A gruta é mais extensa do que a gruta

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    quinta-feira, maio 27, 2010

    Dois morcegos e um monstrengo

    Sou defensor ferrenho de "Superman III" porque, entre muitas outras qualidades, é um filme de super-herói "de autor", para usar o velho conceito. Embora não seja tão bom quanto o filme de Richard Lester, pode-se dizer o mesmo de "Batman Returns", de Tim Burton, que só fui ver agora. Diferentemente do que ele havia feito no longa anterior, este tem a sua marca desde os créditos iniciais, que nos transportam, com ajuda da cenografia no estúdio, à época dos quadrinhos de Bob Kane e dos filmes de monstro que Burton deve adorar. Apesar de o vilão não ser mais o Coringa, o clima de circo também está presente, em um episódio no qual ambos os vilões (interpretações excelentes de DeVito e Pfeiffer), assim como o herói, são antropomorfizações, mas longe do status de deuses. Outra coisa que o Homem-Morcego, a Mulher-Gato e o Pinguim têm em comum e que o longa enfatiza é uma forte repressão sexual (curioso como o filme tem um tom infantil e no entanto é bem carregado de sexo, o que aparece também em outras obras do diretor; dificilmente um estúdio lançaria um filme desses hoje, infelizmente 2010 é mais careta que 1992). Só que ação não é mesmo a praia de Burton e nenhum outro filme do Batman conseguiu ir bem nesse quesito _ ainda prefiro os "pow" e "soc" da série de 1966.

    "The Dark Knight", de Christopher Nolan, também é melhor que seu antecessor imediato, mas vai por caminhos opostos aos de Burton: há uma busca estranha pelo naturalismo (sua Gotham, filmada em Chicago, é uma cidade qualquer, desprovida de personalidade), talvez movida justamente pelos excessos visuais da franquia anterior, e uma completa ausência de sexo; em suma, um filme careta. Apesar de eu ter gostado do Coringa de Ledger e de ter ficado boa sua exposição como um "agente do caos" (em geral, pareceu-me um roteiro bem escrito), faltou loucura _ faltou também ele passar a mão na bunda do Batman, como fez no "Asilo Arkham" de Grant Morrison. O Duas-Caras recebeu um tratamento mais acabado. Mas a grande cena do filme, curiosamente, é feita apenas por coadjuvantes e ocorre em um barco cheio de presidiários. De resto, é muito apoiado em seu elenco, com destaque para Aaron Eckhart e Gary Oldman, além de Ledger; Christian Bale não fica nada bem de Batman, especialmente quando faz aquela voz ridícula, e os velhinhos Morgan Freeman e Michael Caine não têm muita chance de brilhar. Maggie Whatever não fede nem cheira, mas eu também nem me lembrava que no filme anterior o papel tinha sido da mãe da Suri. E como é mal montado! Mas, no fim das contas, gostei mais do que esperava, embora ainda seja muito pouco para uma adaptação de um universo tão rico e cheio de pathos.

    E fui rever o filme que Burton fez entre os seus Batmans, "Edward Scissorhands" (1990). A artificialidade do cenário é ainda mais interessante que a de "Batman Returns" porque ela abarca um microcosmo do mundo real, um subúrbio norte-americano que mais se assemelha a uma prisão a céu aberto. O mote pode ser a adolescência, com sua rebeldia, suas paixões, seu sentimento de inadequação, seu desafio à autoridade e, de novo, sua sexualidade represada. Também pode ser visto como uma metáfora do modo como a sociedade recebe o trabalho de um artista. Curiosamente, sua parcela de romantismo é bem pequena, já que o envolvimento entre as personagens de Johnny Depp e Winona Ryder nunca é aprofundado (ela só aparece após mais de um terço do filme). O melhor mesmo é essa captura dos "valores americanos", de como a vida de um jovem no mundo vem com um roteiro já escrito, que nos é imposto e que, quando não é seguido, gera uma raiva desgraçada na maioria das pessoas e uma decepção nem sempre tímida de quem nos ama.

    3 comentários:

    Sérgio Alpendre disse...

    opa, vai mudar a periodicidade do blog? de uma vez por mês para uma vez por semana? Dou meu apoio.

    Pips disse...

    Além das piadinhas inseridas pelo Coringa de Ledger, achei que faltou uma piada final entre ele e o Batman, no estilo de "A Piada Mortal".

    Gostei dos "arcos" do filme, a história toda começa por uma busca por justiça até a queda do símbolo, no caso o Duas-Caras (o filme é basicamente sobre ele). E o Bale não me convence como Batman.

    Marcelo V. disse...

    Tou tentando, Sergio. A ideia é fazer textos menores com intervalo de tempo idem. Mas nesta semana vou falhar por causa do feriado.

    Pips, não vi senso de humor no Coringa (ou pelo menos no tratamento que o Nolan deu a ele). Mesmo ele vestido de enfermeira, que deveria ser muito engraçado, ficou em segundo plano por causa do peso dado ao filme. Parece que o Nolan não liga para a fantasia (seu Coringa tem uma inédita preocupação com a lógica e com a coerência, sendo que nas HQs ele é o símbolo da aleatoriedade da morte); o pouco que há de "milagroso" no filme é fruto de tecnologia e vem da personagem do Freeman. Não imagino o Nolan fazendo uso de inimigos menos naturalistas do Batman, como o Morcego Humano e o demônio Etrigan.

    Na platéia