A gruta é mais extensa do que a gruta

    follow me on Twitter

    terça-feira, agosto 21, 2007

    Pronto. Agora que acabou o preparo de projeto para o Prêmio Estímulo (um longa que sofri para encurtar, foi o jeito), dá para voltar a rascunhar por aqui.

    Os últimos dias também foram dedicados a mixar o som e montar o copião de "A Volta do Regresso". Acho que realmente só vou entender melhor meus sentimentos em relação a este filme depois das primeiras exibições públicas; muita coisa me deixa insatisfeito (claro que estou falando das funções desempenhadas por mim), mas me peguei sorrindo algumas vezes, enquanto o via e revia, durante a mixagem. Engraçado que as duas pessoas que acompanharam o processo riam sempre num mesmo ponto do filme (um plano com Ênio Gonçalves), do qual não me lembro de alguém ter rido antes... Comédia é algo bem misterioso, as reações dos espectadores sempre me surpreendem _percebo também que fico mais feliz com as simples risadas do que com as demonstrações de que o filme teve seu complexo subtexto compreendido (é um filme muito pouco pretensioso, mas que contém uma overdose de informação) ou foi analisado de forma bem-sucedida.

    Ele também me veio à mente ao ler este texto de Filipe Furtado para a "Paisà", em especial quando ele fala em "cinema engasgado"; isto porque eu mesmo, numa tentativa de definir "A Volta do Regresso", saí com "cinema sufocado" (outra coisa que fica evidente é como o fato de ter trabalhado em película engessou o filme, porque não pude filmar todos os planos que queria nem repetir muitos takes e muito menos fazer qualquer trucagem, por causa dos custos; película ainda é imbatível como suporte de exibição, mas nunca mais quero usá-la na gravação). Parecem conceitos semelhantes, mas os filmes são muito diferentes (aliás, meu texto passado deve ter dado a entender que gostei menos de "Conceição - Autor Bom É Autor Morto" do que ocorreu na realidade; apesar de as referências citadas em outro artigo terem todas mais de 30 anos, o filme do quinteto não me parece velho _também não é novo; as inúmeras possibilidades de montagem são atraentes, porque há muitos filmes (alguns bem melhores que outros) ali dentro _tanto que gostei muito mais do trailer, o que geralmente parece ser coisa de quem desprezou o filme, o que está longe de ser o caso). Há algo de muito interessante nesta idéia de filme-rascunho, não-definitivo _mas, como a Ana salienta, ele também fica muito restrito a quem já estudou cinema.

    ***

    Mais de uma pessoa pediu para eu escrever alguma besteirinha sobre o Bergman. Vou tentar. Lá embaixo.

    Antes, eu quero citar mais comédias, como "As Três Faces de Eva", de Preston Sturges (que fazia aniversário no mesmo dia que eu). Não é meu preferido dele, mas há momentos inesquecíveis, como o pai da personagem de Henry Fonda desesperado para ser servido (parece uma criança grande) e o próprio Fonda tendo três ternos arruinados numa mesma seqüência. Comédia que não tem pudor de ser engraçada é uma delícia, pena que geralmente não são muito valorizadas.

    Bastante diferente é "Jour de Fête" _se não me engano, o primeiro longa de Jacques Tati; minha relação com os filmes deste parece um pouco com a que tenho com os de Antonioni (sobre quem não me pediram para escrever, se não me falha a memória; curiosamente, vi "Eros" poucos dias antes de ele morrer): de admiração, respeito e reconhecimento, mas de modo mais frio e intelectual. Tati é singular (dotado de um estilo reconhecido a quilômetros), rigoroso e brilhante (dirigiu menos de dez filmes e é lembrado praticamente por todos), mas obras como "O Professor Aloprado", do Jerry Lewis (que voltei a rever e é praticamente perfeito, com exceção da montagem que não me desce muito bem; por sinal, a diferença gritante de caracterização entre Julius Kelp e Buddy Love dá um banho naquela que a inspirou, a de Spencer Tracy como Jekyll/Hyde no remake da obra-prima do Mamoulian feito pelo Victor Fleming poucos anos depois _revi também "The Bellboy", estréia de Lewis na direção, o que o levou a inventar o video-assist; curiosamente, zapeando pela TV, caí num trecho daquele filme em que o Tim Roth é um mensageiro, e o Tarantino estava justamente falando sobre "The Bellboy", dizendo que, quando Lewis morresse, todo mundo ia dizer que ele era um gênio _há alguns anos, o "Fantástico" fez um auê sobre os problemas de saúde dele, querendo prever sua morte, e quebraram a cara. E finda aqui este enorme parêntese) me entusiasmam muito mais, epidermicamente. E "Jour de Fête" perde para "L'École des Facteurs", curta que tem trechos reaproveitados no longa.

    ***

    Uma pena que a eleição dos melhores filmes dos anos 50 para a Liga dos B. C. ocorra justamente agora, quando estou prestes a começar a passear pela mesma _minhas listas costumam caducar rapidamente, mas esta não vai durar nem um mês... Enquanto isto, na década anterior, foi inevitável passar por alguns exemplares do que se convencionou chamar de noir: "The Big Sleep", do Hawks (divertidíssimo e muito menos complicado do que eu pensava, embora o ritmo seja alucinante _e Martha Vickers, linda e morta precocemente sem ter feito muita coisa de destaque, rouba as cenas de Bacall), "Out of the Past", do Tourneur (bem diferente dos outros filmes dele que vi, com Jane Greer como uma das femme fatales mais perversas da história e Kirk Douglas em seu segundo filme) e "The Killers", do alemão Robert Siodmak (adaptação de Hemingway cuja seqüencia inicial é primorosa em termos de suspense e de narrativa cinematográfica, lembrando demais "Marcas da Violência" do Cronenberg _pena que depois se torne mais cansativo), além de uma dobradinha de Abraham Polonsky, famosa vítima do mccarthismo, estrelada pelo também estigmatizado John Garfield: "Body and Soul" traz seu primeiro roteiro filmado (por Robert Rossen), e "Force of Evil" é sua estréia como diretor. Ambos são histórias morais sobre o capital: o primeiro no mundo do boxe, o segundo, do direito como acessório ao crime. Este último é especialmente interessante (a influência sobre "O Poderoso Chefão" é gritante), e Beatrice Pearson, no seu primeiro e penúltimo trabalho no cinema (dedicou-se ao teatro), está maravilhosa, belíssima.

    "Mildred Pierce", do Curtiz, e "Leave Her to Heaven", do Stahl, se são noirs (o último é em Technicolor), são atípicos; o último até que começa docemente, mas o terror chega em meio a uma natureza exuberante fotografada de modo idem. Exuberante também é "A Matter of Life and Death", obra-prima de Powell e Pressburger: tive a impressão de que durava três horas, não por ser ruim, mas por ser tão épico e grandioso (começando com a Terra vista do espaço _mais de dez anos antes de Gagarin, ela era verde!)... Os efeitos visuais são maravilhosos, a alternância entre o preto-e-branco e o Technicolor funciona belissimamente, e o senso de humor transborda inteligência. É uma delícia de filme, uma história contada de uma forma que só o cinema poderia fazer _só não sei porque Kim Hunter filmava tanto: não a acho bonita, e suas atuações não costumam me impressionar _também a vi em "When Strangers Marry", de William Castle _Robert Mitchum era outro que estava com força total; além deste e do filme do Tourneur, também o vi em "Pursued", western do Raoul Walsh).

    Singulares também são "Odd Man Out", do Carol Reed, com James Mason no papel que ele dizia ser seu favorito, um famoso terrorista norte-irlandês (claro que o catolicismo permeia a história, e o final folhetinesco é poderoso), "Portrait of Jennie" (de outro alemão, William Dieterle), com Joseph Cotten (cujo personagem se parece um pouco comigo no que diz sentido à dedicação à arte) e Jennifer Jones (de "Duelo ao Sol") num romance (uma espécie de precursor de "Em Algum Lugar do Passado" e "Ghost") com um prólogo estranhíssimo (com um discurso sobre fé e quetais _lembra um pouco os filmes do Zé do Caixão, quando ele pergunta "o que é a morte?") e uma curiosa mistura de trechos em cores e em preto-e-branco (sendo que duas seqüências climáticas são naquele "preto-e-branco tingido" que se usava no período silencioso), e "Dreams That Money Can Buy", de Hans Richter, que até parece um roteiro de Charlie Kaufman filmado por David Lynch: homem (simplesmente chamado "Joe") descobre que tem o poder de vender sonhos para as pessoas; ao atender alguns clientes, temos uma série de sete esquetes, inspiradas por artistas de vanguarda, como Man Ray, Alexander Calder, Marcel Duchamp, Max Ernst, Fernand Leger e John Cage. O resultado é irregular e um tanto cansativo, mas pelo menos um deles, chamado de "A Garota do Coração Pré-Fabricado" (estrelado por manequins animados com uma canção sensacional), é excelente.

    Também voltei a John Ford, com "The Fugitive", adaptação de um grande romance de Graham Greene, "O Poder e a Glória"; o filme se parece muito mais com os melodramas de Emilio Fernandez (que é produtor associado e faz uma ponta), e não é à toa que a turma deste (Armendáriz, Dolores del Rio e Gabriel Figueiroa como fotógrafo) está toda lá; para contrabalançar, dois clássicos atores de Ford, Henry Fonda e Ward Bond. Há momentos belíssimos (como a primeira entrada de Fonda numa igreja), mas não o considerei um dos melhores do diretor _de quem também vi "Bucking Broadway", de 1917, estrelado por Harry Carey, o precursor de John Wayne (claro que não é da estirpe de "The Iron Horse", mas não é nada ruim e vale como documento histórico). Ainda no western, revi "Yellow Sky" (tinha visto na Cultura há anos), do Wellman.

    E não posso deixar de registrar outra revisão, a de "Begone Dull Care", clássico hipnotizante e divertido do escocês/canadense Norman McLaren, com trilha de Oscar Peterson Trio. Ainda fora dos EUA, vi pela primeira vez uma ficção do Clouzot (de quem só conhecia o filme sobre Picasso), "Quais des Orfrèves", que não me parece merecer a fama de "Hitchcock francês" (há quem diga o mesmo do Chabrol); começa prometendo muito (chega a lembrar o "Luci dei Varietà" de Fellini e Lattuada, mas é melhor), mas justamente quando aparece a trama de assassinato, o filme cai bastante (embora alguns detalhes, como o filho mestiço do policial e os sentimentos contraditórios da amiga do casal protagonista _interpretada por Simone Renant, belíssima_ permaneçam sendo muito interessantes). No Japão, passei por dois Mizoguchi, "Conto dos Crisântemos Tardios" (este é de 1939) e "Utamaro..."; o primeiro é um melodrama longo e folhetinesco; o segundo, melhor, incrivelmente transita entre a pornochanchada e a tragédia shakespeareana; no centro de tudo, a necessidade de criar aliada à paixão pelo sexo oposto (de novo, eu me reconheço). E quem não foi à Sessão do Comodoro ver "Rito de Amor e de Morte", único filme de Yukio Mishima estrelado pelo próprio, não sabe o que perdeu...

    Um epílogo: ter visto "Germania Anno Zero", do meu amigo Rossellini, me levou a rever "O Pianista", do Polanski; tinha gostado deste último no cinema, mas a revisão me mostrou um filme bem fraco, repleto de diálogos explicativos, personagens estereotipadas e vontade de imitar o Spielberg (sem chegar lá)... Em alguns momentos, Polanski se esforça para criar uns enquadramentos bonitos (com os atores dispostos no quadro à Orson Welles), mas são momentos raros; entretanto, a imagem de Varsóvia destruída ainda é forte. Do polonês estuprador também revi "The Fearless Vampire Killers", também fraquíssimo e sem graça; compensa pela fotografia, direção de arte, trilha do Komeda e por Jack MacGowran, Fiona Lewis, Sharon Tate (e os generosos decotes destas duas).

    ***

    Chegando à atualidade: vi em DVD "Estamira" (longo, monótono e redundante, prejudicado por uma trilha sonora excruciante e um preto-e-branco "cosmética-do-lixo"), "Amor em Cinco Tempos" (frio, distante, com mania de esvaziar o drama), "A Criança" (nem inovador nem rigoroso nem impressionante nem belo nem ousado. Para um brasileiro como eu, é até ridículo o retrato dos criminosos belgas: as ruas, as moradias _mesmo o albergue para desabrigados e a prisão, que tem máquina de café e tudo_, tudo é muito limpinho e pouco perigoso).

    Nos EUA, fui de "300" (no qual destaca-se a beleza plástica de alguns planos bem específicos _o que mostra o destino do rei Leônidas é praticamente uma pintura; o ritmo é péssimo, prejudicado por mau uso de câmera lenta que estraga as cenas de ação; não sei porque reclamaram tanto do Gerard Butler, achei que ele está bom como protagonista _em especial, quando seu Leônidas demonstra senso de humor; Rodrigo Santoro está muito bem como Xerxes, mas poderiam ter chamado a Ru Paul para o papel), "O Grande Truque" (meio previsível e caretão; Bowie está bem como Tesla) e "The Fountain". Este, primeiro que vejo do Aronofsky, foi chamado por muita gente de "pior filme já feito"; talvez o aviso tenha me levado a não chegar a tal ponto: o roteiro é realmente confuso, direção, fotografia (com a maldita mania de travellings em subjetivas de gente parada) e montagem são pouco econômicas/inteligentes, direção de arte brega (embora seja interessante a idéia de fazer fotomontagens com imagens microscópicas, não geradas por computador), e a trilha sonora é chata. Cheguei a dar gargalhadas com as primeiras imagens de "orientalismo de butique" (um cara parecido com um monge fazendo tai chi entre as estrelas?). A grande qualidade mesmo é o elenco _em especial, Rachel Weisz, grande atriz que aparentemente teve o mau gosto de se casar com o diretor. Mas há uma carga de emoção sincera neste filme, infelizmente ofuscada pela pretensão da coisa toda (imagino que teria sido pior se a versão original, duas vezes mais cara e estrelada por Brad Pitt _que brigou com o diretor e se demitiu, causando a interrupção da produção_ e Cate Blanchett, tivesse rolado). Ah, também vi "The Prairie Home Companion", réquiem bem adequado do Altman (não é o melhor dele; aquela câmera que não pára irrita...). Falando em réquiem... não, o Bergman fica mais pra baixo.

    ***

    Vai chegando o fim do ano, e de repente os festivais começam a bombar (as estatais deixam pra gastar mais nesta época?): bati ponto no festival latino (prejudicado imensamente pela friaca maldita que flagelou São Paulo), onde vi dois belos filmes: "Etnocidio, Notas sobre el Mezquital" (1977), do homenageado Paul Leduc (com imagens impressionantes, como a dos operários descendo dos prédios ou saindo da mina; trinta anos depois, vemos as conseqüências das injustiças apontadas ali), e "El Castillo de la Pureza", de Arturo Ripstein, que, além do excelente enredo, traz o primeiro papel importante da Diana Bracho (filha do Julio Bracho, prolífico diretor), deliciosamente pelada aos 18 aninhos. A tranqueira do festival foi justamente o filme de abertura, "As Leis de Família", do Daniel Burman (outro que faz aniversário no mesmo dia que eu), presente na sessão e muito simpático; muitos críticos elogiaram, mas me parece coisa de gente deslumbrada com a Argentina: o protagonista é um dos menos empáticos que já vi, esvazia todos os conflitos e, apesar de bastante coisa acontecer, dá a impressão de que nada aconteceu.

    Fui também ao segundo festival de hip hop (não tinha ouvido falar do primeiro), mas infelizmente não vi nada que merecesse destaque. No festival de cinema silencioso, infelizmente perdi a sessão de "Caligari" com a Patife Band, mas vi o alemão "A Flor do Pântano" (1913), drama competente de Viggo Larsen, com acompanhamento ao vivo _nesta sessão conheci a nova e bela sala da Cinemateca, espaço que finalmente começa a se revitalizar (infelizmente, continua sendo de difícil acesso). No Olido, que andava paradão, fui ver a palestra da Sheila Schvarzman sobre Umberto Mauro no festival dedicado ao mesmo, e de quebra vi o belo "Um Apólogo" (1939), que antes de adaptar a famosa fábula de Machado de Assis, traz um minidocumentário sobre o escritor (basicamente, a voz de Roquete Pinto sobre imagens externas do Rio ou meramente ilustrativas do texto, como exemplares de obras do escritor ou sua estátua no prédio da ABL). A coisa melhora muito quando entramos na ficção em si: em poucos minutos, Mauro cria com beleza um mundo particular, no qual agulha, linha e alfinete se transformam em atores e encenam o texto, num cenário que representa convincentemente o interior de uma caixinha de costura.

    E também está ocorrendo o festival de curtas, que me parece melhor do que nos anos anteriores: até o momento, o destaque é "Psicose de Valter", de Eduardo Kishimoto (um belo plano-seqüência na Augusta guiado por um diálogo do pornógrafo/professor de filosofia num quarto de puteiro que termina num boteco/sinuca com uma aula sobre Kant e um zarolho entoando "Cavalgada" belissimamente; de chorar de tão bom, deu até inveja positiva); o londrinense "Satori Uso", hypado por aí, não me agradou tanto (é rigoroso enquanto imagem, mas derrapa ao não definir com precisão o que são haikais _bem, é "chatice" de virginiano). E a sessão dedicada ao gigantesco Osamu Tezuka é imperdível: traz filmes (duas produções curtas dos anos 80 e um média de 1966) muito diferentes dos mangás ou dos animes de Tezuka para a TV _e também diferentes entre si! "Filme Quebrado" usa de ironia e metalinguagem, num traço e temáticas no estilo norte-americano (lembra Tex Avery); "Saltar" é simplesmente uma pequena obra-prima, merecia status de clássico; e "Quadros de uma Exposição" é justamente uma adaptação da peça de Mussorgsky, uma aglomeração brilhante e bem-humorada de vários estilos extremamante diversos em uma crítica à contemporaneidade (dos Beatles ao Vietnã, passando pelas cirurgias plásticas, a censura, a TV) transbordante de ironia. Atualmente estou lendo a série "Adolf", publicada aqui pela Conrad em cinco livros; recomendo.

    ***

    Chegamos às séries: vi a segunda temporada de "24 Horas", que diferentemente da (muito superior) primeira, que desde o primeiro episódio te deixava fisgado, só começa a ficar emocionante a partir de seu segundo terço. A suspensão de descrença que me perdoe, mas causa estranheza as personagens passarem pelas 24 horas sem demonstrar muito cansaço ou mesmo fome _o que talvez cause menos tensão. Outro problemão foi o final: diferentemente da primeira, não "fecha" _até aí, tudo bem; o problema é que, vendo as cenas cortadas nos extras do DVD, eles eliminaram justamente o melhor e mais impressionante gancho, sem deixar claro o destino de uma personagem capital (e, de quebra, perderam um plano final primoroso). De resto, Jack Bauer continua bad motherfucker (e assassina e tortura sem dó, o espírito "Guantánamo" permeia toda a série), e a Elisha Cuthbert, uma delícia. A grande surpresa é a personagem George Mason (interpretada por Xander Berkeley, na vida real marido da Sarah Clarke, que faz a Nina Myers), sempre mostrada sob um viés negativo, que se consagra como grande herói, no clímax (bastante antecipado) deste ciclo. Tirando isto, o roteiro, coalhado de conflitos em velocidade alta e constante, até que funciona, apesar do final meio broxante.

    Vi também a primeira temporada de "The Practice", que deu origem à elogiada "Boston Legal" (que ainda não vi _mas não tem como ser ruim, se traz o William Shatner num papel cômico, e ainda por cima, como advogado). É boazinha; o destaque mesmo é Lara Flynn Boyle (a trilha sonora dos créditos também é ótima).

    ***

    A primeira vez que vi um filme do Bergman foi num lugar bizarro: o banco Real da Paulista! Era uma mostra de clássicos europeus (passou também "O Anjo Exterminador" e outros, que não pude acompanhar _eu era estudante paupérrimo e morava em São Bernardo, fui à sessão depois do trampo como estagiário num lugar onde quem mandava hoje é ministro _foi ali que dei a idéia de o então nascente "Sou da Paz" se dedicar ao desarmamento, mas esta é uma outra história), e o escolhido do sueco foi "Persona", que vi bebendo um vinho que, pra variar, me causou uma baita dor de estômago. Nunca revi o filme, mas as imagens daquele prólogo me encantam até hoje, assim como a repetição daquele plano/contraplano, as confissões eróticas das "mulheres que pecam" (segundo o título brasileiro babaca) e a beleza da Liv Ullman. Outro impacto foi causado anos depois, por aquele vermelho de "Gritos e Sussurros", quando reestreou nos cinemas, e por uma seqüência específica de "Morangos Silvestres", a do sonho fúnebre e meio kafkiano de Sjöstrom. "A Fonte da Donzela" e "Cenas de um Casamento" (recomendado a mim por Hector Babenco, mas esta também é uma outra história) também são outros preferidos, no momento (de seus aproximadamente 60 filmes, vi cerca de uma dúzia, muito pouco). Já "O Sétimo Selo", considerado por muitos seu melhor, sempre me deixou um pouquinho decepcionado. Não deixo de reconhecer a qualidade de seu trabalho, mas a verdade é que ele não chega nem perto de entrar no meu panteão particular de ídolos. Então talvez valha a pena citar alguém que o tinha em bem mais alta conta: segue trecho de texto de Woody Allen publicado no "New York Times":

    "I’ve said it before to people who have a romanticized view of the artist and hold creation sacred: In the end, your art doesn’t save you. (...) I have joked about art being the intellectual’s Catholicism, that is, a wishful belief in an afterlife. Better than to live on in the hearts and minds of the public is to live on in one’s apartment, is how I put it. And certainly Bergman’s movies will live on and will be viewed at museums and on TV and sold on DVDs, but knowing him, this was meager compensation, and I am sure he would have been only too glad to barter each one of his films for an additional year of life. (...) I learned from his example to try to turn out the best work I’m capable of at that given moment, never giving in to the foolish world of hits and flops or succumbing to playing the glitzy role of the film director, but making a movie and moving on to the next one. Bergman made about 60 films in his lifetime, I have made 38. At least if I can’t rise to his quality maybe I can approach his quantity."

    P. S. Eu sempre carrego um livro de bolso comigo, antídoto para qualquer espera ou tempo perdido em condução; o problema é que estes livros são lidos apenas nestes momentos, ou seja, a leitura é em pílulas, e às vezes demoro meses para terminar um volume. Quando Kurt Vonnegut morreu, eu estava justamente lendo "Matadouro 5" (cuja adaptação cinematográfica eu comecei a ver no Telecine, mas desisti por motivo ignorado); a tradução é absolutamente lamentável, mas deu para entrever que ali está uma obra-prima.

    Nenhum comentário:

    Na platéia