A gruta é mais extensa do que a gruta

    follow me on Twitter

    terça-feira, junho 19, 2007

    Muito a dizer (?), em pouco tempo (que me foge cada vez mais, assim como os caraminguás): finalmente ficou pronta a trilha sonora de "A Volta do Regresso", disponível aqui para download. Quem a assina é Vinicius Calvitti, músico cinéfilo, fã de Carpenter e Argento, Morricone e John Williams. Foi o Vinicius que me achou no Orkut (quando fiz por lá, ano passado, chamadas para testes de elenco para o personagem principal) e se ofereceu para trabalhar no filme _ou seja, caiu do céu.

    E ocorreu um caso de mal que veio para o bem: meu projeto previa trilha sonora original para apenas duas seqüências, mas, devido à impossibilidade de negociar com as editoras de música (o que me impediu de usar a canção que batiza o filme), toda a trilha ficou para o Vinicius, que, a partir de algumas orientações e referências dadas por mim (marchinha carnavalesca, jazz de barzinho, música natalina de elevador, orquestra no limite do brega e até toques de celular monofônico), na terceira tentativa (as primeiras, rejeitadas, também estão lá como faixas-bônus) acertou o tema que serve de base para toda a trilha (e suas variações, tão sutis quanto detalhadas, parecem obras totalmente novas).

    Para os créditos finais, baixou o Olavo Bilac em mim, e escrevi uma letra parnasiana, em tercetos de duas redondilhas menores e um decassílabo, encaixou direitinho; a idéia era que um coral de crianças a gravasse, de forma desafinada/desanimada, como na versão para "Career Opportunities" que o Clash fez para o "Sandinista!". Apesar de ter descolado um estúdio bom e camarada, não tive paciência para fazer esta produção sozinho, e a trilha ficou sem a letra. Pode ser ouvida independentemente numa boa, mas é em conjunção com as imagens que ela se torna ainda melhor, uma contribuição gigantesca para o filme.

    Um dos próximos trabalhos do Vinicius (que já tem um portfolio respeitável) será o longa "Porto dos Mortos", do Davi de Oliveira Pinheiro, cujo trailer já pode ser visto aqui. A amostra é impressionante: bela fotografia, bom ritmo, direção de arte idem; acho que o resultado promete (só não entendi os nomes em inglês das personagens, mas é óbvio que o virginiano aqui ia implicar com algum detalhe).

    ***

    Ainda na vizinhança e no campo do terror, eu estava devendo para o colega André ZP uma revisão de seu curta "Sozinho", que eu tinha visto, numa Sessão do Comodoro, com um mau humor dos diabos (muito por causa do estresse gerado pelo meu próprio filme). Contribuiu a curiosidade de rever a Vanessa Prieto, após ter montado "Nas Duas Almas", onde ela contracena com o Milhem Cortaz. Gostei muito mais do curta agora, embora eu ainda tenha a impressão de que ele é longo.

    O problema é que, para mim, o filme gira em torno da ótima cena da mutilação (tenho vontade de perguntar para a Vanessa se ela não se divertiu muito com aquilo), catártica, com maquiagem caprichada, muito bem-feita mesmo. O resto me parece fora de proporção: mesmo a cena da pedolatria, que deveria gerar maior interesse, parece se arrastar (a boa trilha do Hurtmold não ajuda muito). E, bancando o virginiano de novo, implico com certos planos que me parecem desnecessários, que me desligavam do filme e me obrigavam a perguntar "por que uma mão dando o CD para a outra? Por que precisa aparecer o número do prédio?". Mas a experiência é muito boa.

    Mas tive uma boa supresa ao encontrar "Crônicas de um Zumbi Adolescente", que é anterior, mais longo (28 minutos que passaram mais rápido do que os 13 minutos de "Sozinho") e que o André já me disse gostar menos. Achei que o uso de atores amadores, em interpretações não-naturalistas (com diálogos idem, numa prosódia particular _e não estou falando do sotaque interiorano, que também tenho), associado às referências televisivas norte-americanas (o diretor cita Romero e os Simpsons, mas eu vi mais Tim Burton e "Papai Sabe Tudo", além das comédias adolescentes dos anos 80), gerou um grande nível de ironia. É muito divertido.

    ***

    Duas gigantescas surpresas que contrariaram o sábio ditado "de onde menos se espera é que não vem nada de bom mesmo": a primeira é "Zodíaco", de David Fincher, o Finchinha, que finalmente faz seu primeiro filme realmente digno de respeito. O segredo foi deixar de lado as firulinhas com câmera, iluminação e direção de arte e se concentrar numa recriação de época exemplar em ritmo compacto (duas horas e meia que passam voando), com boa trilha sonora e ótimo elenco (Mark Ruffalo para o Oscar!). As cenas em que o suspense aparece são bônus _nem precisava...

    A segunda é "Baixio das Bestas", do Claudio Assis. De "Amarelo Manga" tinha gostado bem pouco (com exceção da personagem do padre) e só fui ver este após ler os textos elogiosos de Carlos Reichenbach e Inácio Araújo. Pelo que tenho lido, o filme tem mais detratores do que admiradores _o que não é exatamente de espantar. Só que eu não consegui ver em "Baixio das Bestas" um mero "filme-denúncia", misógino, sádico e feito somente com a intenção de chocar; pelo contrário, vi ali um filme amplo, complexo, sensível e sério, desprovido de polêmicas fáceis e com um elenco fabuloso. E é plasticamente belíssimo ao enfocar a miséria, mas não me parece entrar no quadro da "cosmética da fome". O maior problema é a personagem do Matheus N., que parece servir quase que exclusivamente para verbalizar parte do discurso do diretor. E tem muito homem pelado _nem precisava...

    O último filme recente que vi é o bastante comentado "Borat". A hilaridade do filme de Larry Charles baseado na criação de Sacha Baron Cohen reside no mal-estar provocado pelas presepadas do protagonista: sendo machista ou nojento, expõe o ridículo alheio por meio de estratégias que me lembram bastante o Michael Moore. Em suma, achei divertido, dei minhas risadas (creio que ri mais da risada de quem me acompanhava do que do filme em si), mas não sei se gostei, algo ali me incomodou (seriam, de novo, os homens pelados?).

    E "A Pedra do Reino", alguém mais acompanhou (há anos eu não acompanhava uma minissérie na TV, até porque elas andam escassas _mininovela não é minissérie, certo?)? Não vi "Hoje É Dia de Maria" e não ligo se não deu audiência: gostei bastante desta nova produção _em especial, dos dois primeiros capítulos, menos lineares. Irhandir Santos (de "Baixio das Bestas") está excelente como Quaderna; entretando, a recente montagem teatral de Antunes Filho dá de mil a zero (o livro, ainda não li _Arriando Suassunga é muito antipático, embora bom comediante), as canções fazem falta.

    ***

    É possível retratar uma monstruosidade sem ódio? Jean Renoir, um dos europeus que fizeram filmes antinazistas em Hollywood, mostra que sim em "This Land Is Mine" (1943), digno da estirpe de grandes obras morais _me lembrou bastante o "De Crápula a Herói" do Rossellini. Charles Laughton encarna um personagem complexo e impressionante, mas quem me conquistou mesmo foi Maureen O'Hara.

    Outro filme singular de 1943 é "The Seventh Victim" (título que não tem nada a ver com a história), filme de estréia de Mark Robson, montador dos filmes de Jacques Tourner citados no texto passado (todos produções do Val Lewton para a RKO), na direção, é um estranhíssimo drama que, em certas partes, lembra "Psicose", e em outras, "O Bebê de Rosemary". As coisas vão se encaixando muito lentamente (após a metade do filme, você ainda se pergunta, afinal de contas, sobre o que ele é), e só nas três últimas cenas (a última delas, chocante) temos um fecho para todas as personagens. Além de ser muito complexo e incomum (em certos momentos, até meio ridículo), é repleto de enquadramentos peculiares; a panorâmica é um movimento de câmera muito usado, que explora bem os cenários e as ações das personagens, com profundidade de campo que sempre traz informações interessantes. Muito curioso mesmo.

    Mais uma obra-prima do mesmo ano: "Dia de Ira", do Dreyer. Complexo e típico de seu diretor, lembra tanto "A Paixão de Joana D'Arc" como "A Palavra"; traz suspense, romance, retrato histórico, crítica social etc. Parece previsível durante boa parte do tempo, mas introduz tanto a possibilidade do sobrenatural quanto renega o obscurantismo e abraça a psicologia.

    Fechando 1943, revejo "Meshes of the Afternoon", o primeiro filme da Maya Deren que vi (e até hoje meu preferido), há alguns anos: na época, foi uma experiência impactante porque, semanas antes, eu tinha feito um vídeo muito, mas muito parecido (inspirado por um poema de Jorge de Lima, era mudo, em preto-e-branco, estrelado por uma moça de cabelos encaracolados que engolia uma chave e se relacionava com muitas plantas, com um espelho e um telefone _que ficava dentro de um bidê_ e se multiplicava em outras mulheres _tinha também um cavalo, um relógio, um padre que virava mulher, um atropelamento, um vestido de noiva, uma floresta, algas marinhas saindo de armários e uma calcinha branca dentro de um vidro de remédio, mas estes não aparecem neste "Meshes...". Ainda bem, se não iam pensar que eu sou um plagiário).

    Pulando dois anos para a frente, finalmente vejo "Brief Encounter" ("Desencanto"), do David Lean. Apesar de esperar um filme bem mais transformador, é muito concentrado e muito bonito (especialmente no final); a interligação do flashback com o presente é ótima, e a câmera tem força retirada da sutileza. Do mesmo ano, "The Bells of St. Mary's" extrai muito de sua força de Ingrid Bergman. Ela está brilhante: linda (embora sequer vejamos seus cabelos _ela está com hábito de freira o filme todo), engraçada, tocante (sem excesso de chororô) _a cena em que ensina um menino a lutar boxe é antológica.

    Fechando o ano em que a guerra acabou, "Scarlet Street", um dentre os filmes de Fritz Lang estrelado por Edward G. Robinson, Joan Bennett (ótima, roubando todas as cenas em que aparece) e Dan Duryea, é também uma adaptação da mesma peça que Jean Renoir filmou, dando origem a "A Cadela". Eu prefiro a versão de Renoir, mas a de Lang está longe de ser desprezível: enquanto Michel Simon conferia a seu pergonagem uma aura patética, Robinson é muito mais trágico, o que permeia todo o filme e torna o seu final muito mais atormentador. Há uma cena maravilhosa que lembra muito um dos momentos mais marcantes de "Lolita", do Kubrick.

    E em 1946, saiu "Duel in the Sun", o primeiro King Vidor em cores que vejo (bem, é mais um filme do Selznick do que do Vidor, assim como "...E o Vento Levou" não é apenas do Fleming) . Mais longo do que necessário, começa mal e causa estranheza (não por a protagonista de um gênero tipicamente "de macho" ser mulher, mas porque a mesma a princípio é fraca demais), mas depois melhora muito _em grande parte, graças a seu exagero folhetinesco (a certo ponto parece uma espécie de pré-"Irmãos Coragem"). O elenco é estelar: Jennifer Jones, Lillian Gish, Lionel Barrymore, Joseph Cotten e Gregory Peck (em um de seus raros papéis como vilão). Extravagante, era para ter sido o novo "...E o Vento Levou" de Selznick, mas, apesar de não ter sido um fracasso (e de não ser ruim), não alcançou o mesmo status.

    ***

    Retrocedo no tempo de volta aos anos 1920 para pescar um Ströheim que tinha deixado para trás: "The Merry Widow" (1925), feito logo após "Greed", é o último filme dele pela MGM (que seria refilmado nove anos depois por Lubitsch _devo conferir em breve). Volta ao mundo da nobreza européia, onde dois príncipes (um deles a encarnação do vilão de bigode e monóculo) se envolvem com uma dançarina (a bela Mae Murray, em um de seus últimos filmes). Há muito de romance folhetinesco (é adaptação de uma famosa opereta), mas há também erotismo (eufemismo para safadeza, meu caro Watson). A produção, cara, gerou algumas cenas ótimas, como a que sela o destino do vilão (há outra, de duelo, que lembra muito "Barry Lyndon").

    Ainda nos EUA, conferi "The Covered Wagon" (1923), western muito interessante do James Cruze (diretor de um "Gangs of New York" com argumento de Samuel Fuller _será que é bom?): tem lá o romancinho típico, a estereotipia das personagens (o herói galã é o único homem barbeado do filme) fala alto, o discurso hoje politicamente incorreto de que "a civilização conquistou os selvagens" idem, mas boa parte do filme é centrada na ação, o que dá a ele um quê de documental: vemos a caravana enfrentando as mais diversas situações, como festas, funerais, caçadas a búfalos, nevascas, ataques de índios, travessia de rios etc. Lembra o "Wagon Master", que John Ford faria quase 30 anos depois.

    Falando em documentário, chega a ser emocionante ver "Moana" (1926), o filme (um "Nanook" na Polinésia) de Robert Flaherty que gerou o rótulo que caracteriza o gênero até hoje (dado por John Grierson numa resenha de jornal, há mais de 80 anos). O que costuma me fascinar em Flaherty é o apuro de seus enquadramentos (neste ponto, por hora acho "O Homem de Aran" imbatível) e sua habilidade de retratar um universo alienígena: um garoto trepando num coqueiro ou um rapaz sendo tatuado se transformam em cenas impactantes.

    Também causa grande impacto "Dura Lex", o filme mais famoso do Kuleshov. É muito incomum: em pleno período revolucionário na União Soviética, é uma adaptação humanista de uma obra de Jack London, ambientada nos EUA! E ainda traz de lambugem uma atuação emocionante, perfeita e inovadora de Aleksandra Khokhlova (que teve carreira curtíssima no cinema, se aposentou das telas 50 anos antes de morrer, uma pena). Obra-prima, inesquecível.

    Outra curiosidade é "L'Inhumaine", de Marcel l'Herbier. Um dos filmes mais modernistas (não vou dizer futurista, porque o rótulo nunca me agradou) que vi é este romance exagerado entre um cientista e uma famosa cantora: a direção de arte, com grande presença do alto contraste e cenários artificiais lembra um pouco o "Caligari", mas a maciça presença da tecnologia adianta "Metropolis" (há também grande agilidade na montagem e uso magistral da montagem paralela _um pouco de Griffith, outro tanto de Eisenstein?).

    ***

    Semana que vem acontece a primeira exibição pública de um documentário sobre cinema no qual sou um dos principais entrevistados (quem já viu me disse que eu acabei praticamente ditando a linha narrativa do filme). Vai ser muito, muito esquisito mesmo ver minha imagem na tela grande (detesto aparecer, embora goste de ser registrado), acho que vou detestar (até porque estava muito deprimido no dia da entrevista, há quase dois anos _justamente porque a pré-produção de "A Volta do Regresso" estava uma droga). Se sobreviver, no próximo texto conto como foi _assim como a exibição dos filmes do Vebis na Sessão do Comodoro, se a mesma rolar.

    Nenhum comentário:

    Na platéia