A gruta é mais extensa do que a gruta

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    quinta-feira, março 18, 2010

    É uma brasa, mora?


    Como adiantei no texto anterior, realmente fui à Cinémathèque Française ver "Eraserhead", em 35mm, na confortável sala Georges Franju, poucas horas após ter chegado a Paris, no dia 31 de janeiro. Estava um frio desgraçado e eram 22h de um domingo, mas mesmo assim a sessão esteve lotada. Antes, tinha planejado conhecer o museu do local (que, entre outras preciosidades, abriga a cabeça da mãe de Norman Bates), mas ele fechava uma hora antes do que eu tinha lido e não dava tempo para uma boa visita, apesar de a loiracinha do caixa ter tentado me convencer do contrário. Em vez disso, fui conhecer a livraria (onde vi uma edição muito completa sobre o cinema brasileiro, dessas que não temos por aqui) e jantar deliciosamente em um restaurante italiano perto da estação Bercy (ali, graças a um mapa, dei informações a uma italiana que não falava francês e estava quase chorando), onde tomei o melhor (poderia dizer o primeiro) sorvete de chocolate da minha vida (sim, fazia 0°C e eu tomei sorvete). A visita ao banheiro da CF teve seu toque divertido pelos palavrões escritos na porta, todos dirigidos ao Toubiana. Antes da sessão, mais protesto: um funcionário velhinho passou um abaixo-assinado reclamando de terceirizações pagas com dinheiro público _pra gente ver que essas coisas não ocorrem apenas por aqui. A sessão em si foi ótima, muito divertida. Os parisienses não conheciam o primeiro longa do David Lynch e deram muitas risadas. O próprio Lynch diz que ninguém jamais adivinhou sobre o que é o filme e acho isso de pouca importância: é hilário, é bonito, é grotesco e tem um excelente John Nance, além da participação poderosíssima da Judith Roberts, perfeita na explosão contida de erotismo.

    E esta foi minha única sessão de cinema em Paris, embora oferta não faltasse, nas dezenas de salas perto de onde eu morava, com direito a ingresso com quase 50% de desconto se comprados em pacotes de cinco. Os lançamentos locais não eram muito atraentes: em sua maioria comédias infantiloides, um policial produzido pelo Luc Besson e estrelado pelo John Travolta e até um filme de zumbis. Os internacionais não tinham datas tão diferentes das de São Paulo. E mesmo os lotados cinemas da Rue Champolion, ali ao lado da Sorbonne (indicação do Milton do Prado), que homenageavam Rohmer, atraíram-me menos que o prazer de simplesmente caminhar por aquela cidade gloriosa, um museu ao céu aberto, quase sempre belo.


    Mas durante essas três semanas, um grande cartaz no UGC Rotonde, no Boulevard du Montparnasse onde morei, anunciava para depois de minha partida o novo filme de Martin Scorsese, "Shutter Island", que vi há pouco. Apesar do clima noir, a história não me parece ter vindo do universo mais pessoal do diretor. O enredo, paralelo ao de um grande clássico do cinema que é melhor não citar para evitar estragar a surpresa de quem ainda não viu, não anima muito, mas sim a possibilidade (pequena, mas não ínfima) de negar o que o filme expõe com ênfase no final _um cara sentado atrás de mim no cinema ironizou ao final, dizendo que o filme deveria ter meia hora a mais para explicar melhor o que aconteceu. É o Scorsese de que menos gostei em muitos anos.

    ***

    O filme da hora é (ou já era) "Guerra ao Terror", daquele mulherão que não faz filme de mulherzinha. Ainda não vi, mesmo com o DVD dando sopa desde o ano passado. Também não vi (nem faço grande questão, mas vai acabar acontecendo) o filme do Campanella que levou um Oscar e que tem sido elogiado, embora minhas gônadas cinematográficas (parodiando uma personagem de HQ cuja revista eu traduzia há alguns anos) me digam que deve ser bem meia-boca (e não por ser argentino, claro).

    Mas vi outro filme indicado ao Oscar de língua estrangeira (se não me engano), "La Teta Asustada", da peruana Claudia Llosa. Vendo-o, dá para entender um pouco o que um gringo quer dizer quando reclama que há filmes brasileiros que são "brasileiros demais"; para apreciar este trabalho, é preciso entender de Peru, porque o que interessa aqui é a crítica política, já que a história de uma espécie deMacabéa de origem indígena não tem força suficiente para gerar um grande filme. A mania de querer ser "poético" gera alguns planos constrangedores e retira muito da visceralidade desta história, embora não elimine de todo seus aspectos grotescos. Llosa já havia revelado Magaly Solier em seu filme anterior, "Madeinusa" (que é elogiado, mas que me dá medo de ver, considerando este aqui); a atriz é o grande destaque e parece ter muito mais potencial de fazer carreira internacional do que uma Catalina Sandino Moreno, por exemplo.


    E não me lembro se "Persepolis" chegou a disputar o Oscar do ano passado. De qualquer forma, não merecia o prêmio. A animação para o livro de Marjane Satrapi é muito bonita, o elenco é só tem gente boa (tanto na versão francesa como na inglesa _nesta tem até o Iggy Pop), mas não passa muito disso em comparação com a obra original. A HQ é resumida demais, muita coisa interessante é cortada, e o filme falha em passar a mesma emoção: em vez de um tom desesperado, ficou mais melancólico, mais suavizado, menos adulto... e menos engraçado também, quando se considera a melhor parte do livro, a infância da protagonista.

    No avião de volta para o Brasil, tentei ver "Tetro", mas de cara ficou óbvio que um filme com uma fotografia tão bonita não merecia aquela telinha ridícula. O jeito foi encarar duas comédias que a meu ver perderiam menos. A primeira foi "Whatever Works", mais um filme altamente idiossincrático de Allen (aparentemente um roteiro escrito nos anos 70 que foi engavetado por causa da morte de Zero Mostel), que não traz nenhum tipo de surpresa para quem conhece a obra do diretor. A exceção é a agressividade de seu protagonista, que apesar de ser claramente a voz de Woody, não poderia ser interpretado pelo próprio; daí parece ter vindo acalhar a escolha de Larry David para o papel. Mas mais feliz ainda é Evan Rachel Wood. A princípio me lembrou "Anything Else", mas depois ele se desmembra por outras questões (abordadas em outras obras do diretor, o que me faz pensar senão seria mais interessante se Allen fizesse menos e melhores filmes ou pelo menos continuasse a deixar seu ambiente mais familiar de Nova York para criar trabalhos diferenciados, como "Vicky Cristina Barcelona").


    O segundo filme do longo voo foi "Funny People", de Apatow, que, comparado a seus anteriores, é o que mais passa uma proximidade com sua vida e seu ambiente (um detalhe importante é que ele e Adam Sandler já moraram juntos). O filme começa bem, com um tom muito deprimente, mas depois que a grande nuvem negra passa, o que sobra é uma comédia romântica/"bromance" meio deslocada e vulgar _todos os filmes do diretor são longos, mas este é o que mais sofre com sua duração. Claro que há momentos hilários/brilhantes (James Taylor gritando "Fuck Facebook!" em um show do Myspace e Seth Rogen dizendo para Ray Romano "I thought that everybody loved you" são dois deles) e outros emocionantes (ajudados pelo fato de serem embalados pelos Beatles, em especial quando Sandler canta "Real Love". Curioso que as personagens principais se chamem George and Ira (impossível não lembrar dos Gershwin).

    A visão de uma cinebiografia de Luís XVI na TV francesa me fez tirar o atraso e ver o criticado "Marie Antoinette", da Coppolinha . É bastante animador a princípio (e mesmo sua longa duração não chega a cansar), com seu posicionamento de filme relativamente "jovem" (a diretora muitas vezes consegue fugir do peso do "filme histórico" especialmente pelo uso da trilha sonora pós-punk/new wave e, nos créditos iniciais, de uma tipografia também da época de sua infância). E é admirável como a concentração em Versalhes (local que queria muito visitar, mas que me foi desaconselhado no inverno, pelo comprometimento do majestoso jardim) transmite a alienação da rainha e do povo. É quase de arrepiar a saudação que ela faz ao mesmo quando ele finalmente aparece, que antecipa o oferecimento da monarca à guilhotina. Mas ainda ficou a impressão de que o filme infelizmente ousa menos que podia.

    Mais livre, leve e solto (mas não tanto quanto eu pensava, baseado nos comentários alheios) é "Aquele Querido Mês de Agosto", que fascina ao investir numa série de associações que vão sendo feitas de maneira bem suave, ou a partir de objetos, como o machado (um holandês vivendo em Portugal conta uma história envolvendo um machado e corta um bolo de aniversário a machadadas; depois um curta mostra um ator matando a mãe a machadadas; vemos a senhora que atuou neste curta assistindo ao mesmo na estreia, depois ela reaparece desejando boa sorte à equipe de filmagem do longa e por aí vai) ou o fogo (ouvimos alguém pedindo a música "Sonho de Menino" no rádio e isso nos leva a ver um menino desenhando, o desenho é o de um carro de bombeiros, corta para um carro de bombeiros de verdade, depois ficamos sabendo que Sónia Bandeira, escolhida para interpretar muito bem o papel feminino principal na parte ficcional do filme, trabalha na prevenção de incêndios e finalmente temos no enredo um incêndio de grandes proporções), entre muitas outras. As músicas, "bregas", "populares", "de baile" ou seja lá que classificação meio elitista elas acabem ganhando, são grudentas e divertidas (creio que mais para nós, por causa do sotaque português). Gosto menos da maioria das aparições da equipe do filme; as exceções são a hilária cena do jogo de malha e de um plano no qual dois integrantes usam suas sombras no fim de tarde para criar dois "olhos") e de outras mais didáticas, que explicitam demais o processo (como, por exemplo, a de dois atores amadores que discutem as agruras do novo ofício e a dos créditos finais). Mas sem dúvida o filme fez por merecer sua fama internacional. Para onde vai o Miguel Gomes? E de onde ele veio?

    Quanto ao "Sherlock Holmes" do século XXI, a personagem não é tão diferente assim do descrito nos livros de Sir Arthur Conan Doyle, que eu devorei aos 12 anos. O Watson (brigão, aventureiro, com resquícios de seus tempos de militar), também não. A diferença é em relação às costumeiras adaptações, que criaram um estereótipo do maior detetive do mundo e de seu amigo, comumente tratado como um distinto tiozinho gordo que só ficava observando e se impressionando com o detetive). Há também uma coisa meio meio Batman e Robin rolando entre os dois e um certo ciúme exagerado de Holmes ao ver o colega de quarto se preparando para deixá-lo porque vai se casar. Mas minhas implicâncias são muito mais com a forma que com o conteúdo: Guy Ritchie imprime ao roteiro espertinho esse ritmo típico das produções de Joel Silver, o que não ajuda o filme a se diferenciar. Outro pecado é a falta de timing para o humor, pouco sutil. Por sinal, pouco depois vi "The Private Life of Sherlock Holmes" (1970), no qual Billy Wilder e seu costumeiro parceiro de roteiro, I. A. L. Diamond não só amarraram um bom caso para Holmes e Watson como discutem a interessante questão da suposta misoginia da personagem, inclusive considerando a homossexualidade. Robert Stephens se sai muito bem como Holmes, mas o Watson de Colin Blakely (num papel onde Jack Lemmon cairia muito bem) se presta demais a uma comicidade exagerada, na qual, aliás, podemos ver justamente o toque autoral do diretor _ mas que bate de frente com a de Arthur Conan Doyle. Da maneira como saiu (era para ser um filme bem mais longo e foi meio que abortado pelo estúdio), ainda impressiona por ter uma meia hora inicial que à primeira vista serviria apenas como introdução das personagens, já que o caso em si só começa após uns 25% do total do filme, mas as sementes plantadas alisão recuperadas com a engenhosidade de costume.

    Na linha "mockumentary" que anda em voga neste início de milênio (talvez uma necessidade do espectador de cinema de achar que está vendo algo "real"? Que chato, isso) está "Paranormal Activity", do israelense Oren Peli. A tática presente em vários clássicos de terror, inclusive no muito superior "A Bruxa de Blair", de não mostrar o "monstro", mas sim o resultado de suas ações, associado ao naturalismo da câmera amadora, funciona, cria tensão e expectativa; há um balanço entre a noite, quando fica subentendido que o bicho vai pegar, e o alívio do dia, quando rola um clima mais relaxado e até bem humorado. Mas me parece um filme para ver exclusivamente no cinema, apesar de captado em vídeo e de o final, sugerido pelo Spielberg, ser muito pior que o original. Também vi o sul-africano "Distrito 9", sobre o qual não há muito a declarar, além da relativa originalidade da ideia.


    Meu primeiro encontro com "Antichrist", de Lars von Trier (estranhamente dedicado a Andrei Tarkovsky, embora lembre bem mais David Lynch em vários planos e Buñuel em poucos outros) foi decepcionante, embora não se trate de um filme descartável. A fotografia, que lembra publicidade, incomoda bastante. Os dois atores estão excelentes, em uma obra na qual o enredo tem pouco peso. E me espantou um monte de gente defender que o filme é misógino: é exatamente o oposto (a posição contra a misoginia é clara, inclusive verbalizada). As telas com os créditos e os capítulos são muito bonitas.

    Mas a bomba do período foi "The Curious Case of Benjamin Button", que eu tinha curiosidade (sem trocadilho) de ver por causa da sinopse e por ser o primeiro filme do Finchinha após o surpreendente "Zodiac" (que parece mesmo um desvio na sua carreira quase que totalmente horrenda _ possível exceção para "The Game", que eu precisava rever). Aparentemente o conto original de Fitzgerald (escritor que, como romancista, nunca me entusiasmou) é muito bem humorado, mas foi reduzido a um chororô ridículo, repleto de mensagens supostamente edificantes (pretensas "lições de vida"), de uma maneira quase tão idiota como a realizada por Peter Weir no abominável "Sociedade dos Poetas Mortos". É também uma espécie de sub-sub-"Forrest Gump" com quase três horas de duração. De uma breguice indescritível (toda vez que aparecia um beija-flor me dava vontade de queimar minhas retinas com cigarros), quase do nível de "Amélie Poulain". Para não dizer que é uma desgraça completa, vale a pena pelas cenas em que Cate Blanchett dança (ou aparenta dançar), algumas poucas com Tilda Swinton (não a que ela aparece na TV) e as de Taraji P. Henson, como a mãe adotiva do chatinho protagonista. Mas é uma sessão de tortura, embora não provoque a revolta de um "Se7en".

    Completando um pouco do texto anterior, mais um texto, da Marina Silva, para ajudar a gostar um pouco mais de "Avatar. E, aproveitando o ensejo, um link para quem quer achar discos na internet.

    ***

    Como esta entrada já ficou grande, passemos bem rápido pelos clássicos, deixando muita coisa vista no período de fora. Do supracitado Tarkovski, vi "A Infância de Ivan", seu primeiro longa (cuja cópia me foi emprestada pelo Vebis, que está ganhando de mim no quesito desatualização de blog), que não é ruim, mas está longe dos seus melhores: carrega ainda imaturidade e até certa falta de personalidade (que não parece afetar "O Rolo Compressor e o Violinista", o curta anterior). Ajuda muito ter como ator principal um garoto talentoso como Nikolay Burlyaev (que retornaria em outro papel inesquecível em "Andrei Rublev").

    "Hunger", de 1966, do dinamarquês Henning Carlsen, baseia-se na ótima atuação de Per Oscarsson como o escritor maltrapilho, esfomeado, doente (não é à toa que podemos ver com destaque em um plano o retrato de Dostoievski) e, principalmente, excêntrico, que passa os dias tentando receber o dinheiro de um artigo e perseguindo a bela Gunnel Lindblom, também excelente. É deprimente, irritante e finalmente frustrante _mas não é por isso que vai deixar de ser bom. O enredo lembrou um pouco o romance "Os Ratos", de Dyonelio Machado, igualmente desesperador na sua busca por algo tão pouco importante e no entanto vital.

    E "The Crazies" (1973), cujo DVD duplo eu trouxe de Paris para dar de presente ao também supracitado Vebis, é considerado por George A. Romero como seu filme de terror a la Peckinpah. Apesar de não lidar com o sobrenatural, vai bem na linha de seus filmes de zumbi, com pessoas infectadas por um vírus criado pelo exército como arma bacteriológica em quarentena em uma pequena cidade. É o típico discurso americano contra o Estado, num clima de grande paranoia que aponta para o holocausto nuclear. A cara de anos 70 e o pouco dinheiro não atrapalham (Romero é mestre em fazer ótimos filmes com pouca grana), mas o péssimo elenco, sim. As exceções ficam por conta das duas atrizes principais, Lane Carroll (que teria encerrado carreira aqui, com uma personagem tocante) e a gatinha Lynn Lowry (de "Shivers"), que exemplifica como as fêmeas de Romero podem enlouquecer com doçura. Há uma cena muito impactante: enquanto soldados e loucos furiosos se matam na base dos fuzis, uma jovem mulher varre a grama do campo de batalha. Isso me lembrou do quanto a gente se torna insensível ao ver matança em filmes (insensível em relação à violência nos filmes e não na vida real, bem entendido). Outro momento muito forte é quando a enfermeira dá, de uma maneira muito sutil, inesperada e triste, uma notícia muito importante a seu amado...

    ***

    A descoberta de uma nova ferramenta de buscas na internet me fez achar mais um texto acadêmico que cita o meu trabalho em jornal. O interessante do texto é lembrar esse momento revolucionário da indústria fonográfica que foi a popularização do mp3, que eu cobri em uma coluna semanal na Ilustrada em 2000. Peço licença para reproduzir um parágrafo do ensaio "Jornalismo Cultural em Tempos de Cultura Líquida", de Thiago Soares:

    "Já presenciei, na prática do maior jornal em circulação do país, a Folha de S. Paulo, um exemplo de desintermediação no terreno do jornalismo cultural. Detalho: na ocasião, antes do lançamento do álbum 'Music', da cantora Madonna, em 29 de setembro de 2000, o caderno Ilustrada, editoria de cultura da Folha de S. Paulo, subverteu o agendamento pautado pela indústria fonográfica, no caso a gravadora Maverick, subsidiária da gigante Warner. Tradicionalmente, a reportagem, a crítica ou a resenha sobre o CD de Madonna deveriam ser publicadas no momento em que o trabalho chegasse às lojas brasileiras. Só que, como num dos casos mais iniciais do compartilhamento de arquivos musicais por meio da internet, o CD 'Music' vazou em plataformas musicais e o público pôde ter acesso ao trabalho fonográfico de Madonna antes que o álbum 'físico' chegasse às lojas. O jornalista Marcelo Valletta, da Ilustrada, não aguardou para dar a reportagem sobre o álbum somente quando a Warner enviasse o CD para ser devidamente resenhado. No dia 24 de agosto de 2000, um mês e cinco dias antes do lançamento oficial do trabalho, o título da capa da Ilustrada foi: 'Madonna Grátis', divulgando que, antes mesmo que chegasse às lojas, o álbum já poderia ser encontrado para download na internet. O curioso é que o texto não era somente de caráter informativo, trazia, também, crítica, detalhes das faixas etc., escrito por jornalistas com veias de articulismo (como a especialista em moda Erika Palomino e o crítico Pedro Alexandre Sanches). Ou seja, estávamos diante de uma crítica de um produto 'líquido', disponível on-line, virtual, que habitaria as prateleiras das lojas somente um mês depois."

    ***

    O dia 12 de março passado começou para mim com uma notícia chocante e horrenda, a do assassinato do artista Glauco Vilas Boas e de seu filho Raoni. Palavras não chegam perto de serem suficientes para descrever a importância que o trabalho genial do Glauco teve na minha formação (e não só por historicamente ter desafiado a censura e publicado na Ilustrada as primeiras "genitálias desnudas"). É como Monteiro Lobato, Dostoievski, Kafka, sem exagero. Como contei no Twitter, aprendi a desenhar o Geraldão quando moleque e decorei muita lousa com ele. Ficava praticamente igual ao do Glauco (aliás, ainda fica). A capa do meu caderno de Educação Artística da 6ª série, por exemplo, era um Geraldão surfando na tábua de passar roupa que eu desenhei. Eu tinha 11 anos e já tinha deixado a "violenta" Turma da Mônica para trás. Para dar uma ideia do impacto que essa geração da Circo Editorial teve sobre a molecada dos anos 80, um grande amigo de pré-adolescência que infelizmente não vejo há alguns anos me escreveu para lembrar da época em que, com o mixo dinheirinho da mesada em épocas de hiperinflação, nos revezávamos para comprar as revistas (sempre às escondidas dos pais, por causa do conteúdo sexual _não que eles fossem ligar muito, mas a gente não queria que eles soubessem assim mesmo) e depois emprestávamos um para o outro. Só mesmo um cara como esse para reunir amigos depois da morte... Valeu, Glauco!

    7 comentários:

    Marcelo V. disse...

    Trecho irrepreensível de um texto idem de Inácio Araújo:

    "Seja como for, é absolutamente necessário enterrar idéias que não correspondem à nossa experiência, por um lado, acabar com essa palhaçada de que mercado e cultura são a mesma coisa. Não são. Você pode passar um século sem pôr os pés na Pinacoteca. As coisas continuarão a existir. Já se você perder o BBB aquilo vai desaparecer, bum, como se nunca tivesse existido, porque é feito para isso mesmo, para a inexistência. Então as coisas têm naturezas diferentes e têm de ser vistas assim."

    Leiam a íntegra aqui: http://inacio-a.blog.uol.com.br/arch2010-03-21_2010-03-27.html#2010_03-25_13_49_44-135949845-0

    Anônimo disse...

    Valeu Marcelão pela meção de nossa amizade (sobre a triste notícia da morte do Glauco) aí em riba. É...lembro do seu caderno na aula da professora Niusa (é assim que escreve?)
    Saudades.

    Fernandinho

    Marcelo V. disse...

    Saudades idem, meu velho. Valeu pela visita, volte mais vezes!

    Pips disse...

    Estou com pouco tempo para comentar, mas vamos lá. Sherlock Holmes do século XXI ficou bom, mas aquela masturbação lenta (câmera)enche o saco. Downey Jr. é Downey Jr. e fiquei feliz que Watson agora é mais fiel, tirando o teatro e adaptando mais os livros.Ok, ok.

    Anticristo já achei um filme descartavel, até entendi a homenagem a tarkovski devido ao longo plano de milhares de mulheres pela floresta. A única cena que realmente me deixou entusiasmado, para depois cair ladeira abaixo (ainda mais com os simbolos aparecendo na varanda da cabana), foi a da raposa.

    Vidas em Jogo vale a pena ser revisto, continua sendo meu favorito do Fincher seguido por Zodiaco.

    Achei de bom tamanho o Maria Antonieta, divertido e meio desprendido. A trilha sonora deu aquele ar mais moleca para o filme, só faltou mais cenas de nudez e sexo.

    Marcelo V. disse...

    Pips, achei a cena da raposa totalmente David Lynch.

    Quanto a "The Game", a lembrança que tenho é a de uma boa Sessão da Tarde (quase se pode dizer o mesmo de "Panic Room", que é bem pior, mas menos besta que os mais famosos dele), com um uso bem legal de "White Rabbit" do Jefferson Airplane; "Zodiac" me parece mergulhar bem mais fundo numa história mais interessante.

    E, realmente, faltou mais sexo em "Marie Antoinette".

    Fernandinho, a Niusa (que adequadamente apelidamos de Diabo Loiro) deu aula pra gente na 8ª série, a menor e mais bagunceira classe que tivemos. Foi para ela que eu desenhei, para a capa do livro de redações da escola, um cara cagando o enquanto lia o jornal. Na 6ª a gente tinha aula com uma professora mais legal, a mãe da Daniela (esqueci completamente o nome dela, coitada, mesmo me dando aula por três anos), por isso estimulava menos as habituais rebeldia e escatologia nos meus trabalhos; então o Geraldão bebendo, fumando e injetando droga nos canos era mais levinho.

    Marcelo V. disse...

    "Não duvido das boas intenções do Felipe Hirsch, Daniela Thomas e Esmir Filho mas 'Insolação' e 'Os Famosos Contra os Duendes da Morte' são a sua maneira filmes tão medíocres quanto 'Divã' ou Se Eu Fosse Você 2'." - Palavras do Filipe Furtado (http://anotacoescinefilo.com), que também fala em "dois dos piores filmes 'alternativos oficiais' da safra recente" e "narrativas formatadas para os festivais internacionais". Não vi os filmes, mas não duvido. Walter Salles já nos prova há anos que cinema de boas intenções não é necessariamente grande coisa.

    Marcelo V. disse...

    De Paulo Santos Lima, na Cinética (que, ótima notícia, trouxe Andrea Ormond para o rol de colaboradores): "A escrita cinematográfica de Esmir Filho não possui garranchos, mas, no cinema como na palavra escrita, a boa caligrafia não impede que o texto arruíne a redação."

    Na platéia