A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sábado, agosto 08, 2009

    Cof, cof

    Tinha planejado alguma bobagem sobre filmes não narrativos (Norman McLaren, Stan Brakhage, Michael Snow, essas coisas), mas vai ficar para uma outra vez _se não acabo não atualizando mais este site. Em vez disso, é bom selecionar e frisar o que de bom foi pra cabeça.

    O destaque absoluto é "Incompreso" (aqui rebatizado com o bobo título "Quando o Amor É Cruel"). Não sei se o filme de Comencini (o segundo dele que vi, até onde me lembro) foi um grande sucesso, mas como vi outros parecidos (mas não comparáveis), suponho que sim. E é impressionante como um filme sobre temas tão pesados pode ser tão leve, divertido, engraçado e envolvente _era muito fácil ser deprimente, mas esta armadilha é evitada em grande parte graças às atuações perfeitas das crianças, Stefano Colagrande e Simone Giannozzi, que nunca mais trabalharam no cinema. Ao mesmo tempo, também consegue a proeza de ser emocionante sem apelar para sentimentalismos (pelo contrário, a cena final traz os atores contidos a um
    ponto que parece impossível). Um remake com Gene Hackman foi feito nos EUA no início dos anos 80; dizem que é parecido com o original, mas difícil acreditar que seja tão bom quanto. Alguém viu? Também extasiante foi a revisão de "O Padre e a Moça", um filme muito especial e com uma carga erótica altíssima, da qual eu não me lembrava. Que acidente feliz! E por coincidência, em seu blog novo, o Francis publicou quadros de uma das sequências mais famosas.Outra revisão foi o "Persona" do Bergman (que vi pela primeira vez no Banco Real da Paulista, tomando vinho), que, apesar de datadíssimo (mas isto nem é defeito: marcou época), ainda fascina, em especial nos seus primeiros minutos.

    Em uma Mostra de alguns anos atrás, gostei bastante do "Offscreen", de Christoffer Boe. Mas vendo "David Holzman's Diary", feito quase 40 anos antes, o filme do dinamarquês ficou pequeno. A reflexão sobre a relação entre vida e registro audiovisual (martelada recentemente em filmes como o "Diário dos Mortos") já aparece bem madura no filme de estreia de Jim McBride. Falando nele, que carreira estranha a do rapaz: dirigiu pornochanchada, fez um remake de "Acossado", cinebiografias de Jerry Lee Lewis e Meat Loaf (!), participou do filme do Cakoff e dirigiu episódios de séries como "Além da Imaginação" (versão anos 80), "Anos Incríveis" e "Six Feet Under"... E cabe avançarmos até 2000 para citar "Camera", de David Cronenberg, cuja marca autoral é evidente em frases como "When you record the moment, you record the death of the moment", bem ditas por Leslie Carlson. É um tanto óbvio no final, quando ocorre a "sacadinha" típica de muitos curtas, mas antes disso não faltam bons momentos. O diretor disse que teve a ideia de fazer este filme inspirado em um sonho de sua infância: ele havia entrado criança em um cinema e, enquanto o filme passava, ele envelhecia rapidamente... Voltando a 1967. "Privilege" (do Peter Watkins de "The War Game"), já começa com uma mistura Beatlemania com desfile de imperador romano (ou de führer). A metralhadora giratória do diretor não perdoa Igreja (os monges a la Beatles cantando "Onward Christian Soldiers" são uma pérola da sátira), a publicidade, o showbiz, os políticos, a multidão que não gosta de pensar. Infelizmente e como de hábito, tudo continua muito atual. O ator principal é Paul Jones, que cantava na banda do Manfred Mann.

    1966 é o ano de três outros destaques. "The Naked Prey", talvez o filme mais famoso de Cornel Wilde como diretor (se não foi a referência máxima para "Apocalypto", então se trata de uma grande coincidência), traz um enredo mínimo e praticamente nada de diálogos; mas é impossível desgrudar os olhos da tela face o retorno do homem a seus instintos mais primitivos de sobrevivência, cercado do ambiente mais hostil que possa existir. É à flor da pele e ao mesmo tempo profundo. Também voltei a "Django". O filme mais famoso de Corbucci (que eu tinha visto quando criança na "Sessão das Dez" do SBT, depois do Silvio Santos) reprocessa uma série de clichês que por sua vez também foram reprocessados por uma porção de gente (por exemplo, o corte da orelha me lembra "Cães de Aluguel"). A mistureba vai de racismo a la KKK a revolução mexicana, de mulheres lutando na lama a um protagonista que vai de super-homem invencível a assassino sádico e a farrapo estropiado (mas ainda invencível), de sequências aventureiras com música animada a brigas em saloon (por sinal, também vi uma briga em saloon no delirante, musical e colorido "Tokyo Drifter", de Seijun Suzuki), sem falar na fantástica apresentação da personagem durante os créditos iniciais, sob uma canção que remete a Elvis _tudo sem vergonha de copiar aquele filme de Leone que copiava Kurosawa. Enfim, tem seu lado de grande "picaretagem", mas também é um triunfo e um filme extremamente divertido. E também conheci um "Operazione Paura" ("Kill Baby Kill" nos EUA), no qual Bava volta à forma com uma história de terror sobrenatural no início do século XX. Típico Bava, ou seja, é ótimo, com fotografia belíssima, movimentação de câmera sublime e uma série de ideias que também foram copiadas depois (inclusive não me surpreenderia se o Kubrick tivesse se inspirado neste filme para alguns momentos de "O Iluminado").

    A curiosidade foi "Meet the Feebles", de 1989, que Peter jackson fez em 16mm (ou seja, é "fullscreen" mesmo) entre "Bad Taste" e "Fome Animal" (ainda não vistos). É "Os Muppets" para adultos: o sapo é viciado em drogas e tem traumas do Vietnã; a hipopótama não consegue parar de comer, deprimida porque seu amante, a lontra, o trai com uma gata; a mosca é um repórter da imprensa marrom que se alimenta de merda; o elefante não quer assumir o filho que teve com uma galinha; o coelho teme ter contraído uma doença venérea fatal; o porco-espinho apaixona-se por uma cadela; e por aí vai. Os bonecos sangram, vomitam, têm mortes "gore" e tal. Divertido para quem gosta de nojeira. Mas suponho que é preciso ainda mais estômago para o novo filme do Heitor Dhalia...

    ***

    O blog é, tem sido e deve ser sobre cinema, mas o assunto é tão relevante e tão comentado (embora o que tenho mais lido são impropérios proferidos pelos mais afetados) que é impossível não dizer algumas palavras sobre a lei do Vampeta (apelido mais condizente com nosso atual governador) que proíbe o fumo em locais fechados de SP. Por definição, odeio proibições. Sou a favor da liberdade com responsabilidade. O problema é que como falta esta última, a outra acaba sofrendo também. Fumantes estão reclamando do autoritarismo da coisa toda, entre muitos outros problemas. É verdade, concordo. Sou a favor do direito de fumar, mesmo não sendo fumante e, pior, sendo alérgico. Mas fumar em local fechado frequentado por não fumantes também é um ato grotescamente autoritário. O fumo passivo é uma realidade comprovada cientificamente, e vai ser um alívio gigantesco não ter mais de conviver com ele. Agora, o que me incomoda mesmo na questão do cigarro é que ele acaba com o sex appeal de qualquer mulher. É de uma tristeza mortal ver uma mulher bonita fumando. Lembram do desespero do protagonista de "Anything Else" ao se tocar de que tinha se apaixonado por uma fumante? E não me venham com Lauren Bacall ou similares...

    ***

    Se eu já não recomendo a visita a este sítio pobre, desleixado, raramente atualizado e de interesse nulo, recomendo menos ainda que me sigam no Twitter, o qual uso para propósitos muito específicos e que não dizem exatamente respeito a outrem (exemplos acima, no "widget" tosco que é oferecido para o Blogger; o outro widget, o dos que acompanham este blog, foi movido para o pé da página, junto com o link do feed). Mais recomendável, e mesmo assim somente para pouquíssimos (já que gosto sempre é algo particular demais e assumo que o meu pode ter muito de duvidoso), é a minha página no Blip.fm, que tem me servido muito bem como um substituto à Last.fm, depois que sua rádio infelizmente se tornou um serviço pago (sem que por isso ele fosse melhorado). Curiosamente, está bem menos esculhambada do que se poderia esperar de alguém como eu. Abaixo, um exemplo do que tem rolado por lá:



    Minha impressão inicial sobre o Twitter é que ele pode valer a pena se você selecionar muito bem quem você acompanha; no meu caso, como não tenho o menor interesse na vida alheia (não por um site público na internet, pelo menos; com amigos e sobre coisas importantes não é assim que se fala), ninguém deve se melindrar se eu deixar de ser seu "seguidor" (a conotação religiosa do termo é asquerosa). Mais interessante é quem dispõe links legais ou mesmo os fakes com conteúdo inteligente ou engraçado (é o caso do Millôr Fernandes, infelizmente "RT" por tudo quanto é zé mané, ou do já clássico Vitor Fasano). O insuportável é que se fala DEMAIS de futebol.

    ***

    Voltemos a Blaise Cendrars, que nos lembra que não é de hoje que a globalização ajuda o ser humano a ser ainda mais boçal:

    "Estávamos, (Wally) Westmore e eu, de pé sob um pórtico publicitário, protegidos da chuva que caía a cântaros, mas totalmente respingados. (...) Como seu carro continuava a não chegar, eu, pensando em diverti-lo, comecei a lhe contar que estivera no Brasil na época do lançamento de 'Loura e Sedutora' (filme de Frank Capra com Jean Harlow, de 1931) e que o filme fizera tamanho sucesso no Rio de Janeiro que, em menos de uma semana, todas as belas mulatas e as negras indolentes que saíam no fim da tarde para passear na avenida ou desfrutar a brisa à beira-mar, na praia do Flamengo, haviam descolorido o cabelo e todas se maquiavam de cor-de-rosa.

    _ Foi muito engraçado! _ concluí. Mas aquilo também era inquietante, porque todas tinham o ar de não passar do avesso delas mesmas, como os personagens que entrevemos na transparência, ao examinar um negativo a olho nu. Imagine esse cortejo de negras louras à luz do crepúsculo, vistas em sua silhueta, com a mancha clara do rosto maquiado e os cabelos mortos, mas brilhantes! Parecia um desfile de assombrações."

    P.S. A frase de hoje é do já linkado Inácio Araújo: "Quem não gosta de uma boa sessão da tarde não sabe o que é cinema."


    15 comentários:

    Pips disse...

    Uau, te sigo no twitter e acho muitas das suas frases soltas por lá muito boas.

    E eu ando em off, mas tentando aparecer por aqui e lendo e etc.

    E eu tenho que discordar, mas adoro mulheres bonitas fumando. Ainda acho que fumo deveria ser pela estética do que pelo vicio.

    Unknown disse...

    Oi Marcelo, tudo bom? sei q usamos plaformas diferentes, mas como vc faz pra publicar um blip no corpo do blog? eu copio e colo o código e só aparece... o código, ou as vezes nem isso. se tiver mais algum procedimento q eu tiver esquecendo, agradeceria bastante a ajuda hehe abs

    Unknown disse...

    obs: plataforma diferentes pq agora uso wordpress:

    http://palavrasdobruno.wordpress.com/

    Marcelo V. disse...

    Bruno, o problema deve ser incompatibilidade com o wordpress, já que tudo o que eu fiz foi copiar e colar o código.

    Marcelo V. disse...

    Estava apagando os spams e sem querer apaguei minha resposta ao Pips. Foi mal, Pips.

    Alê Marucci disse...

    As suas frases no Twitter são frases de livro que você está lendo?
    E você sabe que o Twitter, com o tempo, vai apagando os posts mais antigos, né? Como você disse que tem um propósito específico, é bom saber disso pra você não ser pego de surpresa.

    Entrei no blip.fm há um tempo atrás mas não curti, não. Não entendi bem o propósito de eu ficar postando músicas que estou ouvindo.
    Continuo com o bom e nem tão velho last.fm, apesar da palhaçada que fizeram com as rádios.

    Beijo.

    Bruno Amato disse...

    É estranho Marcelo, outras pessoas com wordpress não parecem ter meu problema... mas enquanto não descubro, vou improvisano com links externos no meu blog.

    pô Alê, Blip é bem legal. Tentei entrar no Last, mas achei meio complicado. O Blip me pareceu mais simples (deve ser por isso que faz sucesso). O legal do Blip é ficar atento ao que os outros postam e ser surpreendido no dia a dia com as músicas que o pessoal posta (é como o twitter, mas vc pode ver posts de gente que vc não é seguidor). E vc pode salvar os posts preferidos na sua conta, formando uma playlist bem versátil...

    Marcelo V. disse...

    Alê, você não precisa postar no Blip as músicas que está ouvindo (ou seja, sendo uma DJ). Pode descobrir coisas novas ouvindo (e vendo, já que suporta vídeo) as playlists dos amigos, coisa que não dá mais para fazer com a Last.fm... E não sabia que o Twitter apagava as contas, que estranho... De qualquer forma, tenho tudo guardado em arquivos, obrigado.

    Marcelo V. disse...

    Citando novamente o Inácio Araújo: "Francamente, não tenho idéia de como inserir a leitura como valor num mundo onde o valor por excelência é o dinheiro".

    Marcelo V. disse...

    Ultimamente tenho entrado aqui só para limpar spams. Isso quer dizer...

    Bel Bonotto disse...

    Oi, Marcelo.
    Qual seu email de contato?

    Att

    Anônimo disse...

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    Anônimo disse...

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