A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sábado, julho 30, 2005

    A Viagem de Chihiro / Procurando Nemo / A Fantástica Fábrica de Chocolate / Terra dos Mortos

    Só não abro pra essa gente que diz (a mim bem me importa...) que se uma pessoa é burra, é burra como uma porta.

    Entre as lembranças mais vívidas da minha infância (da época que eu ainda morava em Itapeva, de onde me mudei logo após fazer 6 anos) estão os desenhos animados japoneses; japoneses, vírgula: de um japonês, Osamu Tezuka, uma espécie de Disney deles _guardadas as devidas proporções. Do romântico "A Princesa e o Cavaleiro" ao mais aventureiro "Astroboy", complementavam minha dose de produtos culturais nipônicos, como as séries "Spectreman", "Ultra-Seven", "Robô Gigante" (sou velho demais para "Jaspion" e aquelas séries de boys-bands coloridas e boiolas) etc., todas recheadas de brigas com monstros em uma maquete de uma Tóquio em constante destruição.

    Mas os desenhos japoneses (assim como alguns europeus _especialmente os mais "do leste") sempre foram muito mais longe do que os produtos norte-americanos (invariavelmente baseados em super-heróis ou no supracitado tio Walt), em termos de enredo: na verdade, talvez fossem até inadequados para crianças, já que não economizavam na violência ou na carga emocional, enfocando assuntos doloridos como morte e saudade _com direito, inclusive, a requintes de escatologia. Uma outra visão pedagógica, talvez?

    Essas questões voltam à minha mente diante deste "Sen to Chihiro no Kamikakushi", de Hayao Miyazaki. A protagonista, uma menina de 10 anos, deve causar a identificação necessária mais pelas agruras do que pelas alegrias da infância: a princípio um tanto chatinha, medrosa e atrapalhada, é vítima da comum frustração infantil de não atrair para si atenção suficiente, atestado de desimportância. Mas isto acaba sendo suavizado não só pela beleza do traço e das cores de Miyazaki, mas principalmente pelo desbragado senso de fantasia tão bem-vindo a estas produções. Ao contrário do que dizem por aí, é um filme infinitamente melhor do que seu antecessor direto, "Princesa Mononoke" _este, com inúmeras cenas de mutilação e assassinato, além de um enredo bastante confuso, definitivamente não é para crianças.

    Em comum com "...Chihiro", "Finding Nemo" (se não me engano, o primeiro longa da Pixar-Disney que vejo) apresenta uma excelência absurda em termos de beleza plástica, mas as coisas vão parando por aí. A imensa fantasia do primeiro (favorecida por uma fantástica cultura milenar, bastante distinta da nossa, de ex-colônias européias que deixaram muito pouco da cultura autóctone de pé) é substituída por uma mera sátira social que busca identificação e humor em uma série de estereótipos reforçados pela antropomorfização de animais marinhos. Funciona que é uma beleza, mas, apesar de convencer como mistura de saga aventuresca e drama familiar, fica a anos-luz de distância do interesse gerado pelo fantástico mundo dos espíritos orientais.

    Já "...Nemo" e esta segunda versão de "Charlie and the Chocolate Factory", que mais uma vez une Tim Burton e Johnny Depp, chamam minha atenção por se tratarem de fábulas morais dirigidas... aos pais! Ambos são filmes infantis que falam mais aos adultos, que buscam corrigi-los, que praticamente passam um pito neles, ali sentados ao lado das crianças encantadas com o que quer que seja que passa na tela. De um lado, puxão de orelha nos pais que superprotegem suas crianças; de outro, nos que mimam e demonstram prepotência por meio da permissividade e da isenção da responsabilidade de educar e de preparar seus rebentos para os desafios da existência.

    Mais de um "colega" já andou classificando o filme de Burton como um "pesadelo", praticamente um filme de terror para crianças. Talvez estejam certos _eu mesmo, quando pequeno, lembro de ter ficado assustado com a cena na qual o gordinho é sugado no filme original, estrelado pelo fantástico Gene Wilder_; mas a coisa toda, pra mim, ficou mais numa mistura de moralismo um belo atestado de valorização da família (representada, acima de tudo, pela soberba imagens dos quatro avós de Charlie _Carlitos?_ deitados numa mesma cama). Se Charlie é tão bonzinho que chega a soar inverossímil (e, desconfio, gera antipatia nas crianças _meu eu menino provavelmente bateria num bundão daqueles) e as quatro outras crianças são tão monstruosas e repulsivas a ponto de não sabermos qual delas é a pior, é justamente a sexta criança da história, ninguém menos que o poderoso Willy Wonka, que é dotada de algum interesse. Um eremita duplamente traumatizado que se esforça (mas não muito) para se reintegrar e que fica visivelmente embaraçado quando as coisas não saem exatamente como planejado...

    Daí a gente passa para outro personagem dos mais pungentes a figurar nas telas, ultimamente: o zumbi Big Daddy de "Land of the Dead", mais um belo capítulo na saga iniciada há quase 40 anos por George A. Romero. Já ensaiada no anterior "Dia dos Mortos" (o qual eu preciso rever, já que a primeira impressão não foi das mais agradáveis _talvez por toda aquela atmosfera oitentista, horrível), a "re-humanização" dos mortos-vivos é mostrada de uma maneira incrivelmente tocante neste quarto episódio da série. De meras criaturas acéfalas, desesperadas pela sobrevivência (como se todos nós não passássemos por momentos nos quais não somos mais do que isso), algumas das vítimas (não as únicas), representantes máximas dos escombros de uma civilização, ganham arremedos de consciência, de capacidade de comunicação e, mais do que isso, de uma espécie de memória (especialmente emocionante é o momento em que nosso amigo Big Daddy, ex-mecânico, decide operar uma bomba de gasolina) que tornam impossível a não-identificação. As coisas deixam de ser tão simples (mas elas nunca foram tão simples, pelo menos nos filmes de Romero), e a gente se torna ciente de que... até os mortos-vivos têm direito à vida após a morte!

    P. S. Todos os quatro filmes de Romero com os zumbis são, à sua maneira, claustrofóbicos. Curiosamente, bem antes de "Por um Fio", meu velho amigo Alfred Hitchcock confabulou com François Fruffaut a respeito de um filme ambientado numa cabine telefônica:

    "Toda a ação de 'Disque M para Matar' se passa numa sala, mas isso não tem a menor importância. Eu também filmaria de bom grado um filme inteiro dentro de uma cabine telefônica. Imaginemos um casal de apaixonados dentro de uma cabine. Suas mãos se tocam, suas bocas se unem e, acidentalmente, a pressão de seus corpos faz com que o gancho se levante e o telefone dê linha. Agora, sem que o casal saiba, a telefonista pode acompanhar a conversa íntima entre eles. O drama avançou um passo. Para o público que olha essas imagens, é como se lesse os primeiros parágrafos de um romance ou como se ouvisse a exposição de uma peça de teatro. Portanto, uma cena na cabine telefônica confere a nós, cineastas, a mesma liberdade que a página em branco confere a um romancista."

    P. P. S. Eu vivo me esquecendo dessas coisas, vamos lá: o CCE foi objeto de pelo menos mais dois textos, recentemente publicados. Este aqui é de autoria de Marcelo Miranda e cita este espaço ao lado de outros blogs mais jovens, mais sérios e feitos com mais propriedade e capricho; já este outro é uma pequena entrevista feita por Rodney Brocanelli (que ficou com um perfil um tanto sério, mesmo com minhas tentativas de esculhambação _eu tinha visto "School of Rock" no dia anterior, sacumé). É isso aí, pessoal, tem gosto pra tudo!

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