A gruta é mais extensa do que a gruta

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    segunda-feira, agosto 29, 2005

    2 Filhos de Francisco

    É o amor.

    Em outra recente cinebiografia (não raro, um gênero difícil, por ser deveras vendido, mesmo quando supostamente politicamente incorreto, como em "Lenny", do Bob Fosse _que nem acho tão ruim, por sinal), a oscarizada "Ray", o personagem-título diz gostar muito de música caipira "por causa das histórias". Não só a música é uma linguagem universal, mas as experiências relatadas em toda forma de sons e imagens, que devem nos tocar quando existe um mínimo de identificação. E é mais fácil a maioria se identificar com a pobreza, não?

    Pois fui ver "2 Filhos de Francisco", mais um produto da Conspiração Filmes (por sinal, um dos "menos piores", adianto), e atrás de mim um senhor, antes da projeção (ocorrida numa sala da pobre-rica Avenida Paulista, imagem máxima da metrópole brasileira), se dizia pronto a entrar em contato com suas raízes. Ora, eu também; menos por ter crescido em uma cidade do interior, mais por ser filho de ex-engraxate e neto de bóias-frias e pedreiros (além de outros membros da família que são caseiros de sítio, porteiros de hotel, caixas de supermercado etc.).

    Voltando à questão da história: com um material tão interessante quanto a vida da família da dupla Zezé di Camargo e Luciano (enredo que casa perfeitamente com as propaladas jornadas do herói e tal), para que o filme resultante fosse ruim, a equipe envolvida teria de ser especialmente ruim. Então não impressiona nem um pouco que a obra sobre a dupla não seja considerada do mesmo nível que seus discos (os quais, por sinal, desconheço _nisto, o filme, espertamente, não ajuda).

    É aqui que a porca torce o rabo. Esse pessoal da Conspiração, a Paula Lavigne, o Guel Arraes, o Caetano Veloso, o próprio Zezé e sei lá mais quem envolvido só têm de bobos as caras. Como o cinema deixou de ser diversão popular por aqui há pelo menos duas décadas, o filme foi minuciosamente calculado para atender ao suposto "bom gosto" da classe média _em especial, no que tange os ouvidos. Então, em vez de sucessos da dupla (mesmo o megahit "É o Amor" é ouvido na versão de Maria Bethânia, escandalosa à época por burrice e preconceito), clássicos da música sertaneja (interpretados por Caetano e pela irmã _não ficou exatamente ruim, mas cheira a farsa), Roberto Carlos e outros mais palatáveis.

    Enfim, não tinha como o filme não ser bonito e não tinha como o filme não ser emocionante, por mais que se perceba com clareza as estratégias de manipulação do espectador (neste sentido, o filme nunca chega a ser desonesto). As coisas pioram muito quando Luciano envelhece, mas a bem-sucedida escolha do elenco (Ângelo Antônio está adorável) e algumas soluções de imagem (o ensaio de Camargo e Camarguinho tendo a enxada como microfone e a apresentação de um caixãozinho, por exemplo) ajudam a trazer um sorriso ao rosto. E, de vez em quando, até umas lágrimas.

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