A gruta é mais extensa do que a gruta

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    domingo, março 13, 2005

    Diabo a Quatro / Um Dia nas Corridas / Uma Noite na Ópera

    This is your life, don't play hard to get. It's a free world, all you have to do is fall in love.

    Eu gosto muito de música. Como alguns devem saber, até me sustentei durante algum tempo fazendo críticas de disco, cobrindo shows e entrevistando popstars (inclusive fodões como Chuck Berry e Lou Reed, pessoalmente). Mas esta é a parte chata da coisa. A parte legal é que a música tem um poder especial (como o cinema também tem, mas de uma forma menos dinâmica, creio) de potencializar (ou, em certos casos, neutralizar _por exemplo, se me sinto deprimido, escuto Clash e fico pronto pra outra) sentimentos.

    Então, se eu ando com altos níveis de testosterona, ouço The Who (ou The Stooges) para extravazar; só falta eu sair pra brigar na rua (especialmente com o Who, que é praticamente banda de hooligan). Já quando estou sensível, como atualmente (será a gripe ou o jejum?), eu ouço Queen. Porque o Freddie Mercury é uma bicha romântica e melancólica, é o Álvares de Azevedo do rock inglês. Só o Frederico Mercúrio é capaz de escrever versos como "I could give up all my life for just one kiss", que pode parecer exagero, mas que descreve algo que todo mundo já sentiu ou vai sentir.

    Pois dois dos CDs do Queen são homônimos de filmes estrelados pelos Irmãos Marx, "A Night at the Opera" e "A Day at the Races", dos quais falaremos a seguir. Antes vamos falar de "Duck Soup", mas, antes ainda, falemos dos Brothers, que tornaram-se famosos na Broadway do início dos anos 1920. Seus dois primeiros filmes, "The Cocoanuts" (1929) e "Animal Crackers" (1930), eram transposições de suas peças, algo típico do início do cinema com som gravado. Esse tom geral de "teatralidade" grudou em suas obras, não importando muito quem as dirigisse.

    "Duck Soup", de 1933, (no Brasil, "Diabo a Quatro", um bom título), é considerado por muitos o melhor da trupe, talvez por ser o único dirigido por um cineasta de renome, Leo McCarey (só o homem que juntou Laurel & Hardy). Mas a história ambientada em Freedonia, (com destaque para o número musical que comemora uma declaração de guerra, na qual todo mundo começa a dar coices _não é à toa que Mussolini proibiu o filme na Itália_, e para a clássica cena do espelho, imitada no Brasil com Oscarito e Eva Todor e refeita por Harpo com Lucille Ball em um episódio de "I Love Lucy"), foi um fracasso de público e quase declarou o fim da carreira cinematográfica dos Marx. Graças a Irving Thalberg, da MGM, eles, então convertidos em trio (Gummo e Zeppo ficaram de fora), ganharam novo fôlego e fizeram sucesso com "Uma Noite na Ópera" e "Um Dia nas Corridas". Mas, pelo pouco que conheço da obra deles (além destes, acho que só vi "Horse Feather" _ou "Os Gênios da Pelota"), o período inicial deles na Paramount é mesmo mais interessante, talvez por ser mais irreverente.

    "A Night..." e "A Day..." são obviamente filmes irmãos, muito parecidos, e carregam a série de clichês dos Marx, como Chico (apelidado assim por ser mulherengo _ou seja, gostar de "chicks") tocando piano com seu indefectível estilo "pistolinha", Harpo deixando de fazer careta enquanto toca harpa e Groucho às voltas com uma ricaça abobalhada (sempre a ótima Margaret Dumont, uma escada e tanto). Allan Jones ocupa a posição de Zeppo (que, dizem, era o mais engraçado de todos, embora só fizesse o papel do certinho), fazendo o galã cantante, o que deve ter colaborado para o sucesso comercial dos filmes, embora as cenas em que ele aparece sejam sempre as mais constragedoras.

    O destaque mesmo desses filmes são os três Bros. em ação, em especial a química entre Chico e Groucho, exuberante em cenas como a da leitura (e "rasgação") do contrato em "A Night..." e o sensacional esquete em que Chico vende uma barbada para Groucho em "A Day...", totalmente teatral, com câmera fixa e plano de conjunto. Já Harpo, por não falar, acaba respondendo pelos momentos mais "cinematográficos" dos filmes _em especial nos planos detalhe de seus dedos tocando harpa. São momentos brilhantes como estes que fazem valer a pena ver estes filmes mais de 70 anos depois de sua realização; os números musicais, em geral, são de doer (em "A Day..." há uma cena no gueto dos negros que hoje soa absurdamente racista, mas naquela época bem menos politicamente correta, soa justamente o contrário). É, anarquia, oi, oi...

    P. S. Leo McCarey fala sobre a experiência de trabalhar com os Marx em "Duck Soup" (trechos retirados do livro de Bogdanovich):

    "Não gostei. Eles eram muito irresponsáveis, e eu nunca conseguia reunir todos ao mesmo tempo (...). Groucho julgava ser ele próprio o mais criativo, mas para mim era Harpo _era ele quem respondia melhor. (...) O mais incrível sobre esse filme é o fato de eu não ter enlouquecido. Eles eram completamente doidos. Apesar disso, gostei de rodar diversas cenas. A experiência que eu tinha com filmes mudos me influenciou muito, de modo que eu geralmente preferia trabalhar com Harpo. Mas aquele não era o filme para mim. Na verdade, foi a única vez na minha carreira que baseei o humor nas falas, porque esse era o único jeito de se obter de Groucho alguma coisa engraçada. Ele dispunha de quatro ou cinco redatores, que lhe forneciam gags e falas. Não fiz nenhuma delas."

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