grande Silenzio" (1968), de Corbucci, que por boa parte de sua duração parece ser não mais do que um bom genérico (lembrando que o diretor ajudou a estabelecer algumas convenções do gênero). Mas o final subversivo e as nuances da personagem de Klaus Kinski (desprezível, mas certamente simpática para a turma do "bandido bom é bandido morto" que infesta as Unibans deste país) tornam este filme uma gema. Outro Sergio, o Sollima, um dos homenageados pelo pessoal do blog coletivo O Dia da Fúria, entrega "Faccia a Faccia" (1967) ou "Quando os Brutos se Defrontam", que já começa com um prólogo improvável e belíssimo, não apenas pelo conteúdo (a aula dada pela personagem de Gian Maria Volontè é preciosa), mas pela elegância da encenação e da câmera (com bom uso do scope). Depois acaba se tornando de uma subversão incrível, com a metamorfose do protagonista _ sempre valorizado por um ator especial como Volontè. Tomas Milian também não faz feio como coprotagonista (fica feio sem hífen, lembra "coprofagia"; culpa sua, Bechara). Millian volta em "Corri Uomo Corri" (1968), repetindo seu papel em "La Resa dei Conti", que infelizmente não achei para assistir. Neste, Sollima parece ser vítima de sua pretensão: a história é complexa demais, com personagens em excesso e, mesmo o protagonista sendo forte, o enredo em geral fica frouxo. A câmera também é menos rigorosa. Destaque mesmo para a trilha sonora, de Ennio Morricone, embora creditada ao maestro Bruno Nicolai.

    Para fechar essa pequena amostra do que incidiu sobre as bolinhas dos meus olhos, outra obra-prima: Les Biches (1968). Chabrol trabalha um dilema aparentemente caro à Nouvelle Vague, o triângulo amoroso, em um filme muito bonito, sublinhado por uma trilha sonora maravilhosa de Pierre Jansen (colaborador usual do diretor), que une beleza a perigo. Pode-se dizer muito sobre relações de poder (e de classe) e também sobre esse processo terrível que aflige os humanos em idade reprodutiva e que meu amigo Proust descreveu tão bem _ o título, "As Corças" (que em francês pode simplesmente ser interpretado como "as moças", mas o fato de ser um animal "de caça" não pode ser ignorado), e o nome dado à personagem de Jacqueline Sassard (de "Estranho Acidente", aqui em seu último filme, uma pena), Why (?), também são motivo de muita discussão. Assim como Sassard, Stéphane Audran, mulher de Chabrol, está belíssima e entrega uma atuação perfeita. Ponto alto na carreira de um grande cineasta.
    ***

    Como finalmente vi o "Death Proof", vale lembrar esta mesa quadrada com Tarantino, publicada pela LA Weekly. Vai um trecho:
    "The last real, old-school car chase was in Terminator 2. To me, there's nothing worse than CGI when it comes to a car chase. And this whole idea of having 16 cameras shooting from every conceivable angle every time a stunt happens, that's not directing, thats selecting. In the 60s and the 70s, it was about the one shot; it was about the good driving abilities of these people, and the way the cars held together. Back then, you couldn't do a 14-year-old-girl coming-of-age movie without having a car chase in it. Now, everything is all cut up and it doesn't matter who's driving the fucking car. The geography is lost. The momentum is lost. Being inside of the chase is lost."

    E, além de indicar a edição comemorativa de 3 anos da Zingu!, com o caríssimo Comodoro, peço licença para reproduzir aquium trecho da entrevista que João Silvério Trevisan deu a Gabriel Carneiro na edição 34:

    "Z – Você não vê a Boca do Lixo, da época das chamadas pornochanchadas, nos anos 70 e 80, uma espécie de indústria cinematográfica brasileira?

    JST – Eu nunca levei a sério aquilo, porque era exploração de veios comerciais até então existente. Por exemplo, enquanto o western spaghetti funcionou como moda, a Boca do Lixo correu atrás desse filão. Depois entrou o filão erótico, e a Boca do Lixo foi correndo até lá. A Boca era tão terrivelmente mal-estruturada, tão terrivelmente improvisada, que não dava para acreditar nem nesse cinema supostamente comercial. Ela não estava organizada suficientemente para conseguir implantar uma indústria cinematográfica. Tudo era muito oportunista e imediatista. Tanto que você pega filmes que exploram a mesma fórmula incessante e inesgotavelmente. Quer dizer, é claro que elas se esgotaram, não é? Chegou uma hora que o público não aguentava mais a repetição; não havia nenhuma estrutura inteligente por trás dessa vocação comercial no tal do cinema da Bocado Lixo. Era um cinema de extrema repetição e de concepção comercial medíocre. Claro que ele formava um quadro industrial, mas não tinha um projeto de formação de quadro. O que você tinha lá? Um bando de desempregados, que acabavam trabalhando na parte técnica, e que pela força do hábito e da prática, tornaram-se fotógrafos, fotógrafos de cenas, maquinistas, câmeras e mesmo diretores ou roteiristas. Roteirista da Boca, por exemplo, era uma coisa inacreditável, eram caras pegos a laço. Eu sei disso porque eu sempre batalhei para ter uma ressonância profissional no trabalho que fazia, e muitas vezes eles não queriam saber de pagamento ou de um pagamento digno, alguma coisa minimamente digna, eram esmolas. Tudo aquilo eram quebra-galhos, era um cinema de quebra-galhos. De repente, o produtor, que frequentemente era o roteirista, interferia diretamente na direção, considerando que muitas vezes o produtor era o diretor, ou então o produtor e o diretor eram sócios. Tudo visava a uma meta muito fechadinha do ponto de vista comercial: era gastar o mínimo possível, com o mínimo possível de energia, inclusive intelectual e criativa. Eu acho um aprendizado importante viver nesse contexto da Boca do Lixo, enquanto um cinema que estivesse de acordo com suas possibilidades comerciais e financeiras, só. Porque do ponto de vista criativo, do ponto de vista intelectual, eu não tinha nada a ver com aquilo."
    ***

    Finalmente, algo sobre Anselmo Duarte. Há alguns anos, fui a uma homenagem ao Anselmo e escrevi aqui que tinha ficado triste ao vê-lo com evidentes problemas de memória, já que ele, simpaticíssimo e obviamente feliz por falar de sua carreira, repetia a mesma (ótima) história 5 minutos depois de tê-la contado. Pisei na bola e chutei aqui que isso seria causado por Alzheimer (não sei se teve a doença e não interessa), coisa que obviamente nunca faria em uma publicação profissional. Para minha surpresa, que com razão acho que ninguém se dá ao trabalho de ler isso aqui, recebi um e-mail do filho do Anselmo, me dando o devido puxão de orelha. Respondi, assumindo o erro grosseiro e pedindo desculpas. Pouco depois, meu e-mail foi automaticamente esvaziado e eu acabei não lendo a tréplica. Espero que as desculpas tenham sido aceitas.

    quarta-feira, fevereiro 06, 2008

    Eram quase meia-noite, num domingo de janeiro, e o soldado observava minha conversa com a senhora, divorciada e septuagenária (não perguntei sua idade; olhei disfarçadamente um xerox plastificado do seu RG, que o rapaz segurava junto a uma ficha), obviamente abalada pelo desastre. Ela estava mais preocupada em xingar os ex-inquilinos, que, após meses sem pagar o aluguel, deixando uma dívida de uns R$ 50 mil e obrigando-a a ordenar o corte de eletricidade e de água, fugiram, deixando o imóvel imundo e com 14 cães e 3 gatos abandonados. Fico interessado pela história dos animais, pergunto uma série de detalhes (mas não tantos quanto gostaria, nunca há tempo), enquanto percebo a impaciência do jovem aspirante a autoridade, que precisava terminar o boletim de ocorrência. Deixo ele fazer uma ou duas perguntas protocolares (afinal, era eu o forasteiro, ali no DP) e, para sua irritação contida, tomo de volta, com voz mansa, o controle da conversa. A velhinha me conta que adotou a gata ("Teve cria esses dias, a coisa mais linda") e deixou os outros dois bichanos no imóvel abandonado, os quais ela ia alimentar duas vezes por dia (os cães foram levados pela prefeitura). Foi aí que, obviamente constrangida, ela finalmente assumiu sua culpa na história (para nossa surpresa): ao levar o jantar dos gatos, esqueceu, acesa, uma pequena vela. O soldado sorriu levemente, satisfeito por eu ter feito o seu trabalho. Minutos antes, no local do incêndio ("um fogão", segundo uma vizinha espevitada, aparentemente feliz por estar na rua em vez de estar vendo o "Fantástico"), o capitão dos bombeiros havia me dito: "Deu PT". Findo um mistério, restou outro: e os gatinhos?

    ***

    Como de costume, estou totalmente por fora do Oscar (quando eu digo que gente que gosta de cinema não precisa gostar necessariamente do Oscar, todo mundo me olha como se eu fosse um E.T.). Dentre os indicados na categoria principal (só sei quais são os indicados porque o Milton do Prado me mandou um e-mail com convocatória para um divertido bolão, do qual infelizmente sou obrigado a declinar), assisti (graças a uma folga numa segunda-feira, após três semanas ininterruptas de trabalho) apenas a "No Country for Old Men", que a princípio soou como uma tentativa de voltar a um cinema da época em que a história se passa (fim dos anos 70), mas esta impressão acabou se enfraquecendo (mesmo que algumas elipses me lembrem de Peckinpah). Gosto muito dos maneirismos dos Irmãos Coen (adoro "Raising Arizona" e "The Ladykillers", por exemplo _e uma das cenas que mais me marcaram em seus filmes está em "The Great Lebowski"), mas a falta de boa parte deles aqui não é um defeito. Não lembro se o Bardem foi indicado como coadjuvante, por seu Anton "Sugar" Chigurh, e não vi o filme do Paul Haggis pelo qual Tommy Lee Jones (cujo Ed Tom Bell é o protagonista, e não o Llewelyn Moss do Josh Brolin, como muitos andam pensando) foi indicado. Belo filme, mas ainda não chegou ao nível de "Barton Fink".

    De resto, os filmes mais recentes (daqui a pouco trato de algumas velharias, apelidadas de "clássicos", que não interessam a ninguém) que vi foram "Last Days" (fascinante e irritante ao mesmo tempo), "Casino Royale" (bom porque não parece um filme de James Bond _o que é uma faca de dois gumes: por exemplo, a falta de sexo é um revés; é também o filme no qual a Eva Green está mais bonita) e "Happy Feet" (decepcionante, mas ainda melhor do que "Moulin Rouge"). Também passou pelas minhas retinas tão fatigadas as três primeiras temporadas de "Battlestar Galactica", boa série de ficção científica (gênero que não é muito minha praia, especialmente quando se passa num "futuro distante" ou algo que o valha) que consegue fazer referências as mais diversas (de filmes de guerra a novelas, obviamente passando por "Star Trek" e "Star Wars" e até "Indiana Jones") e sair razoavelmente incólume. Meus episódios preferidos são os poucos em que a história deixa de ser seguida, e vemos algo mais localizado dentro de um universo construído até que cuidadosamente. A assinatura da produtora é um pequeno show à parte.

    ***

    Até que gosto do termo "obra-prima doente" (se não me engano, cunhado pelo Truffaut ao falar de "Marnie"). Gosto muito quando filmes me deixam com uma espécie de pulga atrás da orelha, porque me parecem muito bons, mas de uma maneira tão imperfeita que transborda humanidade. Neste período, tive a felicidade de trombar com alguns desses filmes. Dois são de Nicholas Ray: o principal é "On Dangerous Ground", razoavelmente incomum (e não por usar câmera na mão em algumas cenas, o que na época era muito raro); é especialmente interessante como, num filme tão curto (80 minutos), o enredo principal demora a chegar, porque passamos um bom tempo conhecendo o protagonista interpretado por Robert Ryan _os coadjuvantes Ida Lupino (que dirigiu o filme por vários dias em que Ray esteve doente) e Ward Bond só aparecerão bem depois. As cenas finais são fortes e amarram muito bem o filme (mesmo não sendo o final que Ray queria). A trilha sonora de Bernard Herrmann (cuja melodia me lembra um pouco a de "O Dia em Que a Terra Parou", embora os arranjos sejam bem diferentes) é outro destaque. E "The Lusty Men", mesmo sendo bem mais convencional, é um belíssimo drama no mundo dos rodeios estrelado por Robert Mitchum, Susan Hayward e Arthur Kennedy _mas quem rouba a cena é Arthur Hunnicutt (de "Broken Arrow").

    Outro filme impressionante e que vem crescendo na minha memória é "Angel Face", de Otto Preminger, produção de Howard Hughes com Robert Mitchum e Jean Simmons. É mais complexo do que parece a princípio, chega a ser bastante romântico (mas de uma maneira distorcida e moderna _só os modelos dos carros dão a impressão de que o filme é antigo). E é quase milagroso como uma mesma ação é repetida de maneira praticamente idêntica, sem que ela perca sua capacidade de chocar. O final é de tirar o fôlego. E o que dizer de "O Rio Sagrado", de Jean Renoir? Muito polêmico, longe de ser uma unanimidade, me deu a impressão de ser um filme único, apesar de muitas falhas (talvez a maior delas a falta de naturalidade do elenco). Tem um conceito muito bem definido, no entanto é bastante diversificado. A fotografia é belíssima (dizem que o trabalho no laboratório durou 5 meses), e há momentos claramente documentais; em outros, alguns dos mais fortes, simplesmente contemplamos: plantas, pipas no céu, uma bailarina. Foi o último filme de Thomas E. Breen (o Captain John) e de Radha, e o único da feiosa Patricia Walters (a protagonista chatinha) e do produtor Kenneth McEldowney. Satyajit Ray foi assistente. "The day ends, the end begins."

    Outro filme com rio no nome é "O Rio da Aventura" ("The Big Sky", no original), de Howard Hawks, que, a exemplo de vários outros do diretor, parece uma espécie de "auto-remake" _neste caso, da obra-prima "Rio Vermelho". Novamente, Arthur Hunnicutt, abençoado com os melhores diálogos, ofusca a todos, e a beleza de Elizabeth Threatt (infelizmente em seu único filme) é inesquecível. O sutil conflito final é muito bom (e ficamos esperando o filme acabar, e ele não acaba _é bem longo e prolixo, quase pretensioso, embora muito bem-humorado). Ainda nos EUA (e falando em prolixo), fiquei bastante decepcionado com "A Place in the Sun", do qual sempre ouvi falar muito. Curioso é saber que se trata de remake de um filme de Sternberg _que quase foi dirigido por ninguém menos que Eisenstein_, o qual não vi, mas aparentemente é bem diferente deste. A versão de Stevens, feita em 1949, mas lançada apenas dois anos depois, não é original, não trabalha bem com a emoção e não chega a um final satisfatório. Mas tem pelo menos uma cena antológica: a do balcão onde Montgomery Clift e Elizabeth Taylor trocam declarações de amor e se beijam sutilmente _o fato de a câmera não mostrar direito o beijo dá força à cena. E ficou bem claro onde Janete Clair se inspirou para escrever "Selva de Pedra". Ainda entre as decepções à primeira vista, um western de Andre de Toth com Randolph Scott e e um número musical de Tennessee Ernie Ford, "Man in the Saddle", e um morno filme de Anthony Mann, "The Tall Target".

    Na Itália, a obra-prima do pacote: "Europa '51" figura como, até o momento, meu preferido do Rossellini com Ingrid Bergman (brilhante _nem Giulietta Masina a ofusca). Um melodrama poderoso e de forte cunho social (e ético), de influência monumental. Longe de ser tão bom é "Umberto D.", de De Sica, atacando de velhinho doente, tema popular até hoje. Com os dois principais atores (e o cãozinho Flike também), Carlo Battisti e Maria-Pia Casilio, iniciantes (mas muito bons), é um filme muito desigual, cuja fama, creio, se deve principalmente ao final. Muitíssimo melhor é seu antecessor, "Miracolo a Milano", um delírio alegre que foge totalmente do neorealismo, embarca na fantasia (teria influenciado Fellini de alguma forma?) e carrega uma mistura de sentimentalismo, ingenuidade e graça que lembra bastante algo de Chaplin (impressão reforçada pela atuação de Francesco Golisano, o Geppa, que morreu jovem e atuou apenas em meia dúzia de filmes _destaque também para a Brunella Bovo e para a aparição da belíssima bailarina argentina Alba Arnova). O início, com muito poucas falas, me pareceu bem sofisticado; a música é inesquecível. E passei ainda por De Sica (sempre eficientíssimo como galã) como ator em "Madame de...", penúltimo filme de Öphuls (cuja fase americana, hoje, me agrada mais _neste aqui, a câmera me parece menos rigorosa do que de costume), que parece muito mais antigo. Charles Boyer, Danielle Darrieux (viva e trabalhando, aos 90 anos) e De Sica formam o triângulo amoroso nesta história que gira em torno de um par de brincos e da falta de pronúncia do sobrenome da protagonista.Adoro duelos, desde pequeno.

    Para encerrar, aquela passadinha básica no Japão: a fama de "ocidentalizado" de Kurosawa talvez se deva a filmes como "Viver", que, simplificando temerariamente, parece inspirado pelos filmes mais famosos de Frank Capra. Longo, demora a engrenar; mas, após o ponto de virada da trama, a sucessão de sutis flashbacks e flashforwards é ótima. A morbidez como valorização da vida. É o filme de estréia de Miki Odagiri e um dos mais de 200 feitos pelo Takashi Shimura, colaborador constante de Kurosawa. Outro japa visitado foi Kenji Mizoguchi, com "Oharu - A Vida de uma Cortesã", óbvia adaptação de um romance clássico, gerando um melodrama idem. Também me lembra algo de grandes produções americanas, como "...E o Vento Levou" (não pelo orçamento, é claro). A atriz principal, Kinuyo Tanaka, foi a primeira a diretora japonesa (ou seja, o machismo...).

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    De Nelson Ascher, em artigo chamado "Perguntar Não Ofende", publicado na Ilustrada de 11 de fevereiro: "Há filmes que, de tão descaradamente manipuladores e demagógicos, tão mecânicos e transparentes na sua má-fé, levam o espectador atento a se sentir a um tempo vítima e cúmplice de uma trapaça. Foi esse o caso de 'Sociedade dos Poetas Mortos', a que assisti em 1990. Para agravar meu mal-estar, tão logo os créditos começaram a aparecer na tela, boa parte da platéia aplaudiu de pé aquela abominação. Soube logo que essa reação se tornara demasiado freqüente e, quando meu comentário foi publicado, passei a receber cartas que por pouco não me ameaçavam de morte. Como ninguém, ao que parece, desejava que seu suspeito vínculo emocional com o filme fosse questionado, descrever-lhe o mecanismo soava para muitos como ofensa pessoal."

    Acho que eu tinha 12 ou 13 anos quando vi "Sociedade dos Poetas Mortos". Fiquei tremendamente ofendido; abomino filmes que tentam me fazer de idiota.

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    Dos 325 filmes elegíveis para o Alfred 2007, eu assisti a 27 (alguns deles, em 2006). Até que não está tão mal...

    Na platéia