Um trabalho menos estranho
Fui levado ao cinema no "horário mais nobre da estreia", domingo, no início da noite, para ver "Trabalhar Cansa", primeiro longa de Marco Dutra e Juliana Rojas. Na entrada da sala, no Shopping Metrô Santa Cruz, o cartaz trazia uma citação de um crítico estrangeiro que dizia que a obra era uma espécie de encontro entre "O Iluminado" de Kubrick e a obra de Vittorio de Sica. Ao entrar na sala, a exemplo do que ocorreu com outro filme brasileiro que vi em condições semelhantes, "Encarnação do Demônio", o ambiente estava tristemente vazio.O texto no cartaz havia reforçado a impressão que eu tive vendo o trailer (não me lembro se na internet ou antes de alguma outra sessão): tratava-se de um filme que abordava as relações de trabalho (dã, olha o título _ talvez uma referência ao livro de poesia de Cesare Pavese?), mas também adentrava com força no suspense, talvez até explorando o sobrenatural.
Mas, como também observou Inácio Araújo, a quem só fui ler depois de ter visto o filme, há uma hesitação em adentrar mais profundamente nesse mistério. Somos expostos a uma série de eventos sugestivos (o nariz sangrando _ ah, mas é o "tempo seco" _, o bezerro de duas cabeças, a coleira gigantesca, os produtos que desaparecem sem explicação, a parede apodrecendo _ lembra Edgar A. Poe _, a excelente sacada do Papai Noel ativado por movimento, etc., enquanto vários diálogos fazem referência aos antigos locatários do mercadinho, sobre quem persiste a obscuridade), mas nunca se avança muito. Há uma promessa que não é cumprida, e isso é triste. É um defeito sério (para mim, maior que quaisquer problemas de fotografia e som) de um bom filme, que poderia ter ficado muito melhor se o roteiro tivesse sido mais bem trabalhado (reescrever cansa?) ou se tivesse existido o almejo pela clareza, essa coisa tão difícil de alcançar no cinema (eu também já falhei neste quesito, mas não foi de propósito. Será que foi de propósito no filme da dupla?).
Como essa parte do fime é desprezada, resta o outro lado, o retrato do pesadelo da contemporaneidade, o mundo cão do mercado de trabalho. A classe média é explorada, mas também explora. A humilhante opressão econômica traz à tona o pior de todos. O filme é sufocante nesse sentido, com o único momento de triunfo para a personagem em situação de maior precariedade _ mas mesmo essa rara lufada de ar traz um cheiro podre. Fica uma combinação de medo e ódio diante de uma crueldade estapafúrdia. Passamos por isto (e a câmera do filme passou pela esquina da minha casa). Não tá fácil pra ninguém.
Para mim, apesar dessa pequena decepção, fica também a alegria de rever, na última cena (previsível e forte), o Eduardo Gomes (gostei também de todo o resto do elenco; ficam aqui meus parabéns para a Gilda Nomacce, premiada em Brasília), ator que estreou diante das câmeras comigo, no meu primeiro exercício de direção e montagem, lá em 2004 ("holy shit, it's the 21st century!"). Recentemente também vi os outros atores do curta, Cássio Inácio e Rogério Brito, trabalhando por aí... Que venha mais.
***
Mas veio, pois a semana trouxe uma excelente notícia: um projeto da Ana Paul, hoje sem dúvida uma das maiores especialistas em dramaturgia para as telas deste país, foi merecidamente premiado pela TV Cultura. É um trabalho belíssimo, com a personalidade da autora, mas que também diz respeito a algo maior (maior?). Torço para que os próximos obstáculos para a realização desta obra sejam também superados.
2 comentários:
Comentário interessante (que corrobora impressões que tive) publicado no blog do Sérgio Alpendre, de alguém que assina Wagner e, pelo que entendi, trabalhou no filme (peço licença para reproduzir um trecho): "Os dois diretores são excessivamente controladores, principalmente a Ju Rojas, e acho que muita coisa podia ficar melhor se eles deixassem. O clima amarrado dos atores vem mais desse 'sufocamento' do que de uma opção de interpretação."
Olá!
Quero fazer um convite à você que gosta de Cinema:
Conhecer a história por trás do maior filme de todos os tempos "E o vento levou..."
Estou fazendo uma peça teatral em que os personagens David O. Selznick, Ben Hetch e Victor Fleming mostram um pouco dessa loucura que, durante a produção, foi considerado "O maior elefante branco de Hollywood"
confirme sua presença e deixarei um par de ingressos pra vc na bilheteria
(depois diga o que achou, queremos muito saber!)
Abrs
FÁBIO CADÔR
@fabiocador
fabiocador.blogspot.com
Postar um comentário