A gruta é mais extensa do que a gruta

    follow me on Twitter
    Mostrando postagens com marcador Clint Eastwood. Mostrar todas as postagens
    Mostrando postagens com marcador Clint Eastwood. Mostrar todas as postagens

    quinta-feira, junho 04, 2009

    Quando Hitchcock não era mestre

    Aproveitei uma rara folga e visita aos meus pais no interior para finalmente estrear a caixa de DVDs com quase todos os filmes da fase inicial inglesa do nosso amigo Alfred que ganhei do meu irmão. Deu para ver quatro filmes mudos que eu ainda não conhecia e também para ter mais claro que demorou anos e anos para o cineasta se tornar o propalado "mestre do suspense" _se ele tivesse nascido na época em que morreu, talvez nunca tivesse chegado a lugar algum. Esses seus filmes silenciosos compõem um conjunto de romances sem nada de muito especial, dentro daquele contexto de produção industrial da era dos estúdios _do qual o diretor nunca saiu.

    "Champagne" é uma comédia romântica bastante agradável, ingênua e previsível. É o mais bem-humorado desses filmes As graças se destacam, como o anel que não serve direito e vai parar em um dedão, as marcas de farinha num casaco após um abraço e a reentrada da protagonista (Betty Balfour, não muito bonita, mas muito expressiva) numa festa no estilo meio "A Moreninha"... O Ailton, que faz peregrinação pela fase inglesa do Hitch, não gostou muito e preferiu "The Farmer's Wife", adaptação de um texto teatral que nada mais é do que outra comédia romântica _e com muito pouco a ver com a obra madura do inglês. O enredo é imensamente raso e previsível (ainda mais do que em "Champagne" _sendo que aqui o capricho com a fotografia é bem menor), como se fosse a versão miniatura de uma novela. Os bons momentos se devem em especial à qualidade dos raros diálogos, com piadas que funcionam. Mas o filme é uma bobagenzinha esquecível,não se destaca entre outros filmes da época.

    "Easy Virtue" é outra adaptação teatral (desta vez de Noel Coward) e também uma história de amor, mas desta vez o humor fica de fora. Dos três filmes de 1928 do diretor, é o que mais se encaixaria com seus filmes posteriores, porque pelo menos há um assassinato e cenas em tribunais. Mas não demora muito a se tornar um drama, mais uma vez protagonizado por uma mulher, que vai ficando cada vez mais triste até desaguar num final de certa forma implacável. Mas é também pouco memorável _tanto que, em seu famoso livro de entrevistas, François Truffaut confessa que não o viu. E Monsieur Hitchcock sempre fez questão de reclamar da última fala do filme, que é bem melodramática.

    E "The Manxman", aqui chamado de "O Ilhéu", fecha o ciclo (dos filmes mudos dele que ainda existem, faltam apenas "The Pleasure Garden" e "Downhill", que não estão na caixa de DVDs). Mais uma vez, temos uma história de amor simples e de resolução não muito surpreendente. O conflito é bem folhetinesco, um triângulo amoroso envolvendo dois grandes amigos (um deles é Carl Brisson, o One Round Jack de "The Ring") e uma bela loira (a "polaquinha" Anny Ondra, de "Blackmail"). Apesar de tudo, o filme é bonito e vale a pena. Mas quem é fã de Hitchcock em sua fase áurea não vai necessariamente se interessar por estes filmes.

    Coincidentemente, fui convidado para escrever alguma bobagem sobre "The 39 Steps", no momento meu filme preferido do diretor nesta fase inglesa (alguns expressaram preferência por "The Lady Vanishes", que não é tão bom), no contexto do ranking dos anos 1930 da Liga. Cinco dos meus escolhidos entraram no top 20 e outros cinco de 21 a 50.

    ***

    Falando em comédias românticas, que delícia é "Kiss Me Stupid", que Billy Wilder e seu parceiro de roteiro, I. A. L. Diamond, criaram também a partir de uma peça de teatro. É uma grande comédia de erros (que demora um pouco para engrenar, mas depois vai de vento em popa), extremamente sexual, cheia de trocadilhos ("If it weren't for Venetian blinds, it'd be curtains for us" é um dos muitos exemplos), ironias e frases de duplo sentido antológicas (o que me faz lembrar de "O Esporte Favorito dos Homens"). E também funciona, à moda de Frank Tashlin, como ótima crônica do seu tempo (a exemplo de seu "Crepúsculo dos Deuses", Wilder volta a ser inclemente com o mundo do show business e faz com Dean Martin algo muito parecido com o que ele tinha feito com Gloria Swanson), inclusive com umas três ou quatro piadas em cima dos Beatles. O elenco é excelente, com Dean Martin interpretando sua persona fílmica, Kim Novak em uma de suas melhores performances (sexy, engraçada e tocante ao mesmo tempo), Felicia Farr, bastante adequada em um papel originalmente escrito para Marilyn Monroe (que talvez ficasse melhor no papel de Polly The Pistol) e Ray Walston como o protagonista, que se sai bem num tremendo desafio, o de substituir o ator original, Peter Sellers, que teve de sair do projeto após um dos seus vários ataques cardíacos.

    E longe de ser tão bom, mas também gostoso de assistir, é "Sex and the Single Girl" _que me lembre, o único filme de Richard Quine que vi até o momento. A princípio parece que vai ser uma pouco memorável comédia romântica de erros sessentista, mas o filme cresce e traz vários momentos engraçados (além de uma longa e antológica sequência, a da perseguição na rodovia _com direito a contramão e pretzels). O elenco de primeira aproveita para relaxar e criar ótimos momentos, como Henry Fonda reconhecendo mulheres pelas pernas e Lauren Bacall alternando extremos como megera e mulher amorosa. Tony Curtis (quase numa espécie de versão cômica e romântica de sua personagem em "A Embriaguez do Sucesso") e Natalie Wood fazem várias referências engraçadas a Jack Lemmon, com quem trabalhariam poucos meses depois em "The Great Race".

    Mas a obra-prima vista desde o texto passado é mesmo "La Religieuse", de Rivette. Enquanto a Nouvelle Vague tinha seus anos de ouro, ele não filmava: levou seis anos até lançar o sucessor de "Paris Nous Appartient", adaptando um romance de Diderot que ele já havia levado ao teatro. Estrelado por Anna Karina, é rigoroso e sóbrio, de planos abertos e emoção contida. E cresce muito em um de seus últimos atos (com a participação marcante da sueca Liselotte Pulver), quando se torna provavelmente o mais belo "filme gay" já feito. Coroado com um final belo e impactante, mesmo sendo previsível.

    ***

    A esta altura, "Gran Torino" foi comentado à exaustão, então só vou citar duas ou três coisas: assim como "Million Dollar Baby" (que me parece superior), é bastante católico. São abordados temas como confissão, morte, racismo e armas, nada que dê para aprofundar sem "spoilers". Mas vale a pena citar a que provavelmente é a cena cômica do ano e que não vi comentada em nenhum outro texto: o velho vizinho ranzinza vai tentar ensinar seu pupilo descendente de asiáticos a "falar como um homem", levando-o a um barbeiro boca suja (John Carroll Lynch, ótimo). É o tipo de coisa que quem é pai ou é filho sabe reconhecer como muito especial.

    Sempre que eu vejo um filme adaptado de um livro que já li, é quase inevitável que me decepcione (e entendo que isso aconteça com quem leu o roteiro de "A Volta do Regresso" _um filme teimoso que deve passar de novo em São Paulo e no Rio, antes de estrear na TV_, embora também entenda que isso aconteça com quem também não o leu). No caso de "Entre les Murs", isso acontece, mas de uma forma distinta: o grande problema nem é do Cantet, mas do Bégaudeau, que não escreveu um romance e sim um roteiro (o livro é só rubrica e diálogos, bem chatinho; pede para ser filmado porque não é boa literatura, não é um texto admirável). Ah, e a tradução brasileira é nojenta (o que não é novidade; as editoras pagam uma merreca pornográfica e quem é suficientemente bom para o serviço normalmente trabalha com coisa melhor, então os parcos leitores neste pasto têm de se virar com essas versões revoltantes, estupidamente literais, como as dublagens de TV). O livro, embora obviamente resumido, é seguido bem de perto; dessa forma, como não há ousadia na adaptação, o filme cai no meu conceito. Mas pelo menos dá para destacar uma das últimas cenas, que alguns podem considerar talvez a mais óbvia e menos sutil do filme, como geradora de alguma emoção mais concentrada, ao mesmo tempo que faz um questionamento premente e aparentemente infrutífero.

    Já o piorzinho entre os filmes recentes que vi é "[Rec]", de Jaume Balagueró e Paco Plaza, que aparentemente fez sucesso suficiente para ser refilmado nos Estados Unidos (estrelado pela "Emily Rose" e irmã magrela do "Dexter", aparentemente fazendo carreira de "scream queen") e também deve ter agradado uma boa parte dos fãs de filmes de terror, mas comigo não funcionou. É tremendamente derivativo, mas sem chegar aos pés de qualquer filme do Romero ou de "A Bruxa de Blair" (para citar as obras-primas) ou mesmo do "Extermínio" do Danny Boyle (do qual não gostei) ou de "O Silêncio dos Inocentes" (dá para ver que ele chupa uma série de sucessos anteriores). O filme termina quando estava começando a ficar interessante (vem uma sequência por aí, mas não estou otimista), o que ajuda a deixá-lo ainda mais decepcionante. E também peca pela imensa falta de ritmo, o tédio se instala várias vezes... Para falar a verdade, a melhor parte mesmo do filme são seus primeiros dez minutos, quando há alguma graça (praticamente sustentada pela boa atriz Manuela Velasco).

    ***

    Falta-me tempo para escrever e, creio, falta saco a muita gente para ler os textos longos para o "padrão Twitter" que saem aqui (não que eu me importe, vejam bem). Então vou apenas citar o que andei vendo (filmes e séries de TV) recentemente e que deixei de comentar. Quem se interessar pode trocar ideias no nobre espaço para comentários: "Operazione Paura", "Terrore nello Spazio", "Sei Donne per l'Assassino" e "La Ragazza Che Sapeva Troppo", de Mario Bava; "Texas, Addio", de Ferdinando Baldi; "7 Women", de John Ford; "The Knack ...and How to Get It", de Richard Lester; "Bad Girls Go to Hell", de Doris Wishman; "Baby the Rain Must Fall", de Robert Mulligan; "Hatari!", de Howard Hawks, "Damages" (segunda temporada); "Putney Swope", de Robert Downey Sr., "The Velvet Underground and Nico", de Andy Warhol; "House M.D." (temporadas 4 e 5), "The Thin Red Line", de Andrew Marton; "The Wire" (primeira temporada); "Homicidal", de William Castle; "Lilith", de Robert Rossen; "X-Men Origins: Wolverine", de Gavin Hood; "The Mindscape of Alan Moore", de ??? (não anotei e não vou checar); "The Office" (temporadas 2 e 3); "Kiseichuu: kiraa pusshii", de Takao Nakano; "The Damned", de Joseph Losey; "Toute la Mémoire du Monde", de Alain Resnais, e "Les Statues Meurent Aussi", de Resnais e Chris Marker; "Nightmare", de Freddie Francis; "Rififí en la Ciudad" e "Gritos en la Noche", de Jesus Franco; "Dexter" (temporada 3); "För att inte tala om alla dessa kvinnor", de Ingmar Bergman; "Rabbits", de David Lynch.

    P.S. Internet é ferramenta. Não entro em sites da moda a não ser que descubra uma serventia para eles. Acabei de descobrir uma serventia para o Twitter (ou seja, defini o que dá para escrever em 140 toques) e acabei de entrar lá. É aqui.

    P.P.S. Mudaram a câmera de lugar, ufa. Alívio imenso de não mais aparecer na TV. Tristeza dos meus pais, que assistiam para matar a saudade.

    P.P.P.S. Assim como os textos no Estranho Encontro, vale a pena ler esta entrevista da Andrea Ormond feita pelo Marcelo Miranda.

    P.P.P.P.S. Se eu não me esquecer, nos próximos textos gostaria de citar alguns trechos do livro "Hollywood - A Meca do Cinema", de Blaise Cendrars. Ia começar pelo trabalho nos estúdios, mas esta notícia me fez escolher este outro:

    "Nunca tomo notas em viagem. Não quero cumular o espírito com uma multidão de detalhes contraditorios. Quero poder relatar somente o essencial das coisas vistas.

    Um repórter não é um simples caçador de imagens, deve saber captar as visões do espírito.

    Se seu olho deve ser tão rápido quanto a objetiva do fotógrafo, seu papel não é registrar passivamente as coisas. O espírito do autor deve reagir com agilidade, com seu temperamento de escritor, seu coração de homem.

    É nesse sentido, mas somente nesse sentido, que uma reportagem pode ser um documento sensacional, sem se perder em exageros.

    Nada é tão comovente para um jornalista que acaba de partir incógnito para o exterior quanto relatar esse mergulho numa atualidade viva, palpitante e recalcitrante, mas de significação geral, e que é o único testemunho real que podemos dar da vida do universo, esse desconhecido. É por isso que os jornais existem e são publicados a cada 24 horas.

    Não se trata de ser objetivo. É preciso tomar partido. Sem introduzir algo de seu, o jornalista jamais conseguirá transmitir essa vida atual, que é também uma visão do espírito.

    Por isso, quanto mais verdadeiro é um artigo, mais tem de parecer imaginário. De tanto se colar às coisas, o jornalista está fadado a influenciá-las, e não a decalcá-las. E é também por isso que a escrita não é uma mentira nem um sonho, mas a realidade, e talvez tudo o que jamais poderemos conhecer do real."

    P.P.P.P.P.S.

    R.I.P. Fritz

    quinta-feira, fevereiro 22, 2007

    Acabou o nosso Carnaval, não se ouvem cantar canções, e estou com um medão deste Novo Blogoogle, para o qual mudei arrastado, mas vamos lá: este mês estou tendo o grande privilégio de trabalhar na montagem de um (o cassavetiano "De Faces e Sombras") dos dois curtas, premiados pela prefeitura de minha ex-cidade São Bernardo do Campo, escritos e dirigidos pelo meu amigo "abc-mex" Vebis, El Cabrón de la Película. Não é a primeira vez que monto obras de outrem (é minha segunda atividade preferida em relação ao cinema, após roteiro), mas é a primeira vez que pego um filme para montar no qual eu não estive no set, desempenhando também alguma função ligada à direção; achei bem interessante receber um material bruto desconhecido e, baseado exclusivamente no roteiro, dar a ele a forma de um filme, montando-o do jeito que prefiro, privilegiando os atores (sempre busco aquele take em que eles fizeram algo diferente de todos os outros) e deixando detalhes como continuidade em segundo plano. Estou curtindo bastante, é um grande alívio não ser o diretor nessas horas...

    ***

    O primeiro plano de "Rocky" (1976) é uma figura de Cristo, mas o tema não retorna de maneira explícita no resto do filme (mas volta com força na sua primeira de cinco continuações); as questões relativas à democracia capitalista, à livre iniciativa e ao "sonho americano" na "terra da oportunidade" são citadas (mas não com tanto discurso como no novo "Rocky Balboa"), mas também não são centrais; e mesmo essa história de "underdog", do homem que vem de baixo e, contra tudo e contra todos, vence, também não chega perto de definir o projeto se comparado ao romance entre o boxeador e capanga de mafioso e a moça encalhada que trabalha na loja de animais de estimação. Tudo brilha mais quando Rocky insiste e regateia para que sua garota possa patinar num rinque fechado, mesmo sem ele se atrever a fazê-lo; ou quando, na volta para casa, ele diz a ela algo como "Somos um par perfeito: eu sou idiota, e você, tímida"; ou quando ele finalmente consegue "desnudá-la" (ou seja, tira seu chapéu e óculos) e lhe dá um beijo apaixonadíssimo no chão de casa, não importanto se ela está gripada e ele passará uma semana de cama (e a pior dor de garganta de minha vida foi quando justamente insisti em beijar furiosamente uma moça gripada, na minha adolescência); mas, com exceção de uma brilhante cena entre Sylvester Stallone e Burgess Meredith na qual o primeiro entra no banheiro para não ter de falar mais com o segundo, nada se compara ao momento em que, após a mais importante luta de sua vida, o protagonista vê (mesmo com olhos arrebentados de tanta porrada) novamente sua amada, e, naquele momento, tudo o que importa é saber onde está o seu chapéu, que caiu quando ela atravessou uma multidão ensandecida para ir a seu encontro. Porque Rocky, não importa onde nem como, só têm olhos para sua Adrian.

    Trinta anos depois, como fazer um "Rocky" sem Adrian? Já havíamos perdido Mickey e Apollo, o Doutrinador (adoro essas traduções inventivas), e Adrian já havia entrado em coma (todos momentos traumáticos na série), mas como ficar sem o seu maior estímulo? A melancolia toma conta do projeto porque o tempo se torna sua questão central: Rocky tem 60 anos, ou seja, tem mais passado do que futuro; mas não só: ele é apegado ao passado, onde foi mais feliz do que é hoje, como dono de um pequeno restaurante na mesma velha e pobre vizinhança (da qual se foram os negros e entraram os latinos), e deixa isto bem claro ao fazer, acompanhado de seu cunhado Paulie, um passeio anual pelos pontos que o marcaram, como a velha academia do Mickey, a velha casa onde beijou Adrian pela primeira vez, o lugar onde o rinque de patinação, hoje demolido, ficava; tudo o que já era pobre está deteriorado, quase arruinado; tanto os edifícios como as pessoas. O futuro estaria na próxima geração, no filho de Rocky, que caiu na engrenagem capitalista que gira sem muito sentido, e no filho da pequena Marie (interpretada agora por outra atriz), aquela garota que mandava Rocky ir se ferrar após ouvir um sermão sobre não ficar na rua com os tranqueiras para não pegar fama de "vadia"; mas estes não são (ou o filme não consegue nos fazer acreditar que eles sejam) tão animadores assim, e a impressão que fica é a de que os bons tempos não voltam mais. Mas não é que o Rocky sobe de novo aquelas escadas sob a brilhante trilha sonora de Bill Conti? Foi meu primeiro e único "Rocky" no cinema, foi impossível não me arrepiar.

    ***

    Adrian é uma heroína romântica meio que às avessas, porque não se enquadra exatamente no arquétipo do patinho feio; e, apesar de mostrar alguma força (especialmente quando abandona seu irmão pentelho e vai morar com Rocky), também não é daquelas que movem mundos e fundos por seu amor; ou seja, não é "namoradinha da América", como uma Mary Pickford ou mesmo uma Clara Bow em "It" ou mesmo em "Wings", muito menos uma sedutora espevitada como a Jean Harlow de "Hell's Angels" _para ficar em outro drama de guerra centrado nos ares que valem a pena especialmente pelas fantásticas e arriscadas cenas de batalha (se bem que, no caso do Wellman, o filme inteiro vale a pena; o de Hughes certamente teria saído melhor se a malfadada idéia de refilmá-lo com som tivesse sido descartada _ o mesmo problema se aplica a "All Quiet on the Western Front", de Lewis Milestone).

    Gloria Swanson, gigantesca nos anos 20 quando era justamente uma típica "namoradinha", mas que só entrou mesmo para a história graças a uma tacada de mestre de Billy Wilder, foi pega justamente pela perna junto com seu colega Erich von Ströheim, que juntos naufragaram em "Queen Kelly", romance que deveria ter 5 horas de duração, mas acabou sendo restaurado com 1h40min. O engraçado é que, vendo os filmes silenciosos do diretor, sempre tenho a impressão de que o som lhe faria bem, porque sempre se centrou muito nos diálogos e não tem a mesma inventividade visual de um Murnau, um Lang ou um Hitchcock (de quem em breve verei "Chantagem e Confissão", para conferir justamente como ele fez esta fundamental transição)... Já Lubitsch não parece ter se afetado muito: seu "The Love Parade" (também de 1929, como o filme de Swanson/Ströheim _ambos também lidam com um romance que se passa na nobreza européia, com uma rainha na parada) já cai com tudo no musical, se aproveitando do famoso cantor Maurice Chavelier, com gags inspiradíssimas e inspiradoras, como o coro dos cachorros e a dança circense dos serviçais. Quem soube se adaptar aos novos tempos se deu melhor _até porque nem todos eram Chaplin.

    ***

    "Flags of Our Fathers" e "Letters from Iwo Jima" são muito diferentes (embora se complementem em parte), inclusive no modo de lidar com o tempo; no primeiro, o futuro de seus protagonistas é encenado, porque Clint acompanhou mais de perto a biografia dos seus compatriotas (e faz questão de nos mostrar, ao final, as fotos dos verdadeiros homens que inspiraram aquela história, resumida em uma imagem forte que não existe em seu filme-irmão _até porque a História costuma ser contada do ponto de vista dos vencedores); no segundo, que explora território estrangeiro, o eixo se inverte, e ficamos preponderantemente com os flashbacks _o que é compreensível, já que a maioria daqueles homens não terão futuro e, se o tiverem, não serão como heróis; porque não apenas foram derrotados, mas ousaram sobreviver.

    A reconstituição de época dos filmes de Eastwood traz o capricho habitual da produção de Spielberg, já calejado com "Saving Private Ryan" e "Band of Brothers"; mas quem me impressionou nesses últimos dias foi John Ford (a quem "Flags of Our Fathers" tem sido apontado como espécie de tributo), lá em 1924, com "The Iron Horse", uma de suas muitas obras-primas e o primeiro de seus silenciosos que vejo. Para retratar a construção da ferrovia transcontinental que impulsionou a conquista do Oeste norte-americano, Ford usa as locomotivas originais que inauguraram o encontro das duas pontas da ferrovia, numa cena que carrega uma metáfora poderosíssima (o encontro dos trilhos é também o encontro das vidas). Multifacetado, característica do diretor, o filme também funciona maravilhosamente bem como comédia, filme de ação, romance, épico; e tudo é muito, mas muito afetuoso.

    "Apocalypto", por mais que imbuído do espírito religioso e familiar que fazem parte do universo de Mel Gibson (e justamente nestes momentos o filme perde muita força, especialmente porque sublinhado por uma péssima trilha sonora), acaba se tornando divertido o suficiente por investir na ação, até que bastante convencional; não traz nenhuma, mas nenhuma surpresa mesmo (o final é incrivelmente previsível), mas que tem pleno sucesso ao gerar tensão e nos deixar na beira da cadeira. Mas o injustamente esquecido "Arsenal" (1928), de Aleksandr Dovzhenko, vai por um caminho diverso, investindo numa sucessão emocionante (com uma montagem extremamente poética) de imagens belíssimas, num conjunto que não é comprometido pela mensagem ideológica. Obra-prima monumental.

    ***

    Citei o Alfred (Hitchcock, claro) lá em cima, mas faltou falar de duas revisões: a primeira é de "Saboteur" (1942), filme bem idiossincrático do diretor, que mais uma vez explora o tema do "homem errado", com planos muito característicos, como closes em revólveres que saem da escuridão, além de desfecho dramático em um monumento conhecidíssimo e muito senso de humor. Mas o que há de especial aqui, nesta produção realizada em tempos de guerra, é a afirmação da ética (que vem justamente dos excluídos, como deficientes físicos, "freaks" de circo e subempregados _os vilões são justamente pessoas "de família", distintos membros da sociedade, todos brilhantemente caracterizados e interpretados), admiravelmente colocada acima da própria lei! Aqui temos também uma seqüência que é um primor de tensão, justamente porque os heróis estão, ao mesmo tempo, presos e em relativa liberdade (mas a prisão não se limita às paredes, mas às barreiras entre cada pessoa), em um baile de luxo.

    O outro é "The Trouble with Harry" (1955), que da primeira vez, visto na TV, com janela errada, cores esmaecidas e dublagem, não me agradou; agora, numa boa edição em DVD, me deparo com um roteiro inteligentíssimo (os diálogos são hilários, embora o humor seja sutil e fino, que mais arranca sorrisos de cumplicidade do que gargalhadas), com uma fotografia deslumbrante (talvez a mais bonita dentre todos os filmes do diretor) a cargo de Robert Burks (enquadramento, composição, cores, cada plano é uma pintura) e com uma trilha incrivelmente eficiente de Bernard Herrmann (em sua primeira colaboração com Hitch). John Forsythe lembra muito Bogart, e Shirley MacLaine, em sua estréia nos cinema aos 20 aninhos, está adorável. Muito da graça do filme reside justamente no fato de que a morte, aqui, não está tão ligada ao medo, que é um dos ponto-chave de "Peeping Tom", que forma uma linha bem interessante com "Janela Indiscreta", "Blow-Up", "Blow Out" etc.

    E para matar o assunto, terminei de ver "Six Feet Under", seriado de Alan Ball (roteirista de "Beleza Americana") que elevou muito o padrão da dramaturgia televisiva nos EUA (graças, em parte, à disposição da HBO em liberar nudez, sexo, palavrões e imagens violentas, ou seja, não poupar seu espectador dos fatos da vida). Este show é uma celebração da vida, o que fica mais claro ao chegar a seu final, evitando aquela ilusão programada para crianças (e adultos bobocas viciados em Prozac) de "...e viveram todos felizes para sempre", para dizer e mostrar o que todo mundo está careca de saber, mas nem sempre aceita: todo mundo morre. Ainda chegamos lá!

    Na platéia