Simplesmente Amor / Narradores de Javé
Eu cheguei em frente ao portão. Meu cachorro me sorriu, latindo.Bem que eu gosto de bancar o misantropo (sim, eu li Cioran...), mas a verdade é que eu gosto mesmo de gente (bem mais do que se imagina). Sempre disse que me apego às pessoas, e não aos lugares, mas, voltando do Cine Votuporanga (agora, para sair dele, é preciso passar por um corredor que também é o depósito de lixo...), pisando nos paralelepípedos da calçada da rua Amazonas, percebo que também amo toda aquela cidade (bem mais do que imaginava). É impressionante saber que os lugares também guardam histórias e abrigam raízes.
Mas como eu sou muito jovem para ser tão nostálgico, é possível que o acontecido também se deva ao fato de eu ter acabado de assistir a “Love Actually”, filme pelo qual eu não dava a mínima (apesar de seu marketing dizer que se trata dos mesmos produtores de “Um Lugar Chamado Notting Hill”, outra obra belíssima), visto apenas por total falta de opção (sinceramente, “Abracadabra” e “Acquária” não estavam nos meus planos, apesar de este último ter recebido resenhas positivas).
E querem saber? “Simplesmente Amor” é um filme próximo da perfeição. Poucas vezes eu vi uma “comédia romântica” que ilustrasse tão bem seu rótulo. Porque ele faz rir e emociona, sem ser desonesto ou apelativo, como muitos dos filmes “engana-trouxa” que abundam por aí (e até arrebanham prêmios importantes). Um filme que não tem medo de clichês ou de obviedades (toca até “God Only Knows”) e que, mesmo assim, impressiona e faz bonito. É muito difícil fazer um filme desses.
E daí que o drama do menino apaixonado lembre demais a história de “Um Grande Garoto”? E que o inglês e a portuguesa dialoguem como o sorveteiro e o samurai de “Ghost Dog”? Que o político se apaixone pela secretária (dando uma flambadinha nos EUA), que o marido se incrimine com um presente de Natal, que uma dupla de astros de filmes pornô apenas queira romance, que uma mulher precise sacrificar seu amor por causa de um parente doente, que o astro de rock dê o devido valor ao seu empresário, que a paixão de um rapaz fique com seu melhor amigo? Esses plots são como as letras dos Beatles ou do Roberto Carlos, coisas que acontecem com absolutamente todo mundo (bem, aquela história do inglês que vai para os cafundós dos EUA não acontece mesmo). Não é à toa que o filme comece e termine com pessoas desconhecidas, recepcionando os entes queridos num terminal de viagens. Um filme para todos.
Para todos também é “Narradores de Javé”, uma das melhores películas nacionais que eu vi em 2003. Trata-se de uma obra verdadeiramente popular, embora não seja simplória como as produções mais recentes de Renato Aragão. Eliane Caffé (de “Kenoma”) conseguiu ilustrar o contraste entre modernidade e rusticidade que impera no Brasil, além das tradições orais dos analfabetos, com a ajuda do povo de Gameleiras e do grande ator que é José Dumont. Sua performance como Antônio Biá é ótima, com direito a kung fu e tudo. Há problemas, claro, como nas cenas de imaginário, mas há momentos simplesmente adoráveis, como uma transição sonora do virar das páginas de um livro para o barulho das águas. E a presença do palhaço Picolino, interpretando o Outro (irmão gêmeo do Gêmeo), trazendo mais nostalgia da infância.
Mas o grande problema é o seguinte: o povo não vai ver “Narradores de Javé”. Porque, vocês sabem, existem pouquíssimas salas de cinema no Brasil, e os ingressos são caros. Então temos um filme digníssimo, realmente feito para o povo (sem aquelas babaquices de “olhar sociologizante” ou de criar um projeto que mostre o povo como animais de um zoológico freqüentado pela classe média ou qualquer outra demonstração de arrogância), um povo que não terá a chance de vê-lo. É muito triste, é isso que precisa ser combatido. Ah, também faltou mulher gostosa no filme, mas ninguém é perfeito.
P. S. Como diz aquele sábio adesivo criado pelo Forrest Gump, “shit happens”. Como fiquei sem acesso a e-mails durante mais de um mês, minha conta foi desativada. Agora, ela está funcionando novamente, mas eu perdi todas as mensagens mandadas nas últimas cinco semanas. Uma pena, porque eu adoro responder às mensagens de Natal. Então, se alguém me mandou algo durante este período, por favor, reenvie, para que eu possa ler e responder. Abraços e beijos a todos.
P. P. S. Shit happens 2: é apenas aqui ou vocês também não conseguem mais ver a figura do site? Os links ainda estão lá, mas nada de a simpática claquetinha sangrenta aparecer... Shit.
P. P. P. S. Shit happens 3: os arquivos deste site estão com problemas. Muitos problemas. Não gostam de sopa de legumes, por exemplo. Gostaria muito de consertá-los, mas não sei como. Alguém pode dar dicas? Valeu.