A gruta é mais extensa do que a gruta

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    quinta-feira, maio 03, 2007

    Sábado passado, dia 28, foi a noite do Mexicano. Ou seja, a estréia dos filmes vencedores de um prêmio de incentivo ao audiovisual da prefeitura de São Bernardo: dos três filmes, dois eram de autoria do Vebis (que me telefona enquanto escrevo este texto, confirmando a exibição dos mesmos no mês que vem, na Sessão do Comodoro), que me convidou para montá-los, o que fiz com um misto de honra, alegria e apreensão: os dois primeiros sentimentos dispensam explicações; o último se deve à dificuldade de trabalhar com um sistema bem mais caótico do que estou acostumado (o Vebis improvisa muito, eu sou mais ligado ao planejamento minucioso e à execução deste planejamento) e à responsabilidade e ao desejo de que a visão do diretor se concretize da maneira mais próxima da imaginada por ele (mesmo quando eu discordo frontalmente dela _em geral por questões de narrativa e ritmo, já que o Vebis adora uma piada interna ou planos meramente referenciais ou hagiográficos_, o que ocorre com mais freqüência do que eu gostaria). Mas a experiência foi e está sendo ótima, e foi bonita a festa (com direito ao Vebis dançando e cantando "Folsom Prison Blues" e "Please Don't Touch"). Valeu, cabrón!


    Crazy Legs e Vebis Jr. mandando aquela brasa, mora?

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    Ainda na seara do rock (voltaremos a ela em breve se "Rock'n'Roll High School" for mesmo exibido no mês de quem _e se eu puder ir à sessão, nunca se sabe): com a divulgação da decisão judicial de que o livro "Roberto Carlos em Detalhes", do historiador Paulo Cesar de Araújo, não será mais vendido, fui obviamente correndo comprar o meu (baratinho, por sinal). Ele aborda a lenda de que as pessoas que iam ao cinema ver "Sementes da Violência" e "Ao Balanço das Horas" enlouqueciam com a música de Bill Haley e traz uma declaração de Paulinho da Viola de que aquilo (o tal novo "ritmo alucinante americano" parecia coisa "do demônio"). Poucos dias antes, eu havia visto justamente "Ritmo Alucinante" (1975), de Marcelo França (com assistência de Jom Tob Azulay, que faria pouco depois o filme sobre os Doces Bárbaros), um resumo do lendário festival Hollywood Rock em sua primeira edição, trazendo shows de bandas brasileiras. Ali, vemos Rita Lee & Tutti Frutti (ela toca teclado, tem pose de estrela e parece o Ziggy Stardust _dão até close em sua bunda), Vímana (rock progressivo com Lulu Santos nos vocais e muito virtuosismo técnico), Peso (um Led Zeppelin subdesenvolvido), Celly Campelo (ótima, destoando bastante de tudo), Erasmo Carlos (com uma banda estranha, com muitos sopros _uma das músicas é um country acompanhado na flauta) e Raul Seixas (com a banda mais tosca de todas, apenas um power trio _Raul tem a guitarra a tiracolo quase o tempo todo, mas mal toca, o negócio dele era mesmo fazer pose de estrela). Os únicos artistas entrevistados por Scarlett Moon são Celly e Erasmo, e a pergunta principal é se eles, afinal, faziam "música brasileira" (ambos respondem, com firmeza e corretamente, que sim); Celly ainda fala sobre a saudade dos palcos, mas que não pensa em voltar, porque olha para o futuro; Erasmo (com quem eu sempre sonhei fazer um filme, diga-se) toca no assunto das dificuldades em importar instrumentos, por causa da alta carga tributária, e da censura. A iluminação do palco é precária, as câmeras não chegam muito perto, e o som não devia ser lá essas coisas... Apesar de ter ocorrido há apenas 32 anos, tudo parece tão antigo, o mundo era outro...

    ***

    Não me lembro de já ter lido algum texto analisando a questão da Justiça nos filmes de John Ford, mas não duvido de que eles existam; afinal, nos últimos dias, vi três de seus filmes que dedicam boa parte ao tema: "Juiz Priest", "O Prisioneiro de Ilha dos Tubarões" e "A Grande Esperança" (título nacional meio bizarro para "Young Mr. Lincoln" _figura que aparece "em pessoa" nos dois últimos_, sua primeira parceria com Henry Fonda, excelente). Chama bastante a atenção o imenso senso de humor demonstrado no primeiro e no terceiro... E uma cena de "Young Mr. Lincoln" me remete diretamente a outra de "Fúria", de Fritz Lang (claro que estou falando das assustadoras tentativas de linchamento na delegacia).

    São grandes filmes, assim como "A Longa Viagem de Volta" (1940), também de Ford, adaptando quatro peças curtas de Eugene O'Neill (o sogro do Chaplin aprovou o resultado), num raro caso onde o enredo não tem muita importância, mas o roteiro não é frouxo por causa disso (a fotografia de Gregg Tolland, cheia de efeitos, é um show à parte) e "Paraíso Infernal" (1939), de Howard Hawks: belíssimo drama feito entre as comédias "Levada da Breca" (da qual não gosto muito, oh) e "His Girl Friday", inspirado numa história real, envolvendo a aviação e estrelado por Cary Grant, Jean Arthur, Rita Hayworth (com 21 aninhos) e Richard Barthelmess (o chinês de "Lírios Partidos"), cuja ambientação lembra, e muito, "Uma Aventura na Martinica", que ele faria 5 anos depois (inclusive aproveitando certas linhas de diálogo).

    Do mesmo período, também passei (e repassei) por alguns Hitchcocks: "Os 39 Degraus", "A Dama Oculta" e "Rebecca", com menção honrosa para o primeiro, onde já aparecem cristalizadas inúmeras das características narrativas do diretor: o homem errado em fuga que depende da ajuda de estranhos para desbaratar uma conspiração encabeçada por um membro distinto da sociedade, com direito a um engenhoso McGuffin e um final apoteótico em um local público extremamente famoso, com muito senso de humor negro. Outro diretor querido visitado foi Leo McCarey, que compareceu com "A Cruz dos Anos" (1937) e "Love Affair" (1939); mas, contrariando o próprio, meu preferido segue sendo "Cupido É Moleque Teimoso".

    ***

    Um dos motivos que me fizeram ver menos filmes do que o normal são as séries: vi a segunda temporada de "Lost" (em DVD, não na Globo) e estou vendo a primeira de "House". É engraçado: a primeira temporada da série da ilha perdida é mais impressionante do que a sucessora (porque tudo é muito novo), mas foi esta que me gerou em mim maior interesse (porque algumas das respostas começam a surgir, o que dá vazão para as especulações). Algumas das personagens principais vão se transformando, outras vão morrendo... O DVD de extras traz um jogo fascinante, que mostra os "seis graus de separação" entre as personagens _o nível de detalhe é impressionante. Quanto a "House", é óbvio que a inspiração é Sherlock Holmes; é interessantíssima e certamente desafiadora para os roteiristas... o problema é a repetição (que também ocorre nos contos originais estrelados por Holmes, diga-se), mas
    nada que desestimule o acompanhamento da mesma.

    ***

    Saindo do forno, pelando: o vídeo abaixo foi feito sob encomenda, durante este feriado do Dia do Trabalho , para um grupo de estudos de Cultura Histórica e Comunicação (mestrado), sediado em uma universidade em Barcelona. Ao ser convidado a participar deste projeto, tinha acabado de assistir a "Down by Law", de Jarmusch, no qual ele assinala sua preferência por planos com travellings da direita para a esquerda; atinei que era a visão de alguém sentado no banco de passageiros e, em um passeio de uma hora, gravei 15 minutos de material bruto, editados no tempo máximo proposto (2 minutos). Houve um breve tratamento de imagem (desaturação de cores, ajuste de contraste e aplicação de câmera lenta) e composição de trilha sonora (foi a primeira vez que criei uma trilha, buscando construir uma estrutura em três atos, acompanhando as imagens; o resultado é obviamente naïf, talvez risível e com potencial de torcer os tímpanos dos músicos, cuidado). Todo o processo de construção deste trabalho durou cerca de 6 horas _ou seja, bastante diferente do modo como costumo trabalhar (dezenas de tratamentos de roteiro, decupagem elaborada, storyboards, meses de preparo e discussão de conceitos em equipe etc.); o prazo foi apertadíssimo, e o que saiu foi esta experiência despretensiosa e divertida, uma molecagem:



    ***

    Carlo Mossy me escreveu, encaminhando um longo texto escrito para o jornalista Arthur Xexéo, de "O Globo", pedindo que eu o reproduzisse. Eis o seu desabafo, sem nenhuma edição ou correção de erros de digitação ou de outra natureza, para quem quiser julgar, discutir, aplaudir ou esbravejar:

    "Xexéo,

    Entendo o 'natural' receio de alguns fulgurosos cronistas, críticos e xerifes da arte em se exporem ao 'ridículo' quando falam em suas colunas e afins -até numa boa(?),- de Carlo Mossy e de seus empreendimentos fílmicos 'menores', tentando desta forma se justificarem e não se 'ridicularizarem' diante (si mesmos) e demais colegas, e, numa duvidosa concepção contextual, acreditar que com isso, inevitavelmente, desgastarem-se intelectualmente com seus assíduos leitores, perdendo seu statu quo veleidoso.

    Tentar degradar-me assim como as minhas realizações celulóidicas, colocando-me numa situação cinematograficamente e culturalmente confrontante aos geniais realizadores universalizados de um Bergman ou de um Scorsese, por exemplo, (nomes citados numa gloriosa coluna de um queridíssimo cronista, na tentativa de me desmoralizar e os meus filmes), que, como tantos outros, em um tom caprichadamente irônico, desandam a sacanear minha 'espécie' em breves notas ou em longitudinais e verticalizadas matérias, sabotando não só a minha efêmera figura de artista, mas, acredito, a antropológica cultura democrática num todo.

    Estas subjetivas análises são, sem tirar nem pôr, por demais e cruelmente pejorativas.

    Ao desencadearem as solenes críticas, sempre emolduradas num tom excessivamente sarcástico e preconceituoso, acreditam os redatores e formadores de opinião deste especial obtuso quesito, salvaguardarem seus egos e seus álter, filosoficamente assentidos, numa espécie de álibi à concepção e à feitura da matéria em si e ao seu remate moral. É aquela velha história: - Estou falando bem do cara, (já que não é uma boa xingar a mãe dele) mas metendo o pau no conjunto de sua 'execrável obra', portanto, livro-me de julgamentos passíveis de esculacho.

    Imagino que o mecanismo da instituição cultural não pertence a uma só vertente. Ela não é e jamais será pragmática, mas suscetível a diferenças culturais de toda ordem, mesmo aquelas que, por alguns não são desejadas como tais. Até a falta de cultura é uma cultura.

    Essa negativa análise a um gênero de filme brasileiramente popular, que em nada atrapalha ao engenho de quaisquer segmentos de filmes brasileiramente elitistas, (herméticos; mais cabeça; filmes que eventualmente transmitam 'conhecimentos' aos menos eruditos e, conseqüentemente, metamorfoseando-os em seres mais intelectualizados, revigorando seu padrão moral e filosófico em benefício de uma sociedade ocidentalmente exigente à questão cultural-ético-moral – sintética?) não fará daquela prestigiosa coluna ou matéria, que se dispõe em anarquizar o tal filme dito popular e o seu - 'vil' - realizador, menos ou mais culturalmente estética, pois, os eruditos leitores também têm seus momentos de descontração intelectual, sobretudo, no momento de assumirem seus instantes de espírito simplório do elementar bê-á-bá de suas essências (inatas), abandonam nesse ínterim de seu existir questionador, suas faculdades cognitivas à cultura decoreba, tornando-se então, (apesar deles), contraditoriamente populares. Agora, cá entre nós: aturar um indivíduo intelectual 25 horas por dia é um saco, mesmo num boteco.

    Tento entender as limítrofes razões de ordem e conceito subjetivo que levam a execrar-me como cineasta (culturalmente e cinematograficamente falando), desvalorizando as dezenas de filmes que realizei como produtor-empreendedor durante quatro décadas, envolvendo centenas de ilustres pluralistas artistas em todos os segmentos que um filme disponibiliza até a sua concepção final, 'deteriorando' milhares de quilômetros de celulóide. Mas será que, lá no fim do túnel, nem um fotograma que seja, escapa à continuada perseguição ao canibalismo da cultura da espontaneidade popular?

    A turma gosta (repórteres, jornalistas e curiosos) de me identificar e de salientar como sendo um emérito pegador, o famoso comedor, preenchendo com essa minha saliente imagem, as almas insaciáveis e erotógenas dos autores das matérias e de seus voluptuosos leitores, pois essa minha imagem de impetuoso 'garanhão', (imagem trailer construída ao longo de quarenta anos), 'quebra os galhos' às eventuais brechas editoriais de páginas de um jornal ou de uma revista vendável. – Quais as atrizes que você comeu? – Qual é a sua preferência sexual? Você é gay? - É bi? Jamais, em tempo algum, me propuseram , mesmo me considerando um 'tarado celulóidico', quaisquer outras interrogativas que não fossem essas: óbvias, repetitivas e de baixo teor qualitativo. Que absoluta falta de imaginação e precariedade jornalística urbano-cultural! Até um feto possui uma longa história a contar em seu curto e ainda silencioso currículo de vida.

    Está certo. Afinal constituí (opcionalmente e estrategicamente) meu patrimônio nominal e midiático arriba desse clichê-pedigree libidinosamente fílmico. Nada a reclamar, muito pelo contrário. Aproveitei e aproveito (com moderação que o inexorável tempo se faz exigir) até os dias de hoje, de suas conseqüências -por vezes- horizontalizadas. Mas todos os atores e técnicos que comigo e para mim trabalharam nesses 'abjetos' filmes, sem exceção, centenas deles, alguns até hoje consagrados nas tvs e teatros, além do cinema, agradecem aos alongados esculachos midiáticos, como agregados diretos destes ditos e proclamados 'horrorosos' filmes.

    Aqueles que emprestaram suas míticas, consagradas e talentosas figuras aos meus 'desonrantes' empreendimentos celulóidicos, (dignificando-me à perenidade como produtor e colega), apresentam-se, aqui e agora, com certeza, em coletiva tristeza, (mesmo que fisicamente distantes), registrando esse mais um injusto item desabonador às suas vidas inteiramente dedicadas à 'arte', insistentemente vilipendiadas (especialmente em meus filmes) pela injusta intolerância artístico-cultural.

    Começo citando alguns dos já saudosos, que em intrínsecas eras românticas, talvez, até ingênuas, compunham um quadro de trabalho na minha produtora, a 'ignóbil' Vidya Produções Cinematográficas. Então vejamos:

    Rodolfo Arena, Tião Macalé, Jayme Barcellos, Jotta Barroso, Henriquieta Brieba, Wilson Grey, Abel Pêra, Victor Zambito, Heloisa Helena, Waldir Maia, Cléia Simões, Hugo Bidet, Martin Francisco, Zézé Macedo, Átila Iório, Estelita Bell, Hélber Rangel, Francisco Dantas, Milton Morais, Carlos Kurt, Rony Cócegas, Catalano, Quinzinho, Dary Reis, Fregolente, José Lewgoy, Urbano Lóes, Paulo Porto, os irmãos Cazarré.

    Não devo esquecer-me de outros nomes de artistas igualmente consagrados, ainda muito vivos, seguramente envergonhados com toda essa 'sacanice' cinematográfica, igualmente coniventes à 'baixaria'. A lembrar: Jorge Dória, Maria Pompeu, Mariza Sommer, Kátia D’Ângelo, Monique Lafond, Maria Lucia Dahl, Nildo Parente, Ana Maria Kreisler, Licia Magna, Elisa Fernandes, Georgia Quental, Sérgio Guterrez, Aizita Nascimento, Elza de Castro, Betty Saddy, Yara Stein, Ivan de Almeida, Helena Ramos, Radar, Marlene Glória, Fátima Freire, Ney Costa, Rossana Ghessa, Zózimo Bulbul, Luely Figueiró, Fernando Reski, Neuza Amaral, Meiry Vieira, Carvalhinho, Vera Fischer, Tutu Guimarães, Stepan Nercessian, Pedro Paulo Rangel, Lady Francisco, Ricardo Blat, Ted Boy Marino, Dudu França, Luiz de Lima, Marta Moyano, Lídia Mattos, Tião D’Ávila, Tereza Trautman, Adéle Fátima, Marta Anderson, Alba Valéria, Wilza Carla, Otávio Augusto, Adriano Reis, Luciano Sabino, Tutu Guimarães e Fernando José. (Somente citei atores e atrizes que contracenaram em meus filmes e não outros talentos em outras pornochanchadas como Raul Cortez, Antonio Fagundes, Ida Gomes e lá vai fumaça!).

    E de acordo às veementes e elásticas críticas de alguns cronistas, críticos e intelectuais, todos os partícipes desses filmes são uns 'merdas'.

    Agora, numa boa: será que eles se sentem realmente culpados e até complexados por terem sido vergonhosamente agregados aos meus filmes e por isso execrados como artistas?

    E lá venho eu com xaropada!

    A instigante história da humanidade nos relata que, a vida íntima (visceral) de dezenas de pensadores, poetas, filósofos e cientistas consagrados pelas suas idéias e feitos de toda ordem, num determinado momento de suas naturais voluptuosidades terrenas, (quando a terrível dor de barriga ou de dente não se apresentava) permitiam-lhes adentrar no animalesco universo da sacanagem, (instinto cósmico), motivando seu ser às mais 'repugnantes' taras, com suas amantes, prostitutas e, por vezes, esposas, (os homossexuais idem) alimentando e fantasiando suas libidos até de forma escatológica, fugindo naquele momento libidinoso, às tradicionais convenções e regras sociais, morais e religiosas impingidas ao longo de suas existências na sociedade, contradizendo com essa suas bestiais essências de sacanas que eram, a presunçosa estética do homo sapiens metafísico. (Afinal de contas ninguém é de ferro! Deviam se dizer). Nem por isso, deixaram de pertencer à nata de iluminados, pródigos estudiosos da condição humana: material e espiritual.

    Com a minha 'inconseqüente' assinatura de produtor, diretor, ator e roteirista, mal sabiam os atores e técnicos do sério risco artístico, cultural e existencial que corriam ao se envolverem às famigeradas pornochanchadas e outros gêneros de filmes produzidos pela minha 'insignificante' pessoa de cineasta. Ingmar Bergman e Scorsese, -imagine-, jamais convidariam nenhuns desses – 'inábeis' - artistas acima citados, a participarem, nem que fosse como figurantes, em quaisquer de seus filmes. Que nada! Eles só servem mesmo para atuar nas tupiniquins pornochanchadas(?!)

    Às vezes, deixo de ler (em francês) as sátiras ferinas de um Voltaire e me envolver ainda mais em seu Iluminismo, ou, por livre escolha, estudar a arquitetura dramatúrgica de um Arthur Miller. Excitar minha imaginação adentrando num categórico Nelson Rodrigues; talvez compartilhar e me aprimorar através dos compêndios dos mais lindos desejos à humanidade de um Aristóteles, Platão, e de seus mais variados modernos seguidores; e dependendo do meu humor, contradigo meu otimismo com o ceticismo de um Schopenhauer. E tudo isso, ao som de um Brahms; de um Debussy; de um momento jazzístico, não olvidando um insubstituível poeta musical, o carioquíssimo Chico Buarque. Troco tudo isso com imenso prazer, e submeto-me, viciado que sou, à leitura matinal das maravilhosas crônicas matérias e opiniões, passando pelas colunas de fofocas, Cartas dos Leitores e afins deste jornal que, por sua vez e também, me ensina e me subleva através desses pluralistas exercícios de leitura, a outra magnitude. Considerando a análoga diversidade literária aqui exposta, contradigo com isso, o meu relativo intelecto e a minha imatura cultura?

    Recentemente descobri que meus filmes são tão ingênuos como é o seu povão, relativamente despretensiosos quais um assalariado (brasileiro), e cuja concepção audiovisual da melhor qualidade, técnica e artística, vigora até os dias de hoje, estranhamente, em Cineclubes, Mostras Culturais, Universidades e na Internet. Vai entender!

    Quando fomentei a realização desses filmes nos anos 60 e 70, eu era um jovem inconseqüente qual um adolescente tende ser, intempestivo e imaturo de acordo à experiência de vida, sequer uma ideologia, sequer um conceito mais nobre emanava em meu currículo intelectual, mas sabia o que desejava com os meus filmes: qualidade, distração e muitos aplausos de um público 'ignorante', e como conseqüência natural do sucesso... a grana. Muita grana! (Gastei toda ela com as mulheres).

    Todos os meus filmes foram realizados pela minha produtora com dinheiro próprio, suado, emprestado aos bancos a 80% ao mês e a amigos e familiares (esses, com juros menores). Vendi vários imóveis próprios, carros, proporcionando-me gloriosas angústias, tudo isso, no intuito de terminar um filme, pagar os meus artísticos e técnicos trabalhadores, comportamento hiper-contrastante aos 'produtores' dos dias de hoje.

    Mega-produções são 'realizadas' com o famigerado dinheiro público, que, com raras exceções, é 'dado' às hiperprestigiadas produtoras-distribuidoras sem fins lucrativos; sem represálias fiscais a temer e, not least, ao Deus-dará. Sabemos que, mais do que uma Indústria Cinematográfica, proliferam as Indústrias à Captação de Recursos... públicos. E como diz o nosso Ancelmo: do meu, teu, nosso dinheirinho. Como entender, Xexéo, que em alguns muitos casos, uma produtora que mal consegue pagar as cópias de um filme lançado no mercado quando esse filme resulta num estrondoso fracasso de bilheteria, consiga em seguida, no mesmo ano, uma outra leva de dinheirama? E eu, cineasta tradicional e de sucesso, com dezenas de filmes exibidos e de mega sucesso, tenho meus projetos (por acaso não neopornochanchadeiros) insistentemente indeferidos em editais públicos por questões burocráticas?

    No fundo, no fundo, lamento não fazer parte desse jogo contemplativo de cartas marcadas, (se é que elas realmente existem como corre em operantes grandes-bocas-pequenas) envolvendo-me às nababescas captações da grana. Aliás, sequer seria recebido nos gabinetes, pelos Diretores ou seus Assessores, aqueles que, como Deus(es), submetem-nos à angustiante espera do seu parecer artístico e técnico do projeto apresentado.

    Não tive talento para adentrar na patotada. Afinal, por que iriam 'eles' dividir o bolo com um cineasta popular de sucesso ou com outro qualquer? A concorrência do vil metal existe e é pródiga, se apresenta de forma selvagem e imbecil, ostensivamente manipulada, também, dentro de um cinema brasileiramente pluralista.

    Em tempo: na maioria das vezes, esses ditos julgadores e juizes de projetos fílmicos, (roteiros) lá são colocados (nas conhecidas instituições governamentais fomentativas ou particulares, de dinheiros públicos ou não, alavancados pela Lei Rouanet e outras) em nome de uma política fisiológica incestuosa, e, obviamente, prestigiados e assumidos como esquadrão cobra-mandada pelos amigos hierarquicamente superiores, tomam posse com pose, sem ser-lhes exigida uma relativa competência em suas funções ou, na irracionalidade de seus importantes atributos a quais foram 'empregados', quaisquer conhecimentos à história da arte cinematográfica; à psicologia de massa referente ao cinema; à moderna mercadologia e, contrariando o capitalismo, a resultados financeiros possíveis. Foram apadrinhados por interesses apócrifos e ponto final.

    Qualquer que seja o produtor, (nem todos os produtores são cineastas, aliás, a maioria não o é) e sabendo de antemão que não haverá riscos fiscais e legais –imediatos- ao captar e realizar um filme, o fazem na maioria das vezes com desdém intelectual, comercial e artístico, o que é absolutamente natural a quem só pensa em lucros imediatos, (sem responsabilidades), não dando a mínima importância à realização técnica e artística do filme, prejudicando, quase sempre, à criação de seu contratado roteirista e diretor, (quando esse é apenas mais um funcionário do filme e não também seu produtor) e, conseqüentemente, no resultado (retorno financeiro) do mesmo. Normalmente os 10% do orçamento milionário de um filme auferidos à produtora pela sua administração à empreitada (quando são 10%!) serão mais do que suficientes (aos produtores e parceiros dos produtores) em levarem sorridentes suas vidas e às suas pouco problemáticas sócio-econômicas existências urbanas, ilimitadamente anuais.

    Pedro Carlos Rovai, numa entrevista que me concedera, disse: 'Nós, os cineastas das comédias eróticas, que sempre fizemos um tremendo sucesso no cinema, estamos à míngua e de pires na mão. Já os caras que nunca fizeram um só sucesso de bilheteria, mas sempre foram aplaudidos de pé pela crítica 'especializada', mantêm-se no altar das glórias, ilustres e prestigiados na mídia, morando em casas próprias com piscina... carros do ano...' Que milagre é esse?

    Tenho plena consciência de que cada fotograma, de cada filme que seja, se faz necessário numa indústria cinematográfica democraticamente cultural. Mesmo que não agrade a uma elite (minoria), a pornochanchada agrada a uma outra parte. Estamos no Brasil e não na Suécia (que também tem suas pornochanchadas locais) e, aqui, ninguém nasce com um Ingmar Bergman na cabeça, mas, com uma vertente singular (digamos... virtude antropológica diferenciada) agregada às essências naturais de uma nação pornochanchadeira. Costumo repetir em minhas entrevistas que os brasileiros já nascem com um quê de pornochanchadeiro. Aliás, o emblemático cinema popular, não pode ser visto como sendo o único vilão e se oferecer à palmatória cultural da nação cinéfila.

    Há público para todos os gostos. Há cinemas próprios para cada filme. Seja ele hermético ou, como costumam definir os herméticos: cinema superficial.

    A distribuição de verbas através de concursos públicos em editais e fomentos à cinematografia deveria ser mais funcional e menos politiqueira. Para certos cineastas tradicionais (como eu e o Rovai, dentre outros colegas excluídos), a exemplo do que acontece em certos paises primeiro-mundistas, não seria necessário exigir homéricas garantias a produtores e diretores tradicionalmente consagrados, quaisquer que fossem as garantias. (No Brasil, exige-se, num edital tradicional, uma tonelada de papelada burocrática de fazer inveja ao mais pragmático escritório de contabilidade). Já provamos durante décadas e décadas que sabermos fazer cinema; um bom e atrativo cinema, mesmo sendo ele de característica popular. E não é qualquer cineasta, por mais intelectualizado e teórico que seja, saberá realizar uma comédia escancarada e emoldurada num erotismo à la brasileira. Trata-se de uma arte de sensibilidade e da libido que poucos têm em suas vísceras de falsos burgueses.

    Fomentar na maioria das vezes os mesmos antigos-modernosos cineastas (não estou me referindo aos jovens e novos talentos que são ótimos e que se fazem necessários) em detrimento dos veteranos capacitados, em estranhas contemplações 'concursadas', é um crime de lesa-pátria-cinematográfica, configurado repetidamente através do pequeno público comparecente às bilheterias atuais. (Qualquer uma das minhas dezenas de produções cinematográficas passava dos 3 milhões de ingressos vendidos. Giselle = 13 milhões).

    Ainda na contramão à estética do equivocado conceito cinematograficamente cultural, e sob o meu –frágil- ponto-de-vista, figuram (sempre por tabela) os também geniais cartazistas e ilustradores, que emolduram todos os meus filmes com seus magníficos e personalizados cartazes, fazendo eles, igualmente, parte à desalentadora gangue do 'filme-menor': Ziraldo e Benício.

    Alguns dos mais brilhantes e consagrados músicos da nossa MPB participam desses '(ir)relevantes' filmes: José Itamar de Freitas, Zé Milito, Zé Rodrix, Guilherme Lamounier, The Shakers, Cláudio Barreto e sua banda Espírito da Coisa, (banda do qual fui produtor) Paulo e Marcos Valle, Egberto Gismonti, o maestro Ivan Paulo, Wando entre outros, todos eles, uns 'ridículos' músicos por se deixarem, eles também, serem 'enganados' por mim em suas expectativas artísticas.

    Com toda a certeza não ganharei qualquer que seja a absolvição por todo esse meu lamurioso comentário, mas, em todo caso, fica ele aqui, resignadamente registrado. Estou triste e amargurado em exaustiva fila de espera, pois ainda me considero um artista capaz.

    Voltando aos artistas e técnicos que compõem meus 'filmes-menores', citemos alguns dos melhores diretores de fotografia do país, que trabalharam comigo e para mim, como: José Rosa, Edson Batista, Hélio Santos, Roberto Pacce, José Medeiros. Alguns montadores: Baldaconni, Ismar Porto, Nazaré Ohana, Raimundo Higino. Os incríveis e dinâmicos eletricistas e maquinistas, a equipe técnica, maquiadores, continuistas, figurinistas, cenógrafos, dezenas deles, os mesmos que hoje ensinam aos mais jovens, nas tvs e no cinema, repassando seus conhecimentos. Porque não lembrá-los, envolvendo-os nesse 'escárnio' cinematograficamente cultural?

    Quase ia me esquecendo dos '(in)qualificáveis' diretores que foram contratados pela minha empresa para dirigirem os questionáveis filmes, quando não era eu seu diretor: Victor Di Mello, Ismar Porto, Cláudio MacDowell, Alberto Pieralise e Vitor Lima. Coloquemos no rol dos 'zero à esquerda' os laboratórios de revelação e copiagem, (Líder etc.), a fábrica Kodak e seus técnicos, as distribuidoras e seus funcionários, as exibidoras e seus funcionários. Milhões de pessoas pagantes se jubilavam com esses filmes fazendo filas homéricas para entrar no cinema. Todo esse mundaréu não merece sequer uma colher-de-chá 'culturalizante'? Mesmo que não signifique nada esse elo 'culturalizante'.

    As pornochanchadas exibidas no Canal Brasil, (o grande ressuscitador do pluralista cinema brasileiro – um milagre à cultura) transformam as noites e madrugadas dos insones, no seu maior atrativo audiovisual. Eu acho que, na contramão de uma controversa legitimidade às culturas teóricas (sei lá!), a cultura do prazer na prática também deveria ser considerada.

    Concluindo: é incrível a ignorância e ou a alienação cultural de pessoas (mesmo aquelas que são ligadas ao cinema e que se dizem e se sentem cultas) que confundem as ingênuas pornochanchadas (rótulo criado com sucesso pelos 'intelectuais' do Cinema Nacional, – Críticos e Cineastas, - no intuito a desclassificar esse gênero de cinema e do seu incômodo sucesso, nos anos 60, 70 e 80), com filmes de sexo explicito, que, na minha humilde concepção, são igualmente relevantes como forma de arte. Aliás, como sabemos, as chanchadas dos anos 40 e 50 também foram sistematicamente bombardeadas como sendo 'filmes-menores'.

    Será que serão lembradas as pornochanchadas, como são lindamente lembradas as chanchadas em sua preciosa matéria, maravilhosamente saudosista, 'Vai, com jeito vai', na Revista de Domingo, de 20/05/07?

    Abração,

    Carlo Mossy"

    ***

    Em tempo: para quem tem acesso ao UOL ou é assinante da Folha, recomento este artigo de Marcos Augusto Gonçalves, "O cinema brasileiro acabou", e destaco a seguinte passagem: "
    Meu amigo cinéfilo sentenciou: 'Os filmes ruins continuam sendo feitos, só que agora eles são bons'."

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