A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, dezembro 28, 2007

    Começando pelo fim: feliz 2008!

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    Michel Simões escreveu sobre "A Volta do Regresso" aqui. Agradeço imensamente a atenção e lamento que o filme tenha sido visto (entre muitas outras pessoas _a sessão lotou_, pelo grande Ênio Gonçalves, cuja brilhante presença no projeto muito me honra) em condições tão ruins, já que o som esteve quase inaudível, por culpa da sala. Foi muito estranho a curadoria da 21ª Mostra do Audiovisual Paulista ter colocado meu filme em uma sessão com vídeos; ficou claro que houve a opção de colocar as comédias numa mesma sessão, o que corrobora o preconceito sofrido pelo gênero. Mas o que queria comentar é a primeira impressão do Michel, que, a julgar por seu texto, enxergou o filme mais como um drama _o que é muito interessante, embora a minha abordagem tenha sido outra.

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    Conversando justamente sobre estes preconceitos de gênero com Carlo Mossy, ao voltar do Festival de Brasília, ouvi dele casos inacreditáveis e revoltantes, que dão uma idéia da medida da ignorância, da maldade e da covardia de muita gente que faz parte desta coisa estranha, ridiculamente chamada de "meio artístico". Vendo um dos seis DVDs que o Mossy lançou recentemente, "Essa Gostosa Brincadeira a Dois", de 1974, fica mais acentuada a estranheza em relação à pouca valorização que se dá a este tipo de produção: o filme não se enquadra no rótulo pejorativo (mas assumido pelo Mossy numa boa) "pornochanchada", já que se trata de uma comédia romântica com toques de "The Graduate" (há, sim, nudez, a destacar as de Vera Fischer e Tereza Trautman). Também é muito bem produzido, com uma quantidade imensa de locações (no Rio e em Salvador), uma trilha sonora original caprichadíssima (completada por alguns sucessos do momento que hoje são clássicos do rock, como Deep Purple e Emerson, Lake and Palmer) um grande elenco, encabeçado pelo casal protagonista, Mossy (também produtor) e Dilma Lóes (também co-roteirista, ex-mulher do diretor Victor di Mello e com a mãe Lídia Mattos interpretando a mãe de sua personagem), ambos esbanjando carisma e energia num filme que irradia juventude (naquele contexto, um tanto de hippismo) e alto astral (tem até participação especial do Chacrinha _curiosamente citado em "A Volta do Regresso"), mas que também apresenta um surpreendente contraponto socioeconômico. A equipe técnica também traz algumas feras, como José Rosa (que dividiu com o Barretão a fotografia de "Vidas Secas") e Raimundo Higino (montador de vários filmes dos Trapalhões, do Antonio Calmon, do Neville etc., incluindo "Dona Flor e seus Dois Maridos"). E, mesmo assim, tudo parece bastante descompromissado (o filme é despretensiosíssimo), dá a impressão de que a equipe mais se divertiu do que trabalhou. De quebra, um final delirantemente lindo e incrivelmente romântico.

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    Lynch é lógico, embora algumas peças dos quebra-cabeças que nos oferece sejam difíceis de encaixar (ou talvez nem todas se encaixem). "Inland Empire" não traz exatamente surpresas, a não ser a da maior duração (algo que ele sempre quis fazer, mas teria invariavelmente dado de cara com a resistência dos produtores), que permite um mergulho mais longo no devaneio que surge após um início bastante linear. Senti que o estilo dele começa a cansar, embora várias seqüências sejam fascinantes (mas mesmo algumas das melhores, como a que toca "The Locomotion", têm cheiro de déjà vu), e os diálogos, ótimos. Gostei e me decepcionei ao mesmo tempo; curiosamente, tenho pouca vontade de revê-lo, no momento. Laura Dern é a atriz do ano?

    Após ter visto quase toda a série da TV, finalmente vejo "Antônia, o Filme". Bem decepcionante, embora o quarteto protagonista (ou nem tanto, já que as personagens de Negra Li e Leilah Moreno tenham muito mais destaque, e principalmente Quelinah mal aparece) transborde carisma. Há alguns pequenos momentos mágicos que valem o filme, invariavelmente ligados à música: as apresentações das heroínas, Sandra de Sá cantando um hino evangélico, Thaíde tocando "Na Sombra de uma Árvore", de Hyldon, para Negra Li, em frente a um carrinho de cachorro-quente. É alguma coisa, mas ainda é pouco. A parte técnica é sofrível (som e fotografia são desastrosos), assim como algumas atuações de coadjuvantes. O projeto todo é muito simpático, mas ficou melhor no formato televisivo, mais curto e com roteiros e direção superiores.

    Outros filmes da década atual que vi no período: em "Smokin' Aces", Joe Carnahan, (mais conhecido por um filme não muito memorável chamado "Narc" _ele também vai adaptar "Jazz Branco", do Ellroy, além de fazer um remake de "Bunny Lake Is Missing", do Preminger) resolveu brincar de Guy Ritchie e fazer um filme repleto de personagens (algumas muito estranhas, como os Irmãos Tremor e o garotinho invocado que fica de pau duro quando ameaça estranhos com golpes de caratê), numa trama em que muita coisa dá para adivinhar, mas um segredinho fica para última hora. O filme é razoável (com alguns momentos muito bons, entre eles a cena em que Jeremy Piven, ótimo, coloca as lentes de contato), e a surpresa mais agradável que ele nos guarda é a boa atuação da Alicia Keys (muito mais biscoituda do que em seus clipes). Já "Paprika", de Satoshi Kon, é outra decepção: após o belo auto de Natal "Tokyo Godfathers", ele vem com um anime infinitamente mais convencional e menos interessante. As referências a "Sonhos", do Kurosawa, são bem óbvias e compreensíveis. Mas uma bela supresa foi "Little Children", de Todd Field (mais conhecido como o pianista da suruba em "Eyes Wide Shut"): é mais um "drama de subúrbio norte-americano" (muito mais sério do que "Beleza Americana" ou "Desperate Housewives"). Embora bastante previsível, há momentos a destacar (como Jennifer Connelly reparando na breguice do esmalte das unhas dos pés de Kate Winslet). A narração, este artifício tão criticado (como se "literatura no cinema" fosse uma pobreza _e o paralelo com "Madame Bovary" se sustenta, embora seja outra obviedade) funciona muito bem.

    E antes de partir para as velharias que aparentemente não geram muito interesse, encaixo aqui a primeira temporada da série "Californication", devidamente processada pelos Red Hot Chili Peppers: é mais convencional do que eu pensava (bem, é criação de um ex-roteirista e produtor de "Dawson's Creek"...), embora o protagonista seja divertido (e pouco crível _mas com umas falas ótimas). O tema musical da abertura é muito bom, e os melhores episódios são os que apresentam nudez feminina (por que será?) _inclusive o de uma atriz que era uma das crianças da série "The Nanny". Desconfio se a segunda temporada vai manter o pique, dado o final da primeira... E quando eu finalmente penso que o ótimo David Duchovny está livre da sombra de "Arquivo X" (série que não vi, por sinal), fico sabendo que ele volta a interpretar Fox Mulder num segundo longa...

    Para finalizar este trecho: também vi a quinta temporada dos Simpsons (1993-1994), em DVD. Como diz o Mr. Burns: "Excellent!". Uma temporada memorável, excepcional.

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    Num período meio fraco de filmes (inclusive em quantidade, já que tenho chegado do trabalho de madrugada), o destaque foi mais um longa bem atípico de um diretor fascinante, Jacques Tourneur: "Stars in My Crown" é um western estrelado por Joel McCrea e Dean Stockwell (já com anos de carreira, embora ainda criança) que, hoje, pode soar um tanto datado, mas na época deve ter sido razoavelmente inovador, por deixar a apologia da violência de lado e investir num embate cordial entre a fé e a ciência. O final é um primor. Já "Broken Arrow", de Delmer Daves, com James Stewart, me pareceu uma espécie de precursor de "Dança com Lobos" _pelo menos no que tange a representação simpática dos Apaches.

    "The Sound of Fury", de Cy Endfield (um dos denunciados como comunistas em Hollywood, teve de se exilar na Inglaterra), também chamado de "Try and Get Me", foi inspirado numa história real (que também teria inspirado "Fury", do Fritz Lang). de baixo orçamento, impressiona mais por alternar formas mais antigas (sucessão de closes a la Eisenstein) e "modernas" (câmera na mão), com alguns momentos muito fortes (o início) e outros bastante melodramáticos (em grande parte devido a Frank Lovejoy, que vivia fazendo papel de PM e que não é exatamente um primor de sutileza). Lloyd Bridges é o psicopata da vez. E "The Day the Earth Stood Still", de Robert Wise, um delicioso clássico da Guerra Fria (com direito a jornalistas famosos interpretando a si mesmos), sedimentou toda a estética dos pulps de sci-fi no cinema, muito imitada (com referências até em filmes de outros gêneros, como o "Army of Darkness" do Raimi, que cita a frase "Klaatu barada nikto", e até uma capa de um disco de Ringo Starr, além da canção do Raul Seixas que me lembra o trânsito paulistano). As cenas com efeitos visuais funcionam muito bem, e a trilha sonora de Bernard Herrmann (com direito a dois theremins) é brilhante. Uma pena que Klaatu não pôde ser interpretado pelo Claude Rains (prefiro ele a Spencer Tracy, também considerado para o papel). E "Alice in Wonderland", que trouxe a era do ácido lisérgico mais cedo, nesta adaptação das obras de Lewis Carroll (que, curiosamente, nunca li). O filme é uma viagem, literalmente _não sei se me surpreendo por ter sido um fracasso de bilheteria, embora hoje seja um clássico. A cena das flores é a minha preferida (também gosto demais do Chapeleiro Louco e do Coelho Branco), e Alice é talvez a protagonista mais bonita da Disney.

    De resto, quero apenas citar rapidamente outros filmes, alguns bem melhores do que outros: "The Gunfighter", de Henry King, com Gregory Peck, usa brilhantemente a montagem paralela e o espaço para construir suspense e tensão em altos níveis, mas também tem seus momentos românticos e bem-humorados. "D.O.A.", de Rudolph Maté (que trabalhou como diretor de fotografia para Dreyer, Hitchcock, Welles etc.), com uma seqüência inicial ótima e uma premissa idem, a de um homem que foi assassinado, porém vive; pena que Edmond O'Brien esteja péssimo; quem rouba a cena mesmo é Neville Brand, praticamente em seu filme de estréia, como o psicopata Chester _e há uma cena muito boa com um grupo de jazz. "Where the Sidewalk Ends", escrito por Ben Hecht e dirigido por Otto Preminger, traz Dana Andrews e Gene Tierney (que haviam trabalhado sob a batuta do diretor no superior "Laura"), além de Karl Malden, um desses coadjuvantes que sempre chamam a atenção. Vi também "Dark City", o quarto dos quatro filmes que William Dieterle dirigiu em 1950 (bons tempos aqueles?), é um dos primeiros trabalhos de Charlton Heston, num filme que mistura os gêneros noir (Lizabeth Scott é quase um clone de Lauren Bacall), suspense (muito bom o anel que caracteriza o assassino) e o melodrama familiar, com um final bem estranho. "The Steel Helmet", de Samuel Fuller, tem orçamento baixíssimo, mas ótimas sacadas (como a mão da estátua de Buda segurando o saquinho de transfusão de sangue), além de um ótimo Richard Loo. "Lady in the Lake", de Robert Montgomery, realiza uma idéia que não era nova: a de fazer um filme quase todo com câmera subjetiva. O resultado é estranho, bem inferior ao que Delmer Daves atingiu em "Dark Passage". "The Set-Up", de Robert Wise, caiu na revisão: pareceu pobre, óbvio, sem grandes inovações, embora longe de desprezível. E "Criss Cross", de Robert Siodmak, revela-se uma decepção; a curiosidade-mor é uma aparição-relâmpago de Tony Curtis, em um de seus primeiros filmes.

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