A gruta é mais extensa do que a gruta

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    domingo, fevereiro 08, 2004

    Encontros e Desencontros / 21 Gramas / Interiores

    As I walk through this wicked world, searchin' for light in the darkness of insanity. I ask myself, is all hope lost? Is there only pain and hatred and misery? And each time I feel like this inside, there's one thing I wanna know: what's so funny 'bout peace love and understanding?

    Quem aí já ficou em outro país tempo suficiente para viver a experiência do expatriado? Certamente as “adaptabilidades” variam. No meu caso, para minha surpresa, foi o bastante para entender a palavra “homesickness” e o conceito de alienígena. Claro, é bem possível ser um expatriado em seu próprio país...

    E já disseram por aí que a pátria de um homem é o seu idioma. Por mais que eu estivesse familiarizado com o inglês, que falo fluentemente há muitos anos (sem nunca tê-lo estudado), viver na Califórnia tinha o seu quê de frustração justamente por isso. Mais do que tudo, eu sentia falta da língua portuguesa do Brasil (tá, da mulher brasileira, também).

    Pois, pasmem, eu já estudei japonês. Eu, brasileiro, com cara de galã de filme italiano, fui, sim, estudar os hiraganas e os katakanas da vida. Portanto, posso dizer que o idioma japonês é, para nós, ocidentais, a mesma coisa que marciano. Aos quase vinte anos de idade, lá estava eu de volta ao prézinho, desenhando vinte vezes a letra “A” em vinte quadradinhos.

    O filme de Sofia Coppola, “Lost In Translation” (o título brasileiro nem é tão absurdo, apesar de irônico e desnecessário), usa deste recurso para exprimir este sentimento de incomunicabilidade, de diferença, de separação. Um dos planos que mais me chamaram a atenção foi justamente o de um néon, indecifrável para o público-alvo do filme. A incomunicabilidade aparecerá na obra de muitas outras formas, como base para situações cômicas (o público da sala em que eu estava se esbaldou de gargalhar o tempo todo, talvez porque tivesse ido ao cinema com tal predisposição) e dramáticas, envolvendo o casal de protagonistas.

    Sou suspeito para falar do Bill Murray, ator de quem sou fã há muito tempo. Apesar de certos aspectos da cultura japonesa (vista, aqui, sem grandes estereótipos ou preconceitos, embora muitos pensem o contrário) parecerem hilários para nós, é com Murray, seu semelhante, que o espectador ri. Como uma espécie de Buster Keaton moderno (guardadas as devidas proporções, é óbvio), a personagem de Murray enfrenta as vicissitudes de sua condição, uma estrela de cinema em seu crepúsculo, sozinha em um outro planeta. O auge do estranhamento se dá justamente quando ele se vê na televisão do hotel, em um filme antigo, dublado em japonês (outro grande momento do filme). O auge da hilaridade, claro, é a sua imitação de Roger Moore.

    Seu par, interpretado por Scarlett Johansson (que me lembra a Winona Ryder e a loirinha de “Dawson’s Creek” _a atriz, de 19 anos, é mostrada sem glamour, com celulite e tudo, o que é legal, talvez apenas por se tratar de um filme assinado por uma mulher), faz o contraponto, por ser jovem e viver drama semelhante ao do veterano ator (problemas conjugais), mas sem se debater de modo tão hilariante com a cultura alienígena.

    E, além de Tóquio e suas luzes, a música é outro grande personagem do filme. Coppolinha, “moderninha”, se apropria de clássicos recentes do pop britânico e americano, e é óbvio que a estratégia funciona. My Bloody Valentine e Jesus & Mary Chain, Elvis Costello e Roxy Music na voz de Bill Murray (outro grande momento). Coincidência, comprei os CDs que contêm todas essas músicas na minha passagem por Berkeley.

    Parece que esta foi mesmo a escolha de Sofia: algumas risadas aqui, momentos de emoção (o diálogo final entre os protagonistas é mesmo muito bonito) embalados por boa música ali, dois bons atores num filme de baixo orçamento, despojado, que indica honestidade... E eu ainda não estou certo do quanto gostei do filme. Saí decepcionado do cinema, por não ter sido uma experiência genuinamente emocionante e transformadora (como a que tive diante de “Embriagado de Amor”). Depois, ao relembrá-lo, parecia que eu gostava mais e mais e, agora, eu simplesmente não sei (entretanto, considero-o melhor do que o bom “As Virgens Suicidas”, que é mais impactante e tem uma trilha sonora muito mais interessante). Ao revê-lo, o mais provável é que eu o considere superestimado. Veremos.

    Caso engraçado é o de “21 Gramas”, elogiadíssimo antes de estrear e, agora que quase todo mundo viu, vem sendo tratado como uma bomba. Não é uma coisa nem outra, embora seja inferior a “Amores Perros”. Assim como seu antecessor, o roteiro aposta no melodrama. Não é pela nacionalidade do diretor Inárritu, mas trata-se de um dramalhão mexicano, mesmo.

    A primeira vez que ouvi falar do filme foi num comentário do José Wilker, no Cineview do Telecine. Ele o comparava a “Irreversível” (que não vi, desestimulado pelo fiasco de crítica), malhando este último e elogiando este outro. Então, o diferencial do granuladíssimo filme seria a montagem, que avança e retrocede no tempo inúmeras vezes, revelando, aos poucos, qual é a relação entre o trio de protagonistas. Atores, estes, que são o grande patrimônio da obra. O destaque é Sean Penn (se desconsiderarmos os mamilos de Naomi Watts), numa atuação muitíssimo melhor do que a do filme do Clint. E aí temos os temas caros ao melodrama: filhos, fé, saúde, perdas, aproximação. E um final muito, muito ruim. Uma pena.

    Ainda no tom de melodrama, mas com muito mais peso e sobriedade, voltemos a 1978, ano em que Woody Allen lançou “Interiors”, talvez o seu filme mais maldito. Não é nada desprezível ter a coragem (ou a pretensão) de mexer em time que está ganhando: Allen, comediante experiente, tinha acabado de ser consagrado com o Oscar por seu longa mais conhecido, “Annie Hall”, e lança uma obra sem uma piada, uma gag, um sorriso que seja. “Interiores” é pesado e emula Bergman, por quem o cineasta declarava imensa admiração à época (“Manhattan” e “Stardust Memories”, seus filmes seguintes _e cada vez melhores_, também deixavam isto bem claro).

    Também contando com um elenco excelente, com grande cuidado com a cenografia e o som, Allen apresenta uma dramaturgia sólida, sem pontas soltas, mas um tanto previsível demais. Incomoda a pretensão e a afetação durante todo o filme, que se intensifica no final. Allen é melhor quando é leve, mesmo quando está em crise. Mas é admirável que o artista consiga transformar sua crise (que não deveria ser pequena, dado os filmes que fez nesta época) em obras bonitas e pessoais como esta. Taí um filme que, apesar das pequenas falhas, precisava ser redescoberto.

    P. S. Falando em “Dawson’s Creek”, vi, semana passada, “Regras da Atração”, do Roger Avary, mais conhecido como co-autor de “Pulp Fiction”. Até que o James van der Beek fica legal num outro personagem, e o início, com aquelas brincadeiras de inversão de tempo, é bom cinema. Já o final...

    P. P. S. E falando em regras da atração, sonhei que estava num ménage a trois com a Kelly Key e a Tati Quebra-Barraco. Oh, the humanity.

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