A gruta é mais extensa do que a gruta

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    terça-feira, maio 31, 2005

    Mulheres e Luzes / Abismo de um Sonho / Os Boas-Vidas

    These chains of sorrow, they are heavy, it is true. And these locks cannot be broken, no, not with one thousand keys. Ai, que viadagem.

    Vendo um documentário sobre Pier Paolo Pasolini, no DVD de "O Evangelho Segundo S. Mateus", comentado aí embaixo, um entrevistado na rua elogia bastante o diretor. Aí o repórter pergunta: "E Fellini?". O transeunte abre um sorriso e fala algo como: "Fellini não é só o melhor da Itália, é o melhor do mundo!". Mas era mesmo?

    Não é de hoje que me impressiono com as semelhanças entre Itália e Brasil, não só no que tange o caráter dos dois povos (mas sou meio suspeito pra dizer, já que sou descendente de "carcamanos", com direito a olhos claros e tudo), mas, em especial, num certo tipo de cinema. Diante destes primeiros esforços de Federico Fellini na direção, datados do início dos anos 1950, fica bem evidente o modelo trazido para cá na mesma época, graças a um intenso intercâmbio (na verdade, mais de lá para cá do que o contrário) que rolou (vocês sabem, Franco Zampari, Adolfo Celi, a Vera Cruz etc.).

    Pois "Luci Del Varietà" (1950 _este dirigido em parceria com Alberto Lattuada) e "Lo Sceicco Bianco" (1952), principalmente, lembram bem de perto algumas de nossas então criticadíssimas chanchadas _inclusive na pobreza da produção, na falta de capricho dos enquadramentos, da montagem, da decupagem, da cenografia etc., adicionando a isto a extrema, quase patética, ingenuidade dos roteiros (intensificada por interpretações bastante caricatas, como a de Leopoldo Trieste no filme de 1952). Mas, apesar de todos estes problemas, é possível vislumbrar, com certa boa vontade, um prenúncio das obras maiores do diretor _à época, certamente bastante pressionado por questões comerciais, que impediam uma expressão autoral mais explícita.

    Nestas obras ainda embrionárias, o que se destaca mesmo como oásis de qualidade assegurada é a música (tanto as canções-chiclete apresentadas em "Mulheres..." quanto à primeira da série de trilhas de Nino Rota para as películas fellinianas em "Abismo...") e a sempre brilhante Giulietta Masina _em especial no primeiro filme (que registra também a estréia da carioca Vanja Orico, antes da consagração/rotulação com "O Cangaceiro"), como Melina Amour, onde ela pôde mostrar sua versatilidade como atriz dramática (sua expressão facial é absolutamente fantástica), antes de ser pasteurizada pelo sucesso a partir de Gelsomina; em "Abismo...", temos uma participação especial que marca a primeira aparição de Cabíria, a "puta com coração de ouro".

    Com "I Vitelloni" (1953), podemos notar um início de virada que se intensificaria em "La Strada" e em "Noites de Cabíria" (ainda não vi "A Trapaça", alguém conhece?) e que serviria de grande inspiração para cineastas como Martin Scorsese. A história de um jovem (Franco Interlenghi, revelado ainda menino por De Sica em "Sciuscià" e ativo até hoje) que sai de uma pequena cidade litorânea (a voz que se despede ao final é a de Fellini _Scorsese faria algo parecido ao dublar os pensamentos de Harvey Keitel em "Mean Streets") já serve como um primeiro alter ego do diretor, aqui em tom que fica mais para o dramático, embora o quinteto formado pelos boas-vidas do título esteja mais para o irreverente, mesmo. Pelo menos temos um aproveitamento melhor de Alberto Sordi, cujo carisma ficou meio embaçado em "Abismo...", e um Leopoldo Trieste menos bobão. Nada muito desprezível, mas ainda a anos-luz de gigantes como Visconti e Rossellini.

    P. S. Admiro a erudição de Peter Greenaway e seu claro desejo de fazer arte, e não meros produtos culturais. Só falta ele fazer grandes filmes. Após abandonar "Prospero's Books" e "O Livro de Cabeceira" pela metade, finalmente encarei uma de suas obras na totalidade, só porque se tratava de uma homenagem a Fellini. Mas "8 Mulheres ½" (1999) não cumpre exatamente o que promete (apesar de homenagear o cineasta italiano mais do que explicitamente _aliás, finalmente vi "8 ½", e me decepcionei tremendamente, embora saiba que ele vai melhorar na revisão); o falatório é insuportável, e a composição de imagens deixa a desejar (Wim Wenders e seu "Tokyo-Ga" humilham). Para piorar, é um filme extremamente pudico e gélido (mesmo a nudez de Toni Collette e de Polly Walker são cruelmente desperdiçadas), típico de gente que prefere falar a fazer. Chamem o Tinto Brass!

    P. P. S. OK, ando vendo bastante filmes, mas está difícil arranjar tempo e disposição para comentá-los aqui (tenho escrito algo no Multiply, também esporadicamente). Então vamos, rapidinho, dar uma pincelada sobre as últimas coisas que andei vendo no cinema:

    "Star Wars - Episódio 3 - A Vingança dos Sith - Eita Título Longo": é só mais um "Star Wars". Não há muito a dizer. Lucas não é um gênio, também não é um merda; simpatizo com o homem, no final das contas, mas o fanatismo excessivo dos "trekkers" (OK, sacanagem) é absolutamente ridículo, coisa de gente que não apanhou o suficiente na infância (será que eles também escutam Legião Urbana até hoje?).

    "Quanto Vale ou É por Quilo?": uma das frases que aparecem na tela poderia servir como título alternativo do filme, "A Denúncia como Negócio". Sérgio Bianchi diz que quer "provocar" ou coisa que o valha; para ele, no Brasil (quiçá no mundo inteiro), todo mundo é filho da puta. Só que ironia é uma coisa, perversidade, outra; não há muita graça no roto falando do esfarrapado. O que o diretor prova, por A + B, é que para ganhar dinheiro (dos Correios e de outrem), o lance é explorar pobres e negros, abusando da violência. Parabéns!

    "Bom Dia, Noite": Não tou nem aí se é de direita ou de esquerda. Quando até a breguice de botar Pink Floyd na trilha funciona, aí tem coisa. Ou melhor, talento. Chupa, Bruno Barreto!

    "A Vida Marítima de Steve Zissou": Não é maravilhoso, mas é maravilhoso, entendeu? Hilário, mas, principalmente, emocionante. "É tudo uma aventura."

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