A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sexta-feira, julho 06, 2007

    Sempre fui muito crítico comigo mesmo _é uma maldição. Mas tentar analisar algo que você fez é especialmente complicado não apenas pela proximidade (que impede uma visão mais ampla e isenta) e pelo envolvimento emocional com a obra, mas porque é difícil vê-la somente pelo que ela é; "o que ela poderia ter sido" (algo que poucos _ou ninguém_ podem saber) se torna muito importante, incontornável. Acho conveniente desconfiar da opinião dos artistas sobre suas próprias obras.

    Dias atrás, no Cinesesc, ocorreu a segunda exibição pública do "Das Faces e Sombras" (numa versão ainda não-definitiva), um dos dois (e o primeiro a ser realizado) projetos do Vebis premiados em São Bernardo. Minha participação se resumiu à montagem _recebi o material bruto sem ter lido uma sinopse ou pisado nos sets, totalmente às cegas. Tanto neste quanto no "Nas Duas Almas" (o outro vídeo), o processo foi o mesmo: o diretor me passou o roteiro e as decupagens das fitas, com indicações dos trechos que ele preferia (quanto a estas últimas, confesso que não me guiei exclusivamente por elas). Não havia claquete nem numeração de planos (totalmente diferente do meu modo de trabalhar, minuciosa e virginianamente organizado _não lembro se já comentei aqui, mas a diferença de tempo entre a minutagem do roteiro de "A Volta do Regresso" e o primeiro corte do filme foi de apenas 5 segundos, o que inclusive me surpreendeu); eu tinha de assistir às fitas de olho no roteiro (no qual cenas foram descartadas e outras não existiam), literalmente montando aquele filme na minha cabeça, tentando dar um sentido àquelas imagens e sons. Como o roteiro não foi muito seguido nos dois filmes (o improviso em ambos foi gigantesco, tanto do elenco como do diretor, que fez o que pôde com a dificuldade inerente à profissão), achei o processo bastante caótico e imprevisível _o que dificulta ainda mais minha reflexão a respeito desta experiência.

    A luz no fim do túnel foi providenciada pelos atores. Neste vídeo em questão, considero especialmente importante a participação da Ana Paula Grande, que interpreta a Madalena (personagem concebida para ser a vilã do filme, cujo machismo e misoginia, inegáveis, inicialmente me assustaram _muito diferente do "Nas Duas Almas", muito mais sensível e emocionado, embora contenha a violência física ausente no outro), seguida do Marcelo Nascimento, que interpreta Maurício. Tentei, ao mesmo tempo, selecionar os melhores momentos de todos os atores e costurar a cena dentro de uma estrutura dramática; por causa disto, alguns cortes (especialmente os feitos em meio a planos muito parecidos, que o Vebis chama de "godardianos" e que também funcionam como tentativa de resumir a ação, descartando trechos irrelevantes) me deixam especialmente incomodado, mas creio que o "mal menor" foi escolhido.

    Também sigo com a impressão de que algumas cenas estão mais longas do que deveriam, e senti que o curta/média de 21 minutos cansou parte do público. E também me incomodam um pouco partes da finalização de imagem (cores e brilhos estranhos _mas não sei se concordo com a sugestão de Carlos Reichenbach: adotar um preto-e-branco a la Jarmusch) e de som (sinto que muito se perdeu com a dublagem, perceptível, de algumas cenas). Mas é claro que o balanço é positivo, pela experiência e, claro, pela remuneração (acho feio quem acha bonito trabalhar de graça, com exceção óbvia do voluntariado); agradeço ao Vebis por ter me honrado com o convite, a confiança e a amizade (e gostaria muito que ele viabilizasse seu "Warriors" do ABC).

    Um parênteses irritante: para quem foi ao Cinesesc e ouviu o discurso introdutório do Vebis (e também para quem não esteve lá, já que a confusão parece ser mais comum do que eu pensava), preciso fazer uma correção: meu curta-metragem "A Volta do Regresso" (que o nosso amigo fã de "Star Wars" chamou de "O Retorno do Regresso" _fico muito feliz quando riem do título, minha reação foi a mesma quando li o nome da música num encarte de CD) NÃO É nem nunca foi uma "homenagem à pornochanchada" (embora eu goste do gênero), como foi dito na sessão. Creio que a confusão se estabelece por que parte significativa do elenco (Carlo Mossy, Ênio Gonçalves e Kate Hansen) atuou em pornochanchadas (mas não apenas nelas), mas trata-se de um filme contemporâneo (se é que se pode chamar assim algo escrito em 2003, início do governo Lula).

    ***

    Outra experiência que merece registro: vi, pela primeira vez (e também em exibição pública), um documentário para o qual dei entrevista (perdi as contas de quantas dei nos últimos 10 anos, mas foi a primeira para um filme); já sabia que não ia gostar (de mim na tela, não do filme), mas fiquei chocado por não me reconhecer. Há mais de um ano e meio, dei 1h30min de entrevista, e os obviamente poucos minutos que entraram geraram um retrato distorcido: algumas críticas que fiz aparecem desacompanhadas do outro lado (eu ataquei certas coisas justamente porque estava defendendo outras), o que deu a impressão de que eu estava simplesmente sendo maledicente; na época, talvez a depressão causada pelos rumos que a pré-produção de "A Volta do Regresso" estava tomando tenha colaborado para aumentar a falsa impressão; e, para piorar, fui filmado em contra-plongée... Observou-se também que, por eu ter sido o primeiro entrevistado do filme e, principalmente, ter sido o único que foi filmado em sua casa, estes fatores teriam colaborado para tais distorções (não sei a respeito disto, mas é possível). Este comentário não tem nada a ver com o propósito do filme, mas com meu choque ao ver um desconhecido com meu rosto e minha voz passando uma imagem bastante errônea a meu respeito _algo que terei de digerir; não sei o que vou pensar quando rever o filme.

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    A confecção do ranking do primeiro semestre de 2007 para a "Liga dos Blogues Cinematográficos", composto dos 10 melhores e dos 5 piores, revelou um quadro deprimente por um lado e positivo por outro: não vi sequer 15 lançamentos cinematográficos neste ano (além de não ter conseguido preencher a lista, alguns dos filmes citados foram vistos no ano passado ou em DVD _ou seja, as idas para o cinema estão escassas). Se por um lado obviamente é chato não acompanhar os lançamentos nos cinemas, por outro o meu nível de exigência aumentou a ponto de eu não mais ir a uma sala por mero impulso (lembrando que me recuso a ir às cabines sem obrigação profissional, levo a sério este tipo de coisa). Creio que meu tempo está sendo melhor empregado.

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    En passant, vamos lá: o enredo incrivelmente boboca de "Lonesome" (que o diretor húngaro Pál Fejös filmou em Coney Island, em 1928, assinando como Paul Fejos) dava para um curta de 10 min., e não os seus 63 min.; mas a construção imagética (abusando das fusões) é tão fantástica que o filme acaba sendo ótimo. Chama a atenção também a obsessão pelos parques de diversões (que aparecem em vários outros filmes do período). Inventividade com a câmera (deve ter sido sensacional vê-lo no cinema, à época) também é a marca de "La Glace À Trois Faces" (1927), do Jean Epstein, imediatamente anterior a seu mais conhecido "A Queda da Casa de Usher". Desafiador para quem ainda não está muito acostumado com peripécias com o tempo da narrativa (também é interessante, neste sentido, "La Signora de Tutti", que Öphuls filmou na Itália em 1934: há flashbacks dentro de flashbacks...). A beleza das imagens, aliada a seu registro documental altamente poético, também é o destaque em "Entuziazm: Simfoniya Donbassa" (1931), de Vertov (a cena em que a igreja é destruída é uma pérola), mas o filme derrapa ao não romper muito os limites com a propaganda política.

    Sternberg parece ter agarrado o espírito dos filmes sonoros de cara: seu "Thunderbolt" (1929), estrelado por George Bancroft e Fay Wray (de "King Kong") é impressionante pela qualidade da interpretação dos atores face à recente presença dos microfones. Não sei se posso dizer o mesmo de Victor Fleming; seu "Bombshell" (1933), estrelado por Jean Harlow, traz uma falação infernal, irritante, dando a esta comédia de uma piada só (ótima, ao final) um clima histérico, estridente e um tanto vulgar (talvez "mérito" de sua protagonista, à época com 22 aninhos). Quanto a Ozu, que tem "Filho Único" (1936 _foi só neste ano que a Shochiku instalou seu sistema de gravação de som) como seu primeiro filme com som sincronizado, a novidade aparentemente não causa grandes alterações em sua obra, que continua sendo universal, agridoce e devastadora.

    ***

    Já falei e repeti que prefiro as comédias não-musicais do Lubitsch e que não vou mesmo com a cara do Chevalier (feio, mau cantor, sem muita graça); tanto em "One Hour with You" (aqui tendo George Cukor como assistente) quanto "The Merry Widow" (bastante diferente e muito pior do que o filme que Ströheim, baseado na mesma opereta, fez 9 anos antes) me parecem filmes menores, nos quais obviamente há bons momentos. Muito da graça vem da safadeza (se tivesse nudez, seria uma pornochanchada) característica do diretor. Surpresa mesmo é "Broken Lullaby" (1932), o único melodrama dele que vi: adaptação teatral também conhecida por "The Man I Killed" e estrelada por Lionel Barrymore, está na categoria de filmes pacifistas, na linha do "All Quiet on the Western Front"; um tanto exagerado, mas muito bonito (especialmente no final, que justifica o título). É interessante ver o berlinense Lubitsch abordando as terríveis feridas da Primeira Guerra _e, de certa forma, prevendo um novo conflito, antes mesmo da chegada de Hitler ao poder.

    Voltando aos musicais: dizem que "Show Boat" (1936) era o filme de que James Whale mais se orgulhava, apesar de ser mais conhecido pelas fitas de terror. Mas, com exceção da seqüência de "Ol' Man River", não vi nada muito memorável (certamente bem envelhecido; há pelo menos outras duas adaptações deste espetáculo da Broadway, ainda não as vi). E, mesmo após ter visto "The Gay Divorcee" (1934), considerados por muitos o melhor filme (é o segundo) estrelado por Fred Astaire e Ginger Rogers, com números clássicos como "Night and Day" e "The Continental", sigo com a máxima: troco todos os filmes que o Astaire fez por "Cantando na Chuva" ou "Duas Garotas Românticas"; Gene Kelly é simplesmente insuperável.

    Fechando este capítulo: "Rock'n'Roll High School" (1979), filme de Allan Arkush (que há mais de 20 anos se dedica à TV _atualmente é diretor da série "Heroes") com argumento de Joe Dante e produção de Roger Corman, foi uma surpresa muito agradável (porque eu, fã dos Ramones desde criança _ninguém me tira a alegria de tê-los visto ao vivo quando adolescente e de tê-los entrevistado_, sempre achei que fosse um mero trash). Ao final, a ocupação que os estudantes realizam na escola, deixando a diretora e a polícia negociando a retirada do lado de fora, parece até reportagem sobre a reitoria da USP... O filme também me lembrou da rádio que fundei no meu colégio (chamava-se "Cérbero"), aos 15 anos, e a inaugurei justamente com Ramones: lembro claramente da mesma cena, os alunos dançando rock no pátio... Claro que não sinto saudades.

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    Caiu na minha mão (empréstimo de uma amiga, repórter de "O Globo") a caixa com 5 dos 6 filmes da série "A Pantera Cor-de-Rosa" (difícil entender o critério da seleção, já que a picaretagem lançada dois anos após a morte de Sellers, surpreendente apenas por trazer nudez feminina, está lá). Há uma grande distância entre os filmes dos anos 60 e dos 70: primeiramente, Clouseau era bem mais contido (inclusive no sotaque e nos disfarces). Dentre todos, meus preferidos são "A Shot in the Dark" (o único que não traz nenhuma referência à Pantera _o personagem animado, não o diamante do filme original) e "The Pink Panther Strikes Again" (sátira a James Bond que se segura mesmo tendo 20 minutos cortados); em ambos, ouso dizer que Herbert Lom, como Dreyfus, rouba todas as cenas em que aparece, ofuscando inclusive Sellers. A trilha de Mancini faz muita diferença. Alguns episódios da série de animação de Friz Freleng lembram dos anos 80, quando o SBT os exibia como tapa-buraco na programação, enquanto a novela das 20h da Globo não acabava, mas também lembram que gênio da animação é mesmo o Tex Avery _isn't it?

    Falando em gênio, só poderia ter saído coisa boa quando Sam Peckinpah e Steve McQueen resolveram brincar de Raoul Walsh e Humphrey Bogart e fazer o seu "High Sierra", batizado como "The Getaway" (1972). O filme surpreende não apenas pela doçura do diretor (quem presta atenção somente na violência está perdendo muita coisa _inclusive a presença maciça de crianças), mas por, especialmente no início, abusar dos flashbacks e flash-forwards _a seqüência inicial, na prisão, é simplesmente brilhante. A trilha sonora do Quincy Jones (o roteiro é do Walter Hill, Lucien Ballard e Roger Spottiswoode também estão na jogada etc.) é ótma.

    Chegando à atualidade, dois filmes razoáveis e duas tranqueiras: "A Day without a Mexican" é uma porcaria sem tamanho: raso, malfeito (aquela câmera na mão de um portador de Parkinson), ingênuo de dar dó e de um mau gosto terrível. "Stranger than Fiction" é outra mancha no currículo do Marc Forster; o roteirista simplesmente não se aprofunda em nenhum personagem, e tudo é muito explicadinho, verbalizadinho, mal filmado (e foto e direção de arte são feias) e com efeitos visuais bobocas. A melhor coisa, de longe, é a participação praticamente não-aproveitada da comediante Kristin Chenoweth, como Darlene Sunshine, apresentadora de um programa de literatura que nunca lê os livros dos escritores que entrevista (só dá para ver nos extras do DVD).

    Do outro lado, "A Scanner Darkly" não figura entre os melhores do Linklater: é uma comédia de humor negro que funciona melhor justamente quando é uma comédia de humor negro... O elenco está soberbo (as cenas que reúnem Keanu Reeves, Robert Downey Jr. e Woody Harrelson são fáceis as melhores), mas realmente não entendo muito o motivo da rotoscopia. Outra pequena decepção foi "Conceição: Autor Bom É Autor Morto", filme coletivo de alunos da UFF cujo trailer era extremamente animador. Entretando, o resultado não surpreende: pedaços de argumentos e idéias para filmes são unidos e misturados, quebrando as convenções do real e da ficção (é sensato agradecerem a meu querido Pirandello). O filme é hilário em seus melhores momentos e tem mulher pelada, mas não me entusiasmou a ponto de uma revisão... Antes da sessão passou um curta também da UFF, "Jonas e a Baleia": apesar de não ser hermético ou não-narrativo, é gélido, arranca de si mesmo toda emoção e acaba chateando; me fez lembrar daquela famosa entrevista do "Cahiers..." em que Orson Welles desanca o Antonioni... Mas a fotografia é muito bonita (sem sacanagem).

    ***

    Eu tinha dois pés atrás em relação a "Plantão Médico" (não gosto de hospitais e achei que o tema daria vazão a um novelão), mas, estimulado por "House" (da qual gostei menos, em comparação com esta _apesar de ter lido todo o Sherlock Holmes do Conan Doyle quando garoto), conferi as três primeiras temporadas (dentre as quais a primeira se sobressai). O piloto é impressionante a ponto de Spielberg, após tê-lo visto, ter se arrependido de não tornar em um longa a idéia do Crichton: a vida das personagens fica em segundo plano (eventualmente, no decorrer da série, é preciso um equilíbrio _até porque a repetição não demora a surgir) para termos um retrato aparentemente bastante acurado da profissão (nos EUA, claro). Neste caso, achei que algo se perde ao ser vista em DVD, sem os intervalos de tempo naturais da grade americana: a proximidade entre os episódios deixa mais claras as estratégias para dar longevidade à série (que existe até hoje, sem os protagonistas originais), como a aparição e sumiço (que, com o tempo, também se torna repetitivo) de personagens (com vários atores que se tornariam mais famosos depois, como Lucy Liu e Kirsten Dunst _tem até o Ewan McGregor num episódio atípico). A trilha sonora é ótima, e há um personagem extremamente forte e rico, o dr. Peter Benton do Eriq La Salle (mas sou suspeito para falar, achei-o bem parecido comigo).

    P.S. Já ia me esquecendo: parece que está rolando em tudo quanto é blog uma corrente em que alguém faz uma lista de 5 livros e indica 5 pessoas para publicar as suas listas; fui indicado para fazer a minha por Marcelo Carrard e Alê Marucci. Farei, em parte, jus à minha fama (?) de quebrador de correntes não passando a bola para ninguém; mas, apesar de detestar elaborar listas de qualquer tipo (inclusive de supermercado), não vou deixar os amigos sem resposta. Segue a pequena lista de 5 títulos, escolhida de uma perspectiva puramente emotiva (ou seja, envolve mais impacto do que qualquer outra coisa) e em ordem cronológica de leitura, deixando de fora autores que admiro imensamente:

    A Bíblia Sagrada
    Reinações de Narizinho
    Crime e Castigo
    Na Colônia Penal (e outras obras de Kafka)
    Em Busca do Tempo Perdido

    P. P. S. Falando em listas, confiram as de filmes brasileiros no site da revista Paisà e a de filmes "made in USA" no blog de Filipe Furtado.

    Um comentário:

    Anônimo disse...

    achei 'stranger than fiction' divertido e sensível, mas com um terrível final...
    mas assim, um Terrível final!
    mesmo assim, ainda gosto dele.

    Na platéia