A gruta é mais extensa do que a gruta

    follow me on Twitter

    quarta-feira, janeiro 10, 2007

    Ano novo, vida nova? Às vezes, acontece.

    ***

    Em uma das vezes em que assisti à adaptação de Pier Paolo Pasolini (cuja obra, longe de agradar a todos, sempre me interessa) de "Os 120 Dias de Sodoma", eu justamente... hmm, minha famosa discrição me impede de completar a frase, imaginem o que quiserem. Fato é que estou finalmente lendo o livro (que dei de presente de aniversário a uma amante _mas isto é coisa que se faça?), provavelmente uma das leituras mais saudáveis e benfazejas (sem ironia) que existem _de "adoçar o pensamento", como disse a respeito Georges Bataille.

    Ao mesmo tempo, encontro-me em Votuporanga, para onde fui mais uma vez arrastado, compelido a passar uma conturbada virada de ano. O que significa que tenho acesso bem mais limitado ao computador, aos DVDs e às estréias cinematográficas (há quase um mês está passando por aqui "Xuxa Gêmeas", que já começa errando a concordância no título). Nos últimos dias, basicamente fiquei restrito aos filmes que meu irmão caçula aluga (porque eu raramente encontro algo que me interesse), a maioria deles, melodramas folhetinescos de falta de qualidade nem um pouco duvidosa.

    O que me incomoda nestes filmes é a repetição infindável das artimanhas mais manjadas de manipulação emocional: aquela trilha sonora safada e onipresente (a la Jayme Monjardim), aqueles planos que exploram a vulgaridade da beleza da natureza (muitas vezes com space-cam), aqueles closes nos olhos lacrimosos das mocinhas (e nem eram os da Jennifer Connelly) etc. Alguns desses filmes até podem ser bem-intencionados (e quem nunca fez besteira com a maior boa vontade deste mundo?), mas, no meu caso, quando não me anestesiam, realçam minha cólera swiftiana em relação a tanto lixo _não muito distante do que ocorre com os libertinos da obra de Sade, que não se contentam com pouco.

    ***

    Eu também não me contento com pouco: gosto muito, muitíssimo mesmo, de filmes de terror, mas sou extremamente exigente com este gênero, que, por depender tanto do efeito sobre seus espectadores, praticamente não permite deslizes. Pois eu estava vendo o quarto filme de Neil Marshall, o elogiado "The Descent" ("Abismo do Medo", aqui no Brasil); ia satisfatoriamente bem, gerando uma tensão tremenda com o drama escuro e claustrofóbico de seis mulheres perdidas numa caverna (a famosa e eficiente guerra homem x natureza)... até que despencou ao trazer um elemento alienígena, que introduziu a fórceps a suspensão de descrença, embora a explicação para o fenômeno seja bastante óbvia. Os pesadelos da viúva traumatizada e as desavenças entre as amigas também são acréscimos desnecessários, que colaboram para piorar bastante o projeto. Sem falar que faltou nudez, em um filme estrelado por seis beldades (sendo que a mais bonita desaparece primeiro _típico?)... Eis um caso perfeito de que "menos é mais" (inclusive em relação ao figurino). Mas há um plano ótimo, que faz referência/reverência a "Apocalypse Now!".

    Também vi "The Hills Have Eyes" ("Viagem Maldita", o elogiado remake de "Quadrilha de Sádicos", filme que Wes Craven fez nos anos 70, na rabeira de "O Massacre da Serra Elétrica"), do qual esperava mais, baseado nos comentários entusiasmados dos colegas. O diretor, o jovem francês Alexandre Aja, se concentra em filmar acidentes e assassinatos usando uma série de técnicas diferentes (com sucesso, diga-se _a cena no trailer em que um dos vilões mama em sua vítima é muito boa), mas o filme me disse pouco. Uma pena, pois os créditos iniciais são fantásticos e anunciavam um grande filme de terror (que só deu amostra de aparecer na cena com o melhor personagem, Big Brain _Billy Drago, que prometia, mal aparece); o que veio depois não passa muito de carnificina competente. Pouco, para o meu gosto.

    Satisfação mesmo eu tive vendo "Cigarette Burns", o primeiro episódio de John Carpenter para a série "Masters of Horror" (da qual vi, até agora, os de Miike, Argento e Dante, todos bons, mas bastante diferentes _os próximos alvos são os de Landis e Cohen). Ao juntar terror e cinefilia (combinação sempre fantástica), temos uma profusão de "snuffs" aliada ao sobrenatural e à falta de medo de ousar, poeticamente. "Le Fin Absolue du Monde"... Provavelmente seria uma obra-prima se tivesse orçamento, duração e tempo de produção mais longos, tivesse sido lançado em cinema e não contivesse imagens do filme dentro do filme (o desconhecido é mais assustador). Udo Kier está ótimo.

    Em direção ao passado, encontrei um verdadeiro mestre do terror, Mario Bava, em seu primeiro filme, "La Maschera Del Demonio" (1960). Maravilhoso em termos de fotografia, direção de arte, mise-en-scène e trilha sonora. O elenco é irregular (mas Barbara Steele foi um achado), e o roteiro, mais ainda (embora certos trechos de diálogo, como "Você também pode sentir alegria e felicidade ao odiar", sejam fantásticos), o que me fez gostar deste filme menos do que esperava _creio que deve melhorar ao ser revisto.

    ***

    A única coisa que tenho achado realmente terrível no livro do Marquês é a obsessão fria pela matemática, pela ordem, pelos regulamentos _lembra-me muito o nazi-fascismo, e não é à toa que Pasolini transpôs, brilhantemente, a história para o período em que os camisas negras estavam no poder na Itália. Terror semelhante, maléfico, eu senti assistindo ao que, até o momento (já que evito ver muitas porcarias na capital), considero o pior filme lançado aqui no ano passado: "Hard Candy" ou "MeninaMá.Com". É um lixo pretensamente moralizante, mas obsceno, arrogante, maldoso e estúpido (além de feio e mal filmado). Ellen Page (a Kitty Pride de "X-Men 3") até que se esforça, mas sua personagem é tão asquerosa (assim como o seu nêmesis) que fica difícil gostar dela. O texto do filme é um amontoado grotesco de perversidades _quando o caso de Roman Polanski foi citado, eu teria dado um tiro na TV, se eu fosse o Elvis.

    ***

    E já que foi citado o nosso "estuprador" franco-polonês preferido, finalmente vi "Tess" (1979), filme bem-sucedido à sua época, mas hoje injustamente esquecido. Não gosto de fazer comparações, mas, à primeira vista, me pareceu uma espécie de versão feminina de "Barry Lyndon" _não apenas por ser longo e de época, mas por ter alcançado uma excelência técnica (em especial, em fotografia e direção de arte _não comparáveis às do filme de Kubrick, é claro) inédita na obra do diretor. Falar da beleza de Nastassja Kinski, então adolescente, é um chavão divertido, mas o que encanta aqui é a sua atuação, perfeita.

    Outro oásis em meio a tanta bobagem audiovisual à qual fui exposto nesta entressafra foi "Heat" (ou "Fogo contra Fogo", remake de "L.A. Takedown", um antigo roteiro que Michael Mann havia finalmente filmado para a TV em 1989), que há muito queria ver e que se confirmou como o melhor dentre os "meus" filmes do diretor. Não sabia que o filme era tão longo, mas a duração é plenamente justificada. Diferentemente do que chega a ocorrer em "Miami Vice" (que parece um subproduto deste), a humanização dos personagens por meio do romance não soa muito forçada (é um romântico, esse Mann). De Niro e Pacino estão muito bem, mas realmente dão a impressão de não terem contracenado, usando stand-ins.

    Mais uma surpresa, embora não tão boa quanto estes últimos, foi "Dear Wendy", dos "dogmentos" Thomas Vinterberg (direção) e Lars von Trier (roteiro), com os quais sempre fico meio cabreiro. A princípio, parece uma espécie de "O Clube dos Cinco" pós-referendo da posse de armas que se aproveita esperta/bestamente de uma excelente trilha sonora (os amados The Zombies), mas vai se desenvolvendo até virar uma tremenda tiração de sarro com o cinema americano, os westerns, os filmes de ação e de formação. Uma pena que o Vinterberg não seja um diretor melhor: muitos planos são tremendamente amadorísticos, no mau sentido, "Winterbottomente" falando.

    ***

    Já que falei em westerns, vi a primeira temporada de "Deadwood", série que nunca tinha me chamado a atenção, apesar de eu adorar o gênero e de saber da qualidade acima da média de algumas produções da HBO. O piloto realmente deixa algumas dúvidas, mas, a partir do segundo episódio, fui fisgado. Temos um drama bastante invulgar, um registro histórico (a imensa maioria das personagens é retrato de gente que existiu) muito interessante da conquista do Oeste americano há 130 anos. O que há de melhor são os roteiros (muitos escritos por mulheres, normalmente não associadas ao gênero) e o elenco, em que não há destaques negativos _mas é impossível negar que a grande figura aqui é o veterano Ian McShane, dando vida a uma das figuras mais ricas, carismáticas e assustadoras dos últimos tempos.

    ***

    Ah, e eu vi "O Código Da Vinci". É uma grande e previsibilíssima bobagem, mas divertida; quem captura melhor este espírito é Ian McKellen, que sempre tira sarro de suas personagens nessas superproduções às quais empresta seu prestígio. O penteado de Tom Hanks não me incomodou, assim como a nojentinha da Amélie Poulain. A direção de Ron Howard não seria tão ruim se ele não realizasse alguns planos exibicionistas (se dá melhor em cenas como a da Tautou fugindo da polícia de ré). O final é bastante anticlimático, o filme poderia ser mais curto. De qualquer forma, é melhor que "Indiana Jones e a Última Cruzada" (ui, que "polêmico").

    Nenhum comentário:

    Na platéia