A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sábado, abril 05, 2008

    Tanta coisa a fazer e tão pouco tempo (e o Buster Keaton chamava os anos 1920 de "época da ganância e da velocidade"...), que eu até me esqueci de dizer, no post passado, que "A Volta do Regresso" ia fazer (e agora já fez) a sua estréia internacional em Los Angeles. O desafio agora é conseguir fazer alguma bobagem a tempo para o aniversário do blog, que é em alguns dias. Mas, para fazer bobagem, sempre se dá um jeito.

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    Dando uma olhada por cima nos filmes que vi nas últimas semanas, a imensa maioria concentrada no início dos anos 1950, a figura que se destaca é ninguém menos que Marilyn Monroe. Por mais rodeada de preconceitos que seja, é inegável a presença marcante desta mulher em uma porção de filmes excelentes. As começar por duas comédias de Howard Hawks: "Monkey Business" e "Gentlemen Prefer Blondes". No primeiro, ela apenas faz o que se espera dela _mas com uma eficiência tremenda; é também interessante como não se faz mais comédias como esta, mas o filme não perdeu a graça com as décadas. No segundo, estréia do diretor no nusical (embora ele nem tenha dirigido o número mais famoso, "Diamonds Are a Girl's Best Friend"), ela segue no estereótipo da loira burra, mas com muito mais ironia: está brilhante, com "magnetismo animal" e tudo. E Jane Russell, longe de ser tão bonita, está ótima _mas, curiosamente, o momento em que ela brilha mais é justamente quando imita Marilyn.

    Marilyn, entoando belas canções, também é o principal motivo para assistir a "River of No Return", filme bastante simples de Otto Preminger (que ele fez como obrigação, sem muito interesse, experimentando a novidade CinemaScope _embora o diretor tenha dito que preferia o Panavision), com um final extremamente previsível _até porque dificilmente poderia ser de outra forma; é um belo roteiro, que me faz perguntar se "Marcas da Violência" não se inspirou nele de alguma forma. Bem mais discreta, séria e muito menos glamourosa ou estereotipada é como ela surge em "Clash by Night", peça de Clifford Odets que Fritz Lang adapta _mas o romance não parece ser o território do alemão de monóculo (King Vidor também não está em seus melhores dias retratando um triângulo amoroso em "RubyGentry"). De Lang, o destaque mesmo foi o policial "The Big Heat", filmaço que já começa com um homem dando um tiro na fuça e termina com um muito antecipado pega-pra-capar entre Glenn Ford e Lee Marvin! E ainda temos Gloria Grahame num papel inesquecível, além de participações pequenas mas marcantes de Jocelyn Brando (a bela irmã mais velha do Marlon, em um de seus primeiros papéis), Dorothy Green (em seu filme de estréia) e Alexander Scourby. E também voltei a "Rancho Notorious", western amargo que evita qualquer tipo de final feliz (afinal, é uma história de "ódio, assassinato e vingança", como insiste em dizer a canção que narra o filme _e nos conta o final, sem mostrá-lo) e traz um elenco fantástico (um Jack Elam bem jovem, um Mel Ferrer em início de carreira, George Reeves _que ficaria imortalizado com o Super-Homem_ esbanjando carisma e Arthur Kennedy, de "The Lusty Men", como protagonista). Mas é claro que as atenções são atraídas sempre para Marlene Dietrich _que tem em comum com a Marilyn este magnetismo raro: sempre que está em quadro, fica impossível olhar para outra coisa.

    Aliás, os westerns também estão em grande fase, nesta época. Uma das boas surpresas que tive foi "Silver Lode", de Allan Dwan: curto, seco, ritmado e criativo, com um protagonista enrascado, um vilão desprezível (cortesia de Dan Duryea), uma ótima coadjuvante feminina (Dolores Moran, em seu último filme), uma bela trilha sonora e uma câmera esperta, além de boas cenas de ação. E fica mais interessante ainda quando se faz um paralelo deste filme com o mccarthismo, que corria à solta na época _não por acaso, o nome do vilão neste filme é McCarty. Muito menos convencional, mas também excelente, é "Track of the Cat", produção de John Wayne em que William A. Wellman adapta mais um romance de Walter Van Tilburg Clark (o mesmo autor de "The Ox-Bow Incident"), mostrando um belo domínio do CinemaScope. A princípio parece que o filme será uma espécie de "Moby Dick", mas logo se torna algo muito mais impressionante: um drama familiar muitíssimo bem construído, com destaque para a atuação de Beulah Bondi.

    Anthony Mann, em "The Naked Spur", nos traz um filme sustentado num grande elenco de quatro atores e uma atriz: Robert Ryan rouba o show como o vilão, e Millard Mitchell, em seu penúltimo filme, também está excepcional. É um curto filme de ação sem muitas pausas, o que não quer dizer que o drama não esteja bem desenhado. Mas o filme se engrandece mesmo no final cheio de moral. Mais antiquado, mas também excelente, é John Ford em "The Sun Shines Bright", no qual ele retorna ao Juiz Priest (agora com Charles Winninger no papel que foi de Will Rogers no filme de 1934, do qual gostei menos), entrelaçando três contos de Irvin S. Cobb; novamente a mistura de humor, sentimentalismo e patriotismo, mas sem babaquice. Em "The Stranger Wore a Gun", Andre de Toth novamente vai de Randolph Scott e de 3-D (e dá-lhe personagens atirando coisas em nossa direção); o roteiro é meio confuso, e a ação também não é das melhores, mas o elenco é bom: além de Lee Marvin e Ernest Borgnine, ambos em início de carreira, temos um ótimo Alfonso Bedoya como caricatura de mexicano.

    E que decepção foi o tão falado "Shane" (que aqui recebeu o estúpido título "Os Brutos Também Amam")! Só consegui me entusiasmar nos últimos dez minutos _mas me parece que este filme sempre foi carregado pelo seu ótimo final (embora a cena da morte de Elisha Cook Jr. também não seja de se jogar fora). A princípio Alan Ladd parece limpinho demais para o papel, mas ao final fica difícil imaginar Montgomery Clift em seu lugar, como era o plano original. A participação de Jack Palance é pequena, mas marcante; Jean Arthur, em seu último filme, não está bem, mas aparenta bem menos que os seus mais de 50 anos, à época; o garoto, Brandon de Wilde, entrou para a história com este papel _ele morreria num acidente de carro aos 30 anos. E na contramão da tragicidade do gênero, FrankTashlin nos traz Bob Hope e Jane Russell numa muito boa mistura de comédia e erotismo em "Son of Paleface", seqüência de "O Valente Treme-Treme" _é também um dos últimos filmes do megacaubói Roy Rogers e de seu cavalo Trigger (que tem página no Imdb, com quase 90 filmes no currículo). As canções também são boas.

    Falando em canções, o musical também está com tudo. A Metro nos deu um bom musical inspirado em "A Megera Domada" em "Kiss Me Kate", dirigido por George Sidney e estrelado por um elenco fabuloso: Kathryn Grayson, Howard Keel e, em especial, Ann Miller (Bob Fosse faz um papel pequeno). O problema é o desequilíbrio entre as cenas musicais, fantásticas (e o fato de as canções serem de Cole Porter _que, curiosamente, é interpretado por um ator no filme_ não é um detalhe), e o resto, bem fraco. Novamente, percebe-se que foi feito em 3-D, porque os atores passam o tempo todo jogando coisas em direção à câmera. Muito melhor, embora com canções menos marcantes, é "The Band Wagon", filme bastante irônico e inteligente de Vincente Minnelli: com um fiapo de roteiro, ele dá um jeito de fazer o que realmente interessa, os números musicais; é difícil destacar um, mas o dos trigêmeos é simples e sensacional (outro momento forte é o passeio pelo parque, no qual Astaire e Cyd Charisse apenas dançam, sem diálogos _e que João Moreira Salles destaca em "Santiago"). O elenco está excelente, com destaque para a Nanette Fabray, um poço de carisma. E a cena da primeira aparição de Charisse, dançando balé, é dessas belezas que merecem ser eternizadas em filme. Aqui no Brasil, foi chamado, sei lá o porquê, de "A Roda da Fortuna" (título mais adequado para o "Rancho Notorius").

    Na seara do drama (embora este primeiro também seja um musical), o grande destaque foi "A Star Is Born", remake do filme de William A. Wellman de 1937: é o primeiro filme colorido de George Cukor (também sua primeira experiência com o musical), cujas três horas passam voando; os trechos restaurados com stills de cenas que se perderam nem parecem um remendo. A produção toda é de um capricho exemplar, as cenas musicais são excelentes (embora eu não seja um grande fã da Judy Garland como cantora). O enredo, ótimo, caminha sem sobressaltos e é irrepreensivelmente apresentado, mas James Mason está longe de seus melhores dias; vários atores recusaram o papel, inicialmente oferecido a Bogart, que aparece no muito inferior "The Barefoot Contessa". Neste, não consigo gostar das numerosas e longas cenas com narração e sem som direto, ainda mais prejudicadas por uns travellings irritantes; o filme melhora quando o drama domina, e ainda mais quando há montagem: de longe, a melhor cena está bem no início, quando não vemos a Maria Vargas de Ava Gardner dançando. Bogart fica estranho em cores, e Valentina Cortese não está tão bonita quanto em "Thieves' Highway". Dizem que a protagonista foi inspirada em Rita Hayworth (convidada para o papel), mas é engraçado como a história da estrela de cinema que se torna parte da nobreza européia acabou sendo desempenhada na vida real por Grace Kelly. Voltando a Cukor, "The Marrying Kind" é um belo e impressionante filme: a princípio é muito estranho, com longos flashbacks sem som (a não ser a narração _mas aqui funciona, diferentemente do filme de Joseph L. Mankiewicz), mas não demora a agarrar a atenção, seja pelo crescente aumento da seriedade do filme como pela mise-en-scène fantástica (a seqüência do sonho do protagonista é antológica). Aldo Ray (em seu primeiro papel de destaque) e Judy Holliday (outra atriz que trabalhou pouco e morreu cedo) estão excelentes. As crianças, Christopher Olsen (que interpretaria o filho do casal protagonista em "O Homem Que Sabia Demais") e Susan Hallaran, também estão ótimas.

    Partindo para produções menores em tamanho, mas não necessariamente em qualidade: "The Narrow Margin" é um eficientíssimo "suspense de trem", de baixíssimo orçamento e feito em menos de duas semanas por Richard Fleischer; belo noir, que dá de dez a zero em "The Tall Target", do Anthony Mann. Charles McGraw não deixa de ser caricato como o tira durão (não que isto seja exatamente ruim), e Marie Windsor rouba o filme, bancando a mulher-de-malandro-chave-de-cadeia. Outra pérola esquecida é "Park Row", no qual Samuel Fuller, nos papéis de produtor, diretor e roteirista, aborda um tema que ele conhecia bem e que me diz bastante respeito, o jornalismo. O filme é bastante ingênuo em vários momentos, e os eventos se conectam de uma maneira bem pouco naturalista, mas isto pouco importa: é obviamente um projeto apaixonado, com uma câmera ágil e selvagem _Fuller filmava cenas de violência física como poucos. O destaque é Mary Welch, no primeiro de seus poucos filmes _casada com David White (o Larry, de "A Feiticeira"), morreu jovem, por complicações no parto.

    Também direto ao ponto é onde vai Ida Lupino, que dirige e escreve "The Hitch-Hiker", um thriller simples: um assassino em fuga pede carona a dois pescadores e os seqüestra, obrigando-os a ajudá-lo a fugir, sempre sob a ameaça da morte. Curto e baratíssimo, mas não chega aos pés de outras produções B, como algumas dirigidas por Jacques Tourneur ou Joseph H. Lewis. Um pouco melhor é "99 River Street", noir de Phil Karlson estrelado por John Payne no típico papel de durão _mas, em vez de uma história de detetive, sua personagem é um boxeador (as cenas de luta no princípio parecem ter influenciado Scorsese em "Raging Bull") derrotado que dirige um táxi e tem de se acertar com sua mulher (que também não é exatamente uma mulher fatal).

    Em "Anatahan", seu penúltimo filme (que ele escreve, produz, dirige e ainda faz a narração), Sternberg vai ao Japão, adaptando um livro que contava a história real de um grupo de marinheiros que, no final da Segunda Guerra, naufraga em uma ilha, onde encontram apenas um casal _obviamente, a disputa pela mulher e a degeneração da civilização em violência são caminhos óbvios. A narração (que traduz para o inglês as falas dos atores japoneses) dá um clima de documentário a esta produção pouco luxuosa, ainda mais porque Sternberg não assume arbitrariamente um ponto de vista, mas tenta ser fiel aos fatos conhecidos e deixa bem claro quando os fatos não são claros _é bastante curioso. Curioso também é "House of Wax", sucesso gigantesco que acabou transformando o refinado galã Vincent Price em uma estrela de horror: divertidíssimo e com uma premissa excelente, peca pelo roteiro fraco. Charles Bronson (ainda usando o sobrenome Buchinsky), em começo de carreira, interpreta um surdo-mudo.

    Indo de vez para o Japão, parada quase obrigatória, vamos ao segundo filme que eu vejo do prolífico Teinosuke Kinugasa, diretor de mais de 100 filmes. Eu achei que "Jigokumon" (o título em inglês é "Gate of Hell", se não me engano) seria um épico de guerra, mas é um melodrama sobre um samurai que se apaixona por uma mulher casada. Chamam a atenção o colorido do filme, a música e a beleza exótica de Machiko Kyô, que também magnetiza a tela em "Ugetsu Monogatari", de Mizoguchi, chamado por aqui de "Contos da Lua Vaga": é de se destacar a crueza com que a crueldade bestial em tempos de guerra (apenas oito anos após a humilhante derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial) é mostrada: presenciamos assassinatos, roubos, estupros e todo tipo de selvageria, permeada pela ganância, luxúria e covardia. Mas não é meu preferido do diretor. E voltamos a mais um drama familiar de Yasujiro Ozu: "Tôkyô Monogatari" volta a abordar o conflito de gerações, a passagem do tempo, a morte, com o elenco que já conhecemos: Chishu Ryu, Setsuko Hara, Kuniko Miyake etc. Achei que seria a obra-prima dele, mas ainda fico com "Meninos de Tóquio", aparentemente imbatível. Alguém filma interiores melhor do que Ozu?

    ***

    Para encerrar, duas temporadas de séries vistas no período: a segunda de "Dexter" é imensamente inferior à primeira, que é excelente (mal deu para notar que uma das crianças é interpretada por um ator diferente). Vamos ver o que a próxima temporada nos aguarda, porque houve muitas mudanças, embora um gancho bem mal-ajambrado tenha sido colocado. Mas é impressionante mesmo como caiu a qualidade dos roteiros. E a primeira temporada de "Damages", mais um thriller no estilo "nada-é-o-que-parece" do que um drama de advocacia estrelado por uma sempre boa Glenn Close (com Ted Danson como vilão), termina pior do que começa _como a vida, por sinal. Valeu, já volto.

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