A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, setembro 30, 2005

    A Batalha de Argel / A Lista de Schindler / A Queda! - As Últimas Horas de Hitler / O Triunfo da Vontade

    Marcha, soldado cabeça-de-papel.

    Parece que até pouco tempo atrás os historiadores tinham certa reserva de encarar filmes como documentos historiográficos. A questão é interessante e merece debate: um documento "em papel" é necessariamente mais confiável do que um "em filme"? E quando o filme em questão é uma reconstituição dramática? Documentários são necessariamente mais isentos (se é que a palavra tem cabimento)? Sabia que o sabiá sabia assobiar?

    Pois recentemente voltou aos cinemas de São Paulo este "A Batalha de Argel" (1965), filme mais conhecido do veterano italiano Gillo (apelido de Gilberto) Pontecorvo, ainda em atividade apesar de ter passado dos 80 anos, que assisti ao lado de dois bons amigos (um deles vibrava a cada vez que um policial era assassinado) no Espaço Unibancool de Cinema. Feito poucos meses depois da independência da Argélia, colonizada pelos franceses por cerca de 130 anos, não só mostra parte do processo revolucionário (como também ocorre no documentário "25", co-dirigido por Zé Celso Martinez Corrêa e já comentado aqui), ao demonstrar como o grupo se organizava e se relacionava com o povo, como explicita a política colonialista que ainda veio se arrastando pela segunda metade do século XX.

    Jean Martin, no papel do coronel Mathieu (ótima atuação), dá voz aos instrumentos de repressão ao mesmo tempo em que questiona esta política; é soldado, cumpre ordens, mas mede conseqüências e as expõe (inclusive no que tange assuntos absolutamente terríveis, como a nossa velha conhecida tortura) antes de entrar em ação. Por outro lado, os revolucionários, apesar de cometerem atos terroristas e assassinatos, destruindo muitas vidas e propriedades de inocentes, estão lutando pela liberdade e estão longe de serem retratados como assassinos fanáticos. É evidente que o filme escolhe um lado, e parte da reação na França não deve ter sido das melhores... Mas, mesmo deixando de lado este caráter documental do filme, resta um thriller interessante, que não se detém tanto sobre as personagens (Ali La Pointe, um dos principais líderes da revolução, não chega a ser endeusado, como poderia ocorrer em outro tipo de produção).

    Bastante diferente é o caso de "A Lista de Schindler" (1993), filme que comprou certo respeito a Steven Spielberg (como se o fato de fazer blockbusters acima da média fosse pouca coisa). Aqui trata-se justamente de focar nas personagens, em Oskar Schindler, "seus" judeus e em figuras como Amon Goeth, em papéis que levantaram as carreiras de Liam Neeson e Ralph Fiennes. Trata-se, aqui, de reproduzir a história oral, somente do ponto de vista das vítimas do mais famoso dentre os muitos genocídios cometidos nas últimas décadas.

    Acusado de pretensioso por aí, o filme na verdade é um trabalho de mestre; Spielby demonstra grande senso de enquadramento, de decupagem, de ritmo, de direção de atores. Tinha visto no cinema, na época de estréia, e não tinha gostado muito (especialmente por certas cenas melodramáticas demais e aparentemente inverossímeis); mais de dez anos depois, ao revê-lo, mesmo estes momentos acabam funcionando, e o filme, por mais que nos exponha a uma série de crueldades terríveis, traz para os anais da história uma reconstituição baseada em depoimentos que são essenciais para compreender o que ocorreu na Europa durante aquele triste período (embora historiadores muitas vezes critiquem o tom emocionado deles, não deixam de ter grande valor). Nem sempre o inferno é feito de boas intenções.

    Já o menos cinematograficamente ambicioso "Der Untergang" (2004), baseado num (mas apenas em um, salvo engano) depoimento de uma testemunha que esteve no bunker em Berlim onde Hitler cometeu suicídio, parece cumprir o seu papel de registro de um importante momento histórico. Mas, como cinema, não apresenta nada de muito espetacular, com exceção da belíssima interpretação de Bruno Ganz. Por sinal, esta história de dizer que Ganz nos entrega um Hitler "humano" como se fosse uma proeza é de uma estupidez lamentável; separar Hitler da humanidade e tachá-lo de "monstro" não apenas é insensato: é insensível. É como justificar o injustificável. Mas não é isso o que me proponho a discutir aqui; é que este tipo de burrice-clichê (dita por gente bem-intencionada, mas equivocada) simplesmente me revolta, e como posso espernear à vontade neste espacinho abandonado por Deus...

    Já em "O Triunfo da Vontade" (1935), que transita entre os limites de documentário e filme de propaganda, é, sim, um documento assustador e valiosíssimo para compreender um fenômeno difícil de compreender (compreendeu?). Todo o odioso preconceito (a tal da "pureza da raça") instilado pelo nazismo está exposto ali, nos discursos de gente ("gente", não "monstros" _por sinal, nem aqueles do filme de Tod Browning merecem tal pecha) como Goebbels (que cita especificamente "a nova e criativa ciência da propaganda política") e o próprio Führer. Parece haver um tom desesperado na necessidade de um povo humilhado (merecidamente?) de recobrar sua auto-estima não apenas por meio do progresso econômico, mas do poderio militar _que acabou levando a um tresloucado e napoleônico (mas a comparação é mesmo apropriada?) plano de conquistar territórios alheios. É deprimente ver Hitler (que nunca achei orador de merda nenhuma _taí mais um clichê dito por gente idiota) se dirigindo aos jovens, sufocando todo individualismo, naquele espetáculo imperial romano antiquado.

    Fora isso, não é à toa que não se nega o talento de Helene Bertha Amalie Riefenstahl (a ser interpretada por Jodie Foster numa cinebiografia, dizem) como diretora (além deste, a ex-bailarina e atriz de filmes "de montanha" _dos quais vi apenas um "O Inferno Branco de Piz Palü", muito bom_ assinou somente a direção de mais sete filmes em seus 101 anos de vida). Planos impressionantes, nos quais se notam um evidente capricho de enquadramento, abundam. Só que é outro clichê dizer, como ela e todos os que viveram suas vidas sob aquele governo, que eles "não sabiam". Os discursos daqueles políticos nazistas deixa bem claro que dali não podia sair coisa boa; não somos ninguém para julgar as pessoas (que, segundo "Der Untergang", o Führer culparia pela derrota e abandonaria) que tentaram simplesmente sobreviver por meio de acomodação (não deve ser mesmo fácil abandonar tudo, país, família, propriedades etc.) a um determinado sistema _quantos de nós fariam diferente? Impossível saber. Agora, Lang, Lubistch, Murnau e outros caíram fora, não? Dona Leni "should have known better"... Imaginem a carreira que ela teria tido em Hollywood, filmando coisas bem mais bonitas?

    P. S. Don Adams e, mais ainda, Ronald Golias: muito obrigado!

    P. P. S. Já faz quase um mês (tá difícil encontrar tempo para escrever aqui, vocês sabem) que saiu esta matéria que cita o CCE, entre outros. A entrevista original ficou muito legal; caso interesse, peçam para eu publicar quando este espaço completar 4 aninhos, em abril de 2006...

    P. P. P. S. Alguns de vocês devem saber que não dou a mínima para o Oscar _meu negócio é cinema, não economia. Mas não tenho dúvidas de que a escolha de "2 Filhos de Francisco" para ser o concorrente brasileiro foi a melhor. O filme é emocionante e popular de uma maneira rara nos últimos anos, por aqui. Vamos ver se a gente reaprende a fazer cinema para o povo _mesmo que esse povo seja classe média, fazer o quê...

    P. P. P. P. S. Finalmente vi o tal de "Herói". É um lixão só. Parece comercial de Vinólia, só que pior!

    P. P. P. P. P. S. Falando em lixão, tremei: "A Volta do Regresso" vem aí. Graaaaande filme! Graaaaande sucesso!

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